Descrição de chapéu Coreia do Norte

Norte-coreanos têm 15 dias de férias e maratonas nas fábricas

Falar sobre salário é tabu no país; Estado dá cesta básica a parte da população

Ana Estela de Sousa Pinto
Pyongyang

As jornadas de trabalho são de oito horas por dia na Coreia do Norte, “mas todos trabalham mais”, segundo Ko Kun-chol, do Comitê Coreano de Intercâmbio Cultural com o Exterior. 

Não há pagamento de horas extras, mas, com a introdução crescente de metas, quem produz mais pode ganhar mais, afirma ele.

Vista de mezanino, piscina com quatro raias, cercada de duas piscinas mais rasas
Piscina em dormitório para operárias da fábrica de fios de seda Kim Jong-suk, em Pyongyang - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

Maratonas para cumprir as metas de produção do governo são comuns, e várias fábricas têm alojamentos para que os operários não precisem voltar para casa nesses períodos. 

Na fábrica de calçados Ryuwon, essas forças-tarefa duram dez dias. Na indústria de fios de seda Kim Jong-suk, há maratonas de até 70 dias.

Em 2016, segundo Ri Hye-song,  guia do local, Kim Jong-un enviou uma uma unidade militar para construir em quatro meses um dormitório com capacidade de 320 operárias. 

São 40 unidades, cada uma com um banheiro e dois quartos com quatro camas. Moram nele hoje 280 trabalhadoras.

Em cada andar, há uma cozinha, e no térreo fica uma piscina com quatro raias, spa, piscina infantil, espreguiçadeiras e até uma cascata. Quando a Folha visitou a fábrica, ninguém usava o local. Segundo a guia, estavam trocando a água naquele dia.

Segundo a guia, não existe um sistema de seleção para interessados em trabalhar no local, considerado modelo. "Se uma pessoa quer trabalhar na fábrica, damos um treinamento e, conforme as capacidades demonstradas, alocamos o candidato num determinado serviço."

Ko afirma que o valor do salário é relativo na Coreia do Norte, porque o Estado dá produtos básicos a toda a população —analistas estrangeiros e dissidentes, porém, dizem que desde os anos 1990 a distribuição atinge apenas uma parte dos norte-coreanos, de forma irregular.

O conteúdo da cesta varia de acordo com a região ou a atividade do cidadão, segundo Ko. Há arroz, óleo e frutas, peixe e talvez carne. Agricultores podem trocar o excedente da produção. Os que vivem nas montanhas, onde não é possível arar a terra, produzem ervas medicinais e frutas, e trocam pelo que precisam.

Mas existe um salário mínimo? Ou médio? De quanto é? “Não falamos sobre isso”, diz Ko.  “Não me interessa. Não pergunto às pessoas quanto ganham nem onde gastam seu dinheiro.”

Cerca de US$ 20 por mês foi a resposta dada por um guia turístico a uma taiwanesa que esteve no país no mesmo período que a Folha.

Em artigo recente, um dos principais analistas sobre Coreia do Norte, o professor da Universidade Kookmin (Seul) Andrei Lankov, disse que salários variam de US$ 15 a US$ 30, mas quiosques de lanche podem render US$ 100, um restaurante pequeno chega a US$ 300 e uma lojinha maior vai até US$ 700 mensais.

Pelas regras do país, trabalha-se de segunda a sábado, com férias anuais de 15. Mães têm licença maternidade de 8 meses, 3 antes do parto e 5 depois. Pais, nem um dia.

Como a mão de obra rural é insuficiente nos picos de trabalho da semeadura e da colheita, é comum que moradores da cidade sejam enviados para ajudar nessas épocas. Durante 15 dias, por ano, eles ficam hospedados nas casas dos agricultores e trabalham nas plantações.

“Dizem que aqui há trabalho forçado, mas a verdade é que precisamos trabalhar muito. Herdamos um país atrasado, há muito o que construir. Nossa geração precisa se sacrificar para garantir o futuro das próximas", diz Ko.

​Homens se aposentam aos 60 anos e mulheres, aos 55.

 

Folha leva à Coreia do Norte perguntas de leitores

"O que você gostaria de perguntar a um norte-coreano, se tivesse a oportunidade de visitar esse que é um dos países mais fechados do mundo?" foi a questão feita pela Folha a seus leitores antes de embarcar.

Foram enviadas mais de 70 questões, parte delas respondidas durante a viagem, no final de outubro.

Muito foi visto e ouvido, mas o número de vozes e pontos de vista ausentes deixa sempre muitas questões em aberto.

 
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