No discurso em que se autoproclamou presidente interino venezuelano, o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó acenou às Forças Armadas e a chavistas dissidentes, mas, passado um dia, não há sinais de cisão interna no grupo de apoio ao ditador Nicolás Maduro.
"Não se trata de torcer o braço de ninguém, aqui vamos estender as mãos”, discursou o parlamentar.
Nesta quinta-feira (24), porém, o pronunciamento do ministro da Defesa, general Vladimir Padrino em defesa de Maduro foi uma ducha fria para a oposição. Ao lado de outros oficiais, o militar classificou a ação de Guaidó de "um golpe de Estado contra a institucionalidade, contra a democracia, contra nossa Constituição”.
A lealdade das Forças Armadas tem sido uma prioridade do chavismo. Depois de sobreviver a um golpe cívico-militar, em 2002, o então presidente Hugo Chávez, ele mesmo um tenente-coronel, aumentou as promoções, promoveu expurgos, decretou prisões e distribuiu cargos e benesses para assegurar o apoio da caserna.
Um reflexo disso é que existem ao menos 2.000 oficiais-generais na Venezuela. Para comparação, os Estados Unidos contam com cerca de 900, e o Brasil, em torno de 300.
Com a crise dos últimos anos, essa presença militar ampliou. O maior exemplo é a estatal petroleira PDVSA, responsável por cerca de 95% dos ingressos por exportação do país. Desde 2017, é comandada pelo general Manuel Quevedo, que também acumula o cargo de ministro do Petróleo.
Maduro também nomeou generais com títulos curiosos. Para combater a escassez, que atribui à “guerra econômica” dos Estados Unidos, Maduro nomeou o “general do arroz e feijão” e o “general da farinha de trigo”, entre outros, para administrar a distribuição de alimentos.
A autoproclamação de Guaidó, declarada em meio a um protesto histórico, que mobilizou centenas de milhares de manifestantes em Caracas, pegou parte da oposição de surpresa. Deputados de partidos importantes, como Primeiro Justiça, não souberam com antecedência, segundo revelou o jornal oposicionista TalCual.
Por outro lado, Guaidó, 35, contou com o aval de Leopoldo López, popular líder oposicionista. Atualmente em prisão domiciliar, ele é o principal nome do Vontade Popular, o mesmo partido do presidente da Assembleia.
Especialista em Venezuela, a cientista política Jennifer McCoy afirma que a autoproclamação foi coordenada por Guaidó e EUA e teve rápido reconhecimento internacional, mas ela questiona se agora existe um plano para o passo seguinte.
“Apostar na pressão internacional para motivar os militares a abandonar Maduro é é realmente arriscado”, escreveu, em sua conta no Twitter, a professora da Universidade Estadual da Georgia.
Além de Washington, Brasil, Colômbia, Canadá e Argentina, entre outros países, reconheceram Guaidó. Maduro obteve respaldo de Cuba, China e Rússia, enquanto a União Europeia voltou a defender eleições gerais e transparentes.
A existência de “dois governos”, em que nenhuma instituição venezuelana é reconhecida pelos dois lados, faz com que a solução deixe a esfera legal para a política, avalia Miguel Mónaco, diretor do Instituto de Investigações Jurídicas da Ucab (Universidade Católica Andrés Bello).
O jurista afirma que Asssembleia Nacional, controlada pela oposição, fez um gesto nesse sentido ao propor uma lei da anistia para que governistas aceitem abandonar Maduro e reinstalar a democracia.
“A pergunta não é o que acontece após a juramentação, mas o que se deve fazer para que o governo Maduro aceite restituir a ordem constitucional ou possa ser obrigado legalmente a isso”, conclui Mónaco.
Os líderes da oposição
Juan Guaidó (Vontade Popular)
Em 2019, assumiu o comando da Assembleia Nacional e declarou-se presidente interino do país
Leopoldo López (Vontade Popular)
Em 2015, foi condenado por instigar manifestações. Desde 2017, cumpre prisão domiciliar
Henrique Capriles (Primeiro Justiça)
Disputou a Presidência contra Chávez e Maduro. Em 2017, teve os direitos políticos cassados
Júlio Borges (Primeiro Justiça)
Ex-chefe da Assembleia, foi acusado de tentar matar Maduro. Vive no exílio
María Corina Machado (Vente Venezuela)
Ex-deputada, perdeu os direitos políticos em 2014
Antonio Ledezma (Sou Venezuela)
Ex-prefeito de Caracas, foi detido sob acusação de conspiração. Em 2017, fugiu da Venezuela
Henri Falcón (Avanço Progressista)
Disputou a presidência com Maduro nas eleições de 2018
Raúl Baduel
Ex-general ligado a Chávez, foi preso em 2010, por corrupção, e em 2017, por traição à pátria
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