Operação de influência russa nas eleições dos EUA visou eleitores negros

Postagens em redes sociais buscavam convencê-los a não votar em Hillary Clinton, diz relatório

Mulheres assistem a evento de campanha de Hillary Clinton nas eleições de 2016 - Jonathan Ernst - 2.nov.2016/Reuters
Scott Shane Sheera Frenkel
The New York Times

A campanha de influência russa nas redes sociais na eleição presidencial de 2016 nos EUA fez um esforço extraordinário para atingir os afro-americanos, usou uma série de táticas para tentar reprimir o comparecimento dos eleitores democratas e desencadeou uma tempestade de postagens no Instagram que rivalizou ou superou suas operações no Facebook, segundo um relatório produzido para a Comissão de Inteligência do Senado. 

O relatório acrescenta detalhes à imagem que surgiu nos últimos dois anos da energia e da imaginação da iniciativa russa para modificar a opinião pública americana e dividir o país, o que segundo os autores continua sendo feito. 

"Operações ativas e constantes de interferência permanecem em diversas plataformas", diz o documento, produzido pela empresa de segurança cibernética New Knowledge, de Austin, no Texas, juntamente com pesquisadores da Universidade Columbia e da Canfield Research LLC.

Uma campanha russa que prossegue hoje, por exemplo, tenta influenciar a opinião sobre a Síria promovendo seu presidente, Bashar Assad, aliado da Rússia no brutal conflito que se desenrola em seu país. 

O relatório da New Knowledge, que foi obtido por The New York Times antes do lançamento, nesta segunda-feira (17), é um dos dois encomendados pela Comissão do Senado em uma base bipartidária. Eles se fundamentam principalmente em dados sobre as operações russas fornecidos ao Senado pelo Facebook, Twitter e outras companhias cujas plataformas foram utilizadas.

O segundo relatório foi escrito pelo Projeto de Propaganda Computacional da Universidade Oxford, juntamente com a empresa Graphika, especializada em análises das redes sociais. O jornal The Washington Post informou pela primeira vez sobre o relatório de Oxford no domingo (16).

A campanha de influência russa em 2016 foi dirigida por uma empresa de São Petersburgo (Rússia) chamada Agência de Pesquisas da Internet, de propriedade do empresário Yevgeny V. Prigozhin, um aliado próximo do presidente russo, Vladimir Putin.

Prigozhin e uma dúzia de funcionários da companhia foram indiciados em fevereiro nos EUA como parte da investigação sobre a interferência russa pelo procurador especial Robert Mueller. 

Ambos os relatórios salientam que a Agência de Pesquisas da Internet criou contas nas redes sociais sob nomes falsos em virtualmente todas as plataformas existentes. Um dos principais objetivos era apoiar Donald Trump, primeiro contra os republicanos que foram seus adversários na corrida presidencial, depois na eleição geral, e o presidente desde sua posse.

Criando contas destinadas a passar como sendo de americanos, a Agência de Pesquisas da Internet espalhou mensagens não só via Facebook, Instagram e Twitter, que chamaram mais atenção, mas também no YouTube, Reddit, Tumblr, Pinterest, Vine e Google+, entre outras plataformas. Seu ataque aos EUA usou quase exclusivamente ferramentas de alta tecnologia criadas por empresas americanas.

Os pesquisadores da New Knowledge descobriram muitos exemplos de operadores russos que formaram um público com um tema e depois mudaram para outro conjunto de mensagens, geralmente mais provocativo.

Por exemplo: uma conta no Instagram chamada @army_of_jesus_ first postou em janeiro de 2015 imagens de "The Muppet Show", depois mudou para "The Simpsons" e no início de 2016 enfocou em Jesus. Diversos memes associavam Jesus à campanha de Trump e Satã à de Hillary Clinton. 

A campanha russa foi tema de audiências no Senado no ano passado e amplamente analisada por especialistas acadêmicos. Os novos relatórios confirmam amplamente conclusões anteriores: que a ação se destinava a atacar Clinton, a reforçar Trump e a exacerbar as divisões existentes na sociedade americana.

Mas o relatório da New Knowledge dá especial atenção ao enfoque dos russos nos afro-americanos, que é evidente para qualquer pessoa que examine as coleções de seus memes e mensagens.

O relatório não busca explicar o forte enfoque nos afro-americanos. Mas a tática da Agência de Pesquisas da Internet reflete esforços de propaganda soviéticos de décadas atrás, que com frequência salientavam o racismo e o conflito racial nos EUA, assim como recentes operações de influência russa em outros países que buscavam instigar a discórdia étnica.

De 81 páginas criadas no Facebook pela Agência de Pesquisas da Internet citadas nos dados do Senado, 30 visavam o público afro-americano, atraindo 1,2 milhão de seguidores, segundo o relatório. Em comparação, 25 páginas visavam a direita política e atraíram 1,4 milhão de seguidores. Apenas sete páginas enfocavam a esquerda política, atraindo 689.045 seguidores.

Enquanto as páginas de direita promoviam a candidatura de Trump, as páginas de esquerda zombavam de Clinton enquanto promoviam o senador independente Bernie Sanders, de Vermont, e Jill Stein, candidata do Partido Verde. O esforço de repressão aos eleitores se concentrou particularmente nos apoiadores de Sanders e nos afro-americanos, pedindo que eles evitassem Hillary Clinton na eleição e votassem em Sanders ou ficassem em casa.

Se essas iniciativas tiveram um efeito importante é difícil julgar. O comparecimento dos eleitores negros diminuiu em 2016 pela primeira vez em 20 anos numa eleição presidencial, mas é impossível determinar se isso foi consequência da campanha russa.

O relatório da New Knowledge critica as empresas de rede social por enganar o público. 

"Lamentavelmente, parece que as plataformas podem ter pervertido ou omitido em parte suas declarações ao Congresso", diz o relatório, notando o que chama de falsa alegação de que grupos populacionais específicos não foram visados pela operação de influência, e outra de que a campanha não buscou desencorajar o voto. 

"Não está claro se essas respostas foram o resultado de análise deficiente ou incompleta, ou uma omissão mais deliberada", diz o relatório. 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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