Nicarágua expulsa missão internacional de direitos humanos da OEA

Regime acusa CIDH de ingerência; secretário diz que comissão continuará atuando a distância

São Paulo

A Nicarágua expulsou duas missões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),  ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), acusando-as de agir de forma "ingerencista" e parcial em sua avaliação das violações dos direitos humanos no país.

A medida foi anunciada na tarde de quarta-feira (19) pela Chancelaria nicaraguense e afeta o Mecanismo de Acompanhamento Especial para a Nicarágua (Meseni), que atua no país desde 24 de junho, e o Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), que funciona desde 3 de julho.

Amerigo Incalcaterra, membro do  GIEI, deixa o hotel após decisão do governo nicaraguense de expulsar o grupo da CIDH do país
Amerigo Incalcaterra, membro do GIEI, deixa o hotel após decisão do governo nicaraguense de expulsar o grupo da CIDH do país - Oswaldo Rivas/Reuters

Em carta dirigida ao secretário-geral da OEA, Luis Almagro, o chanceler Denis Moncada comunica a "suspensão temporária" dos grupos "até que se restabeleçam as condições de respeito à soberania e aos assuntos internos". 

A carta, lida por Moncada na presença dos delegados das duas missões, acusa as entidades de "falta de imparcialidade e objetividade" e de mostrar "uma atitude ingerencista, intervencionista, fazendo eco das políticas do governo dos Estados Unidos contra a Nicarágua".

Em comunicado, a CIDH lamentou a decisão, disse que a Nicarágua continuará sendo uma prioridade e comunicou que o Meseni vai continuar funcionando a partir de sua sede em Washington. “Para isso, continuará em contato permanente com as organizações da sociedade civil, movimentos sociais, atores estatais e vítimas de violações de direitos humanos”, afirma o texto.

A expulsão ocorreu na véspera da apresentação dos resultados de uma investigação do GIEI sobre as mortes de manifestantes nos protestos contra o ditador Daniel Ortega. Não é coincidência, afirma Paulo Abrão, secretário-executivo da CIDH.

“Nosso informe documenta de maneira muito rigorosa as graves violações de direitos humanos, especialmente os assassinatos. Identificamos responsabilidades objetivas de atores individuais e estatais na cadeia de comando da repressão institucionalizada. Nossa equipe estava se transformando em testemunha incômoda para o regime”, disse à Folha.

Desde abril, a Nicarágua vive uma onda de protestos pela saída de Daniel Ortega e sua mulher, a vice-presidente Rosario Murillo. A repressão aos manifestantes já deixou 325 mortos, incluindo uma brasileira, e ao menos 400 presos. Muitos dos detidos têm sido enquadrados em uma lei de combate ao terrorismo criada às pressas em julho e condenados a penas de até 25 anos.

Nos últimos 12 anos, o ex-líder sandinista se consolidou no poder por meio de alterações na Constituição, cassação de candidaturas, expulsão de políticos de oposição do Congresso e de uma eleição questionada que lhe deu, em 2016, o terceiro mandato.

O Grupo de Trabalho para a Nicarágua do Conselho Permanente da OEA, do qual o Brasil faz parte, condenou “energicamente” a expulsão das missões e pediu que ela seja revogada. A ONU e o representante dos Estados Unidos na OEA também criticaram a medida.

No fim de agosto, Ortega já havia expulsado do país uma missão da ONU que denunciou a repressão violenta em um relatório.

Segundo Paulo Abrão, o trabalho dos grupos da CIDH se baseia em tratados internacionais aos quais a Nicarágua aderiu. Ele conta que a relação com o regime foi se deteriorando. 

“No primeiro momento, tinha muita abertura, cooperação. Quando começamos a divulgar as conclusões e a denunciar de maneira mais contundente as violações que acompanhamos, o regime entrou em posição de negação e afastamento. Não íamos no calar, e penso que o governo entrou em posição defensiva.”

O secretário-executivo diz também que a violência no país vem se agravando, apesar de se manifestar de forma diferente do que era em abril. “Antes estávamos frente a uma violência brutal, letal. Agora vemos uma violência simbólica contra a própria democracia, o cancelamento do funcionamento das ONGs, a expulsão de estrangeiros, decretos proibindo novas manifestações, a invasão de rádios e jornais independentes.”

“É muito frustrante acompanhar a deterioração do estado de direito de um país e constatar que existe um ataque sistemático contra a população civil", afirmou. Mas vamos seguir com nosso trabalho com a mesma intensidade.”

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