Descrição de chapéu The New York Times

Estes cinco números explicam por que os franceses estão nas ruas

Movimento chamado de 'coletes amarelos' tem realizado protestos há três semanas

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Manifestantes com coletes amarelos protestam em Cissac-Medoc, na França - Regis Duvignau/Reuters
Liz Alderman
The New York Times

Após três semanas de protestos violentos em vários pontos da França, o presidente Emmanuel Macron enfrenta a maior crise de sua liderança. Os manifestantes apelidados de “coletes amarelos” reivindicam alívio financeiro do governo para grandes parcelas da população que estão tendo dificuldade em se sustentar.

Na terça-feira (4), revertendo uma política que havia desencadeado a revolta, o primeiro-ministro Edouard Philippe buscou acalmar o furor, suspendendo por seis meses um aumento previsto no imposto sobre os combustíveis. Nesta quarta (5), o governo cedeu mais e adiou o aumento até o fim de 2019

Mas não está claro se essa concessão isolada será o bastante para tirar os manifestantes das ruas.

O movimento dos coletes amarelos, cujos participantes vestem ou exibem coletes de alta visibilidade usados em emergências, se converteu em um protesto coletivo contra os problemas mais profundos que assolam a França há anos: a queda dos padrões de vida e a erosão do poder de compra, que se agravaram desde a crise financeira de longa duração na Europa.

Seguem alguns números que explicam por que a França entrou em erupção.
 

1.700 euros: a renda mensal média na França

Como outros países ocidentais, também na França há uma disparidade profunda e crescente entre os cidadãos mais ricos e os mais pobres. Os 20% mais ricos da população ganham quase cinco vezes o que recebem os 20% mais pobres.

O 1% mais rico da população francesa representa mais de 20% da riqueza econômica do país. Mas a renda média mensal disponível é de cerca de 1.700 euros (cerca de R$ 7.400). Metade dos trabalhadores franceses ganha menos que isso.

Muitos dos “coletes amarelos” estão protestando contra a dificuldade de pagar aluguel, alimentar suas famílias e simplesmente subsistir, diante de um custo de vida que não para de subir –incluindo especialmente os preços dos combustíveis—, enquanto a receita das famílias praticamente não muda.

Os trabalhadores franceses estão em situação melhor que os da Itália, onde o aumento real dos salários está negativo desde 2016. Os salários reais nesse país caíram 1,1% entre os quartos trimestres de 2016 e 2017, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.

Mas, embora os salários reais por hora tenham subido na França, esse aumento vem sendo lento, mais ainda desde o fim da crise de dívida na zona do euro, em 2012.

1,8%: o crescimento econômico

A França é a terceira maior economia da Europa, depois do Reino Unido e da Alemanha, e a sexta maior do mundo, antes de ser contabilizada a inflação. Os turistas que visitam Paris hoje podem voltar para casa com a impressão de que o brilho da capital francesa significa que o resto do país vive situação igualmente boa.

Mas o crescimento econômico estagnou por quase uma década durante a prolongada crise da dívida europeia, tendo começado a melhorar apenas recentemente.

A qualidade da recuperação vem sendo desigual. Muitos empregos permanentes foram eliminados, especialmente na zona rural e em áreas antes industriais. E muitos dos novos empregos que estão sendo criados são contratos temporários e precários.

O crescimento da economia é crucial para a melhoria das condições de vida das pessoas que vêm protestando. Mas, embora a retomada econômica nascente ocorrida antes de Macron chegar ao poder tenha ajudado a gerar empregos, o crescimento esfriou para 1,8% ao ano, acompanhando a desaceleração verificada no resto da zona do euro.

Mais de 9%: o desemprego

A desaceleração do crescimento dificulta o esforço para resolver outro problema francês: o grande número de pessoas sem trabalho.

O desemprego no país está estagnado entre 9% e 11% desde 2009, quando a crise da dívida atingiu a Europa. O índice caiu de 10,1% quando Macron foi eleito para 9,1% hoje. Mas ainda é mais que duas vezes maior que o da Alemanha.

Macron vem tentando injetar novo ânimo na economia. Este ano ele encomendou uma revisão agressiva das rígidas leis trabalhistas nacionais, visando ajudar as empresas a definir as regras sobre contratações e demissões, de modo a passar ao largo de normas vigentes de longa data que desencorajam os empregadores de contratar novos funcionários.

As medidas também limitam a capacidade dos sindicatos de postergar sua adoção, permitindo que acordos individuais sejam negociados entre patrões e empregados ao nível da empresa ou da categoria.

Essas reformas ajudaram a atrair para a França empresas como Facebook e Google, mas podem levar anos para mostrar resultados positivos para a maioria dos trabalhadores. E elas foram repudiadas por trabalhadores, que as enxergam como um complô para lhes roubar direitos trabalhistas conquistados a duras penas, favorecendo as grandes empresas.
 

3,2 bilhões de euros a menos em impostos sobre os ricos

Como parte de seu plano de estímulo da economia, em seu primeiro ano no poder Macron reduziu os impostos sobre os contribuintes mais ricos, inclusive através da criação de um imposto único sobre a renda de capitais.

Mas o elemento central do pacote de impostos, justamente o mais repudiado pelos manifestantes, acabou com o imposto sobre fortunas que era cobrado sobre muitos bens das famílias mais ricas do país, substituindo-o por um imposto cobrado apenas sobre seus ativos imobiliários.

Com isso, a receita recebida pelo Estado este ano diminuiu em 3,2 bilhões de euros (cerca de R$ 14 bi).

Até agora há poucas evidências de que esse corte tenha tido um efeito de estímulo. Em vez disso, Macron ganhou fama de favorecer os ricos, e essa é uma das maiores razões da ira manifestada pelos “coletes amarelos”.

Enquanto as pessoas de alta renda ganharam incentivos fiscais sob o plano fiscal de Macron, o poder aquisitivo do 5% de famílias mais pobres do país diminuiu no ano passado. Mas, segundo o Observatório Econômico Francês, a maioria na metade do espectro, cerca de 70% da população, não foi nem beneficiada nem prejudicada.

O presidente Emmanuel Macron durante o encontro do G20 em Buenos Aires - Ludovic Marin - 1.dez.2018/AFP

715 bilhões de euros: a rede de segurança social

Enquanto sondagens indicam que os “coletes amarelos” têm o apoio de três quartos da população, sobram perguntas sobre quanto sofrimento os manifestantes realmente estão enfrentando –ou até que ponto sua explosão pode ser atribuída a uma cultura secular de protestos públicos contra mudanças.

A França protege os cidadãos com uma das redes de segurança social mais generosas do mundo, tanto que mais de um terço de seu produto econômico é usado com a proteção do bem-estar, mais que qualquer outro país da Europa.

Em 2016 a França gastou cerca de 715 bilhões de euros (R$ 3,1 trilhões) com atendimento de saúde, benefícios familiares e seguro-desemprego, entre outros tipos de apoio.

Para receber essa assistência, os trabalhadores franceses pagam alguns dos impostos mais altos da Europa.

Embora as pessoas de renda alta paguem mais impostos, o país também aplica um imposto de 20% do valor adicionado sobre a maioria dos bens e serviços. Somadas ao impostos dos combustíveis, que o governo de Macron acaba de prometer que vai suspender temporariamente, essas medidas tendem a prejudicar os pobres, enquanto os ricos praticamente não são afetados.

Tradução de Clara Allain

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