Descrição de chapéu Coreia do Norte

No dia do casamento, norte-coreanos fazem sessão de fotos e banquete

Matrimônio é uma das festas mais importantes no país, e espera-se que todos se casem

Ana Estela de Sousa Pinto

De seda verde e amarela até os pés, a noiva estende o buquê de flores, enquanto o noivo, de terno escuro, a enlaça à beira de um lago na hospedaria Ansan, em Pyongyang.

Uma fotógrafa e uma cinegrafista registram a cena, ajudadas por um assistente.

Noiva com traje tradicional coreano de saia longa verde claro e blusa amarela e noivo de terno preto posam para foto em jardim da hospedaria Ansan, em Pyongyang
Noiva com traje tradicional coreano e noivo posam para foto em jardim da hospedaria Ansan, em Pyongyang - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

Prática antes rara na Coreia do Norte, por ser considerada burguesa e consumista, as sessões de fotos de dia de núpcias têm aos poucos se popularizado entre a diminuta classe mais rica do país, segundo a agência de notícias NK News.

A Folha assistiu a três dessas sessões durante os dez dias em que esteve na Coreia do Norte —duas na hospedaria e uma  no Museu Comemorativo do Triunfo na Guerra da Liberação da Pátria. 

Faz parte do ritual prestar homenagens aos locais importantes do regime e fazer retratos em frente a estátuas ou painéis com retratos de Kim Il-Sung ou Kim Jong-il.

O roteiro dos noivos passa por locais cênicos da cidade e termina numa recepção à noite, na qual um mestre de cerimônias faz um pequeno discurso. Come-se, canta-se e dança-se. E bebe-se.

Na hospedaria Ansan, o salão de banquete era enfeitado com frutas e flores de plástico. Faisões  representavam os noivos. Nas paredes, uma pintura mostrava marrecos e outra, uma revoada de cegonhas, ave presente em várias telas norte-coreanas.

Casamento é festa importante no país. Ainda há os arranjados, mas são minoria. Espera-se que todos se casem, mas hoje isso ocorre mais tarde, entre 25 e 29 anos. 

O guia que acompanhou a Folha, Ko Kun-chol, 50, diz que seu filho de 23 anos não pretende usar aliança tão cedo. Ou nunca, já que homens norte-coreanos não usam alianças.

Já as mulheres têm um código de comunicação com base no dedo em que usam o anel, segundo a intérprete Kim Kum-yong: se estiver no indicador, significa que está procurando um namorado; no dedo médio, significa que está comprometida; no anelar, casada, e no mindinho, viúva.

A própria Kum-yong, no entanto, não usa anel em dedo nenhum. Aos 26 anos, diz que só pensa em se casar depois dos 30.

Não há orientação do regime sobre o número de filhos. Segundo os norte-coreanos ouvidos pela Folha, ele vem caindo. Eram 3 ou 4 na geração passada, e hoje se limitam a 1 ou 2.

Após o parto, mães e bebês ficam isolados durante uma semana na Maternidade de Pyongyang. Para falar com as mulheres, maridos usam um sistema de telefone e monitor, em cada andar do hospital.

homem sentado em cadeira laranja fala por telefone com mulher, cuja imagem aparece num monitor; ao lado, funcionário do hospital conversa com enfermeira, cuja imagem também aparece no monitor
Moon Chan-un, chefe do departamento internacional da maternidade de Pyongyang, conversa com uma enfermeira do sexto andar por sistema de comunicação pelo qual os pais podem falar com suas mulheres que deram à luz - Folhapress

Divórcios são malvistos.

Não se fala de sexo com crianças. Na puberdade, garotas tem aula de “educação higiênica”. Sobre que método anticoncepcional é mais recomendado na Coreia do Norte, o chefe do departamento internacional do hospital, Moon Chan-un,  responde: "No ensino médio, todos têm aulas de educação sexual".

Homossexualidade é assunto inexistente no país. 

Quando se casam, os norte-coreanos recebem uma moradia do Estado, segundo Ko.

Coexistem no país vários modelos de residência, de pequenas casas de aldeia no interior —algumas sem energia e água encanada— a bairros residenciais com arranha-céus de mais de 70 andares erguidos em tempo recorde nos últimos anos em Pyongyang.

Do séculos 20, sobraram blocos de edifícios de cinco andares. Nas cidades nas zonas rurais, em sacadas, fábricas e fazendas, se veem paineis fotovoltaicos, que procuram reduzir o desconforto das quedas de energia, ainda frequentes, apesar do investimento do governo na construção de hidroelétricas de porte médio.

Na cooperativa agrícola visitada pela Folha, casas novas foram construídas com paineis solares acoplados a aquecedores de água, e há tanques para transformar esterco de galinhas e porcos em gás para a cozinha.

Analistas afirmam que já existe hoje um mercado privado de imóveis para os muito ricos na Coreia do Norte, mas o regime nega. “Os estrangeiros não acreditam que as casas são gratuitas para o povo. O socialismo ao estilo coreano acelera o desenvolvimento da sociedade apoiando-se na força das massas populares", afirma Kim Chang-kyong, chefe da seção internacional da associação de ciência social da Coreia

Alguns têm direito a apartamentos amplos em prédios novos, como Ro Kyong-ae, 54, funcionária pública aposentada que mora no 16º andar de um edifício construído para professores universitários —seu marido dá aulas de eletrônica na Universidade Politécnica. 

A aposentada Ro Kyong Ae, 54, na cozinha do apartamento que ela e o marido receberam do Estado
Ro Kyong Ae, 54, na cozinha do apartamento que ela e o marido receberam do Estado - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

Os dois vivem com o filho de 26 anos no apartamento de 220 m², 3 quartos, sala de estar, sala de jantar, cozinha, escritório e duas sacadas amplas.

Os apartamentos têm sistema de aquecimento sob o piso, sistema considerado mais eficiente, do ponto de vista energético, para suportar invernos em que a temperatura desce a 20 graus negativos.

Todos os móveis foram doados pelo Estado, diz Ae. Isso inclui a TV, um aquário, eletrodomésticos e o piano de armário, de pintura preta brilhante, que é tocado por seu filho. 

No escritório há uma foto em que o marido aparece ao fundo de uma visita de Kim Jong-il à fábrica de alimentos em que ele trabalhava. Na estante do filho, livros técnicos e sete volumes da biografia de Kim Il-sung.

Sonhos para o futuro? Depois de seis segundos, Ae responde: “Servir bem para que meu esposo e filho tenham bons resultados. Como foram muito beneficiados pelo estado e pelo marechal Kim Jong-un, espero que eles executem bem seus trabalhos e tragam desenvolvimento para o país”.


 

Folha leva à Coreia do Norte perguntas de leitores

"O que você gostaria de perguntar a um norte-coreano, se tivesse a oportunidade de visitar esse que é um dos países mais fechados do mundo?" foi a questão feita pela Folha a seus leitores antes de embarcar.

Foram enviadas mais de 70 questões, parte delas respondidas durante a viagem, no final de outubro.

Muito foi visto e ouvido, mas o número de vozes e pontos de vista ausentes deixa sempre muitas questões em aberto.

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