Não foi feita justiça, diz mãe de brasileira morta na Nicarágua sobre sentença

Mãe de Raynéia Lima diz que réu condenado a 15 anos de prisão pelo crime é 'bode expiatório'

Flávia Mantovani
São Paulo

A mãe de Raynéia Gabrielle Lima, brasileira assassinada na Nicarágua em julho, não considera que tenha sido feita justiça com a condenação do acusado pelo crime, anunciada na quarta-feira (12).

A estudante de medicina de 31 anos foi atingida enquanto dirigia por um tiro de grosso calibre na noite do dia 23 de julho em Manágua. Dois meses antes, havia começado um período conturbado na Nicarágua, com uma onda de protestos contra o ditador Daniel Ortega e uma forte repressão a opositores que segue em curso e já deixou centenas de mortos e milhares de feridos.

A estudante de medicina brasileira Raynéia Gabrielle Lima
A estudante de medicina brasileira Raynéia Gabrielle Lima, morta na Nicarágua - Reprodução/Facebook

Maria José da Costa, 55, questiona a versão dos fatos dada pelo suspeito, o vigilante particular e ex-militar Pierson Adán Gutiérrez Solís, que ela considera um bode expiatório do governo nicaraguense para dar satisfação ao Brasil a respeito do crime. Ela também se queixa do sumiço de provas e da falta de assistência da embaixada brasileira em Manágua.

​Sobre a sentença, que foi de 14 anos pelo homicídio e de 1 ano por porte ilegal de armas, Maria José diz “não ter opinião”. “Para mim, ele pegar 15 anos ou 100 anos é a mesma coisa. Não vai trazer minha filha de volta”, afirma.

Maria José, que mora em Garanhuns (PE), questiona o relato do segurança de que se sentiu ameaçado porque o carro da estudante teria se aproximado “de maneira errática” e em uma “atitude suspeita”. “Como uma mulher na direção, sem armas, pode ser uma ameaça? E se ele queria que o carro parasse, por que não atirou nos pneus? Como ele atira para matar?”, pergunta.

Ela também questiona o fato de um segurança portar uma arma de grosso calibre, além do desaparecimento do carro da estudante e das câmeras de segurança da área depois do crime. “Como um simples vigilante tem o poder de retirar o carro da minha filha do lugar duas horas depois da morte dela? De arrancar as câmeras que filmaram o que aconteceu?” Segundo ela, o veículo e o celular de Raynéia nunca foram encontrados.

Maria José da Costa, mãe de Raynéia, em sua casa em Garanhuns
Maria José da Costa, mãe de Raynéia, em sua casa em Garanhuns - Adolfo Santos Sonteria/Folhapress

A mãe da estudante diz que a família não pôde enviar um representante para acompanhar o julgamento e conta que foi informada da sentença por uma nicaraguense que mora no Brasil e enviou a ela uma reportagem da imprensa local anunciando o desfecho. “Uma notícia dessas eu não deveria ter recebido desse jeito. Ninguém da embaixada me procurou.”

Em entrevista à Folha em novembro, Maria José já havia se queixado da falta de assistência da embaixada. O Itamaraty respondeu dizendo que do ponto de vista consular, o caso era considerado encerrado e disse estar à disposição da família para consultas.

Para Maria José, a morte da filha está ligada a paramilitares, grupos armados cuja ação violenta é denunciada por organizações internacionais como a OEA (Organização dos Estados Americanos). Segundo relatos de nicaraguenses, são ex-integrantes do Exército ou militantes do partido do presidente que reprimem ilegalmente manifestantes e outros opositores.

É a mesma versão dada por Ernesto Medina, ex-reitor da universidade onde a brasileira estudava. Medina disse à Folha em novembro que o namorado da vítima, testemunha do crime, viu três homens encapuzados e que o tiro partiu de um deles. “Todos sabem que aquela área estava cheia de paramilitares que protegem altos funcionários do governo que moram ali. São eles que andam encapuzados”, afirmou.

“Para mim, eles querem só jogar na mídia que houve uma sentença para dar satisfação ao Brasil e à família”, acredita Maria José.

Ela diz que quando a situação política mudar na Nicarágua, pretende entrar com uma ação contra o governo. “Quero que eles revejam essa decisão. Vou lutar até o fim da minha vida para um dia ser descoberto quem tirou a vida da minha filha, uma menina com tantos sonhos para realizar, e para que o verdadeiro culpado seja punido.”

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