Descrição de chapéu The New York Times

Inspirado pela Índia, Singapura debate fim de proibição ao sexo gay

Ativistas querem que Justiça local siga os passos da indiana e declare a lei inconstitucional

Amy Qin
Singapura | The New York Times

Em todo o antigo Império Britânico, as leis que proibiam o sexo gay nas colônias eram muitas vezes tão parecidas que algumas tinham até o mesmo número de código. Na Índia era a Seção 377; em Singapura, 377A.

Por isso, quando a Suprema Corte indiana derrubou neste outono a lei da era colonial que criminalizava o sexo gay, Johnson Ong —a 4.000 quilômetros de distância, em Singapura— viu isso como um chamado à ação.

Em poucos dias, Ong, 43, entrou com uma contestação constitucional para derrubar a versão singapuriana da proibição, afirmando que ela é "absurda e arbitrária" e "viola a dignidade humana".

Manifestantes participam de Parada Gay em Singapura
Manifestantes participam de Parada Gay em Singapura - Roslan Rahman - 28.jun.14/AFP

"A Índia é uma sociedade tão conservadora —muito mais que Singapura em certos sentidos", disse Ong. "Então eu pensei: se a Índia pode fazer isso, por que não nós?"

É uma pergunta que os ativistas dos direitos gays em todo o antigo Império Britânico vêm se perguntando nos meses desde a decisão notável da Índia.

Para esses ativistas, a decisão indiana foi não só uma vitória para o movimento global pelos direitos gays, como também um claro repúdio ao legado da era vitoriana que há muito tempo os sufoca.

Mais da metade dos cerca de 70 países que criminalizam o sexo gay são ex-colônias que herdaram essas leis dos britânicos. Muitos adotaram leis diretamente do código penal indiano, que era considerado na época um modelo para outras colônias.

Hoje, décadas depois que os britânicos partiram e finalmente descriminalizaram a homossexualidade no Reino Unido, essas leis da era colonial continuam em vigor. Neste ano, a primeira-ministra Theresa May reconheceu até a responsabilidade do Reino Unido nisso, dizendo que essas leis eram "erradas na época e são erradas hoje".

Mas a decisão na Índia assoprou nova vida no combate ao que alguns ativistas dos direitos gays chamam de "ressaca colonial".

No Sri Lanka, os ativistas buscaram conselho de advogados indianos que defenderam com sucesso o caso na Suprema Corte. No Quênia, partidos que tentam derrubar a proibição ao sexo gay apresentaram argumentos à Suprema Corte baseados na decisão indiana.

Talvez o movimento mais veemente que surgiu no rastro da decisão indiana foi o de Singapura, uma próspera cidade-Estado que não é conhecida por um ativismo cívico vibrante. Enquanto contestações anteriores à proibição falharam, os ativistas redobraram esforços depois que Tommy Koh, um diplomata veterano de Singapura, comentou a decisão da Índia, pedindo que a comunidade gay "tente de novo".

O incentivo de Koh provocou uma onda de discussão em torno da Seção 377A, que data de 1938 e ameaça com até dois anos de prisão um homem que se envolver em "qualquer ato de indecência repugnante" com outro homem. A lei não diz nada sobre o sexo entre mulheres, e raramente é aplicada.

Além da demanda constitucional de Ong, mais de 50 mil pessoas, incluindo um ex-ministro da Justiça e vários ex-diplomatas, assinaram uma petição para que o governo reconsidere a lei como parte de uma grande revisão do Código Penal, a primeira em mais de uma década. O governo recusou.

Embora o ímpeto de energia inicial tenha diminuído, os ativistas continuam decididos a pressionar pelas mudanças.

Johnson Ong, que entrou na Justiça contra a regra que proíbe sexo entre homens no país
Johnson Ong, que entrou na Justiça contra a regra que proíbe sexo entre homens no país - Ore Huiying/The New York Times

Singapura passou grande parte do ano no cenário mundial, primeiro como o local da cúpula em junho entre os presidentes dos EUA, Donald Trump, e norte-coreano, Kim Jong-un, e mais tarde como o ambiente de "Podres de Ricos", filme de sucesso que mostra vidas luxuosas.

"O mundo tem uma imagem de Singapura como um país moderno e perfeito, com alto padrão de vida e políticas avançadas", disse Glen Goei, diretor de cinema e teatro que ajudou a criar o abaixo-assinado. "Mas esse é apenas o lado superficial de Singapura. Eles não veem o lado de baixo."

Grupos religiosos conservadores vêm liderando a oposição ao movimento de rejeição. Em setembro, o Conselho Nacional de Igrejas de Singapura, que representa cerca de 200 igrejas, deu apoio à lei, declarando que "o estilo de vida homossexual não apenas é prejudicial para os indivíduos, mas também para as famílias e a sociedade como um todo".

Repetindo argumentos que surgiram em outros países, alguns singapurianos manifestaram a preocupação de que derrubar a proibição ameaçaria os "valores familiares tradicionais" e empurraria o país para uma "vertente escorregadia".

Autoridades disseram que cabe à sociedade decidir que direção quer seguir sobre a questão. Uma pesquisa recente da Ipsos Public Affairs, firma independente de pesquisas de mercado, revelou que 55% da população de Singapura apoiavam a Seção 377A, enquanto 12% disseram ser contra.

Em entrevista à BBC no ano passado, o primeiro-ministro Lee Hsien Loong chamou a lei de "um compromisso difícil".

"Estou preparado a viver com ela até que as atitudes sociais mudem", disse ele.

Ativistas disseram que isso foi incomum para um governo conhecido por sua abordagem direta aos assuntos dos cidadãos.

"É estranho que eles digam 'deixe a sociedade decidir', porque nosso governo nunca foi passivo", disse Johannes Hadi, advogado que iniciou a petição com Goei. "Eles sempre foram em frente e fizeram o que achavam que era do interesse do país."

Em 2007, o Parlamento singapuriano votou pela rejeição da Seção 377 original, que proibia sexo oral e anal entre adultos, deixando em vigor só a Seção 377A.

Autoridades tentaram tranquilizar os gays, lembrando-lhes que a lei raramente é invocada. Mas em depoimentos colhidos por grupos sem fins lucrativos locais e antologistas ao longo de anos os gays singapurianos descreveram a vida à sombra de uma lei que os rotula de criminosos apenas com base em suas identidades.

Mesmo nesse ambiente relativamente hostil, é possível encontrar algum sentido de normalidade. Ong é um DJ que também dirige uma agência de marketing digital e vive com seu antigo parceiro, um chefe de cozinha. Nos fins de semana eles assistem a filmes. Para o festival do outono, fizeram bolos e venderam aos amigos.

Mas enquanto a Seção 377A continuar nos livros, disse Ong, viver como gay em Singapura será como "ficar sobre um alçapão".

"Você vê a alavanca e o governo dizendo: 'Não se preocupem, não vamos puxá-la'", disse ele. "Mas nunca se sabe."

Embora o abaixo-assinado não tenha comovido o governo, a ação de constitucionalidade de Ong continua valendo, com a próxima audiência marcada para 18 de fevereiro.


 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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