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Gustavo Macedo

Novo acordo global dá ao Brasil chance de ser líder no debate sobre imigração

Apesar do aumento do nacionalismo no mundo, nova proposta traz um caminho para assunto avançar

Gustavo Macedo

A adoção do Pacto Global para Migração, que deve trazer um entendimento comum sobre as principais causas que forçam as pessoas a  deixarem seus países de origem, e como mitigá-las, foi confirmada nesta segunda-feira (10) em conferência em Marrakech, no Marrocos.

O documento prevê ainda proteção e garantia de direitos daqueles que migram; assim como a necessidade de atualizar a vigente legislação internacional para migrantes e refugiados.

O Pacto Global para Migração é fundamental para rever uma ultrapassada legislação internacional que já não dá conta do fenômeno migratório em todas suas dimensões atualmente. Com a constante transformação dos conflitos armados e a aceleração das mudanças climáticas, centenas de milhares de vidas dependem da adoção do documento.

Vivemos a maior emergência migratória desde que a ONU foi criada. Hoje, um em cada quatro imigrantes não migram porque querem mas porque precisam para fugir de violências generalizadas, guerras civis, fome ou outras formas de colapso social. Surpreende saber que 85% dos refugiados no mundo estão aos cuidados de países em desenvolvimento, onde frequentemente faltam recursos.

Quando enxergamos o tamanho dos interesses de países mais ricos nos respectivos conflitos assim como o impacto de suas economias sobre as mudanças climáticas, é fácil perceber que a atual distribuição de responsabilidades é injusta.

Contudo, os tempos de nacionalismos exacerbados mantêm baixas as expectativas sobre os resultados da conferência, e o número de países que abandonou o Pacto Global cresceu nos últimos dias.

A despeito de tudo, o Brasil pode se tornar uma liderança nessa matéria. Somos um dos maiores interessados no sucesso do pacto. Para cada estrangeiro que entra no Brasil, dois brasileiros saem. Com a atualizada lei de migração brasileira aprovada em 2017, é justo que brasileiros recebam no exterior tratamento igual ao que oferecemos a estrangeiros aqui.

São essas as conclusões do recente estudo “O Brasil e o Futuro do Regime de Mobilidade Internacional”, liderado por Michael W. Doyle, renomado professor de Direito e Relações Internacionais da Universidade Columbia de Nova Iorque, e ex-assessor do Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan. 

O artigo figura na edição especial de 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos da Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, em parceria com o Escritório da ONU no Brasil.

O estudo apresenta ainda o Modelo de Convenção de Mobilidade Internacional (Mimc) desenvolvido por uma comissão de especialistas ao redor do mundo e que representa o que há de mais moderno no debate sobre migração e refúgio. Embora o Mimc seja um projeto muito mais ambicioso que o atual Pacto Global, suas ideias podem servir de diretrizes para o avanço do debate nos próximos anos. 

O Mimc foi pensado para um mundo mais integrado, sem medo e mais solidário. É um modelo para servir de exemplo, um ideal.

Dentre alguns pontos do Mimc que podem interessar ao Brasil estão a equiparação de imigrantes forçados a refugiados, e o direito destes a terem acesso a trabalho, educação, moradia e serviços públicos. Tendo em vista a necessidade de integrar interesses nacionais, públicos e privados, as propostas do Mimc incluem também, por exemplo, um sistema integrado de identificação e passaportes, uma plataforma online para recrutamento de talentos ao redor do mundo, e a migração de aposentadorias.

Ainda que o Brasil tenha uma nova lei de migração, sua efetividade não está garantida. Isso porque, por um lado, a lei de migração não foi plenamente aprovada. Alguns pontos foram barrados por decreto presidencial. Por outro lado, a aprovação de uma lei não garante seu cumprimento e até mesmo reversão. É para nos manter nos trilhos que os compromissos externos agem sobre tempos de inconsistências domésticas.

O Brasil é uma nação multiétnica, formada por ondas migratórias de todos os cantos do mundo. Temos uma legislação moderna sobre migração, mas ainda falta muito para tratarmos os imigrantes aqui dentro da mesma forma como gostaríamos de ser tratados lá fora. Que a data de hoje sirva para lembrarmos quem somos e quem queremos nos tornar.

Gustavo Macedo é doutorando em Ciência Política pela USP e pesquisador do Instituto de Guerra e Paz da Universidade Columbia de Nova York 

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