Descrição de chapéu Venezuela

Venezuelanos votam entre medo e desânimo

Chavistas temem perder benefícios se Maduro se enfraquecer, e opositores e neutros pensam em deixar país

O ditador Nicolás Maduro vota na eleição para vereadores em toda a Venezuela
O ditador Nicolás Maduro vota na eleição para vereadores em toda a Venezuela - Francisco Batista/AFP
Sylvia Colombo
Caracas

Com baixo comparecimento às urnas, centros de votação altamente vigiados, voto controlado pelos “carnês da pátria” e falta de cobertura internacional, os venezuelanos voltaram às urnas neste domingo (9) para escolher vereadores em todo o país.

O contraste com eleições passadas é muito grande. Em 2017, tanto o referendo promovido pela oposição como a eleição da Assembleia Constituinte moveram paixões, estimularam protestos e muita repressão. Percebia-se a presença de correspondentes estrangeiros de distintos países. 

De lá para cá, porém, depois de mais de 130 mortos pela repressão e acusações de fraude, além da fuga maciça de venezuelanos que se foram do país, o clima geral é de resignação, desânimo ou simplesmente alienação —muitos preferiram ir à praia ou preparar-se para assistir à final da Copa Libertadores da América entre as equipes argentinas River Plate e Boca Juniors.

Havia também pouca cobertura da imprensa local, a maioria alinhada ao governo, no pleito, alguns representantes da imprensa alternativa e de oposição, e praticamente nenhum jornal estrangeiro. 

A atenção da imprensa internacional com a Venezuela claramente se trasladou do que acontece aqui para o que acontece com os refugiados, em outros países da região.

Às 21h locais (23h de Brasília), Diosdado Cabello declarou em cadeia nacional que “o povo venezuelano nos surpreende, com toda a campanha internacional contra, foi às urnas, em paz e votou pela paz e pela revolução.”

Às 22h30 (0h30 de Brasília), a presidente do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), Tibisay Lucena, afirmou que a participação foi de 27,5% e que o partido governista PSUV tinha ganhado a maioria dos postos em disputa. Números regionais seriam anunciados nas primeiras horas desta segunda-feira (10). 

A ONG Red de Observacion Electoral, por sua vez, estima que apenas 9% dos eleitores votaram 

A Folha percorreu alguns locais de votação, tanto em redutos do chavismo, no oeste de Caracas, como ao leste, onde o voto majoritário costuma ir para a oposição.

Logo no início da jornada, uma postagem bélica do vice-presidente do partido governista, o PSUV, Diosdado Cabello, também homem-forte do chavismo, mostrou que o regime segue vigilante com relação à possibilidade de protestos: “Bom dia, compatriotas, aqui vamos a uma nova vitória das forças revolucionárias, há normalidade na instalação das mesas, fiscais e patrulheiros já a postos para a batalha”.

Apesar da mensagem agressiva, nas quatro primeiras horas de votação eram poucas as filas nas regiões do município Libertador, considerado “vermelho”, por ser um dos redutos do eleitorado chavista.

No começo da tarde, com ares de frustração pelo baixo comparecimento, o ditador Nicolás Maduro disse, em cadeia nacional, que “está em marcha uma tentativa de golpe de Estado por parte da Casa Branca”, e que quem não votasse seria cúmplice.

Ainda assim, em muitos postos havia mais funcionários para organizar filas, policiais e membros da Guarda Nacional Bolivariana do que eleitores. 

No Liceu Andrés Bello, na Candelaria, havia um pouco mais de gente. “Votar é um direito e não perco uma eleição. Só dando mais poder a Maduro que vamos poder enfrentar a guerra econômica”, disse o aposentado Josue Orejuela. “Guerra econômica” é o termo usado pelo governo para responsabilizar as “potências capitalistas” de debilitar a ditadura de Nicolás Maduro. 

“Voto porque se Maduro ficar fraco, posso perder minha casa”, diz a vendedora Bety Almeida, 52, moradora de um conjunto habitacional construído pela gestão Chávez, em Catia, região metropolitana de Caracas.

Numa padaria do bairro de Chacao, no lado leste e mais de classe média da cidade, a poucos metros de um centro de votação semivazio, pessoas discutiam. “Votei porque ficar de braços cruzados dá mais forças a eles, temos que mostrar que ainda estamos resistindo, se não saímos mais às ruas é porque nos matam”, diz Andres Salguero, 42, que ouvia críticas da mulher, Araceli. 

“Você está sendo usado, está legitimando esse regime.” Outras famílias que faziam fila para o pão ou estavam nas mesas do lado de fora tomando seu “marrom” (café com leite) diziam não ter votado e ter outros planos para o dia.

No centro montado numa escola do bairro de classe média de Baruta, logo após a entrada havia um sujeito com boné nas cores da Venezuela, sentado numa mesa de plástico. Ele perguntava se o eleitor tinha o “carnê da pátria”, documento emitido pelo governo e por meio do qual se distribuem benefícios sociais. 

Quem não tinha passava direto às salas de votação, quem tinha, o escaneava. Registrar no carnê que votou pode render ao eleitor um bônus de alimentos ou remédios.

A maior parte dos eleitores deste centro tinha mais de 50 anos. “Ihhh, os jovens se foram faz tempo”, disse uma senhora que caminhava lentamente até o portão. 

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