O jornal mais tradicional da Venezuela, El Nacional, publicou sua última edição impressa no último dia 14, após circular por 75 anos. Crítico à ditadura de Nicolás Maduro, o diário “usava distintas estratégias para driblar pressões do regime, e conseguimos até onde foi possível”, disse o diretor da publicação, Miguel Henrique Otero, 71.
O jornal, agora, voltará sua atenção para a edição digital, “até que a situação política e econômica mude”. “Temos a esperança de voltar a publicar em papel”, afirmou Otero, que conversou com a Folha, por telefone, de Madri.
Otero se exilou, primeiro nos EUA e depois na Espanha, por conta de uma ação judicial. Em 2015, ele foi processado por Diosdado Cabello, vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), por ter reproduzido um artigo do diário espanhol ABC que relacionava o chavismo com o narcotráfico.
Otero contou como foi a queda de braço com o regime nos últimos 15 anos: “Um dos pilares do sistema é a hegemonia comunicacional, como em Cuba, e que começou a ser aplicada primeiro à TV e às rádios, que dependem de concessões públicas. As mais críticas foram expropriadas, e hoje temos todas as emissoras alinhadas ao governo.”
Com os jornais, a estratégia foi diferente, por serem propriedade privada. Primeiro, afirma Otero, a indústria já enfrentava uma crise por conta da queda da atividade comercial, que nos últimos chegou a 40%, o que contribuiu muito para a queda em número de anunciantes.
“Se não há mais atividade privada, não há anúncios”, resume o diretor do jornal.
O principal, porém, foi o enfrentamento com o regime de Maduro no que diz respeito à compra de dólares para adquirir papel-jornal, que a Venezuela não produz e, portanto, tem de importar.
Como a diferença entre o dólar oficial e o paralelo é imensa, o regime liberava a compra de dólares pelo valor paralelo apenas para as publicações alinhadas ao governo. Jornais de oposição, como o El Nacional, tinham de comprar pelo valor do dólar oficial, muito mais caro. Nesse processo, mais de 70 publicações locais do país desapareceram.
O Nacional, que já teve, por exemplo, um dos principais suplementos culturais de jornais latino-americanos, teve de cortar seções e eliminar cadernos. Chegou a circular com apenas 15 páginas.
“Nós víamos que essa situação ia se agravar, e há anos estocávamos papel. Também recebemos ajuda de outros jornais latino-americanos, que doaram ou forneceram papel a preços mais acessíveis. Só que não podemos seguir assim. O estoque acabou, e não dá para fazer o jornal só com doações.”
Otero não vê uma saída para o país que passe pela atual oposição. “Está fragmentada, e seu pior erro foi achar que podia negociar com Maduro. A saída agora está em que o regime se fragmente por dentro”, diz. “E isso já está acontecendo.”
“As Forças Armadas já têm um setor rebelado. Há 250 oficiais de médio e alto escalão presos. Na Nicarágua não existe isso, nem em Cuba. É um problema imenso para Maduro se os militares forem abandonando o regime.”
O publisher também vê esperanças na mudança de governo nos países vizinhos, com Iván Duque na Colômbia, e Jair Bolsonaro no Brasil. “O panorama para Maduro se complica, pois são presidentes que terão atitude mais dura em relação a ele.”
Otero crê que também o resto da região está se preocupando muito com uma diáspora que apenas aumenta.
“Logo serão 5 milhões ou 6 milhões de venezuelanos fora do país, desestabilizando a todos. Por isso creio que a pressão internacional vai passar a ter mais peso.”
Sobre o desânimo da população, que parece não ter mais energia para ir às ruas em massa como fez em 2017, durante a campanha contra a eleição da Assembleia Constituinte, Otero crê que seja natural por conta da imensa repressão que houve.
“Mas toda hora há algum tipo de protesto, não creio que exista resignação. O caso é que agora estão faltando coisas básicas, e as manifestações são, então, pontuais. São por falta de água, por falta de gás. Não têm o volume das outras, é claro, mas são também debilitadoras para o regime”, diz.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.