Fora os chefes que dirigiam a organização, ninguém provavelmente sabe mais sobre o cartel de drogas de Sinaloa do que Vicente Zambada Niebla. Filho de Ismael Zambada García, um dos líderes do cartel, Vicente desde cedo foi criado para assumir o controle do grupo.
Mas na quinta-feira (3), em uma inversão espetacular, o príncipe do cartel traiu seu pai —e seu direito de herança— ao depor durante mais de cinco horas sobre quase todos os aspectos do império do tráfico de drogas: rotas de contrabando, esquemas de lavagem de dinheiro, guerras sanguinárias, vinganças pessoais e fartas propinas.
Quando se tratou da empresa que ele deveria comandar um dia, Vicente Zambada provou que conhecia quase todo mundo e tudo.
Sua prova de coragem no banco das testemunhas ocorreu aproximadamente no meio do julgamento do ex-sócio de seu pai, Joaquín Guzmán Loera, o infame barão do crime conhecido como "El Chapo".
Desde o início do julgamento, em novembro, sete outras testemunhas que trabalharam com Guzmán depuseram contra ele. Mas nenhuma era mais informada sobre a estrutura e os detalhes dos negócios do chefão que Vicente Zambada.
Vestindo roupas de prisioneiro azul-escuras, Zambada entrou na sala 8D do tribunal distrital dos EUA no Brooklyn (Nova York) na manhã de quinta-feira e imediatamente deu para Guzmán um sorriso de confidente.
Então bombardeou os jurados com inúmeras histórias sobre Guzmán e seu pai, que enviando toneladas de drogas em carros, trens, aviões e submarinos --até em um caminhão, embaixo de um carregamento de carne congelada.
Zambada também contou que a verba de propina de seu pai chegava a US$ 1 milhão (R$ 3,7 milhões) por mês.
Um general do Exército que trabalhou como oficial no Departamento da Defesa do México ganhava uma mesada de US$ 50 mil (R$ 186 mil) do cartel, segundo Zambada. Ele também disse que seu pai costumava subornar um oficial militar que tinha sido guarda pessoal do ex-presidente Vicente Fox.
Zambada pai continua na lista de mais procurados da DEA.
Tudo isso saiu numa enxurrada caótica, enquanto Vicente saltava de assunto em assunto, mostrando-se familiarizado com os empreendimentos de Guzmán e seu séquito pessoal.
Ele contou aos jurados histórias não somente sobre as operações dos barões da droga no México, em Honduras e em Belize, mas também sobre fornecedores, distribuidores, guarda-costas, assassinos, primos, irmãos e filhos.
Foi uma traição surpreendente de um homem que começou a trabalhar para o cartel quando adolescente.
Desde jovem, Zambada participou de reuniões com seu pai, sentando-se ao seu lado com outros traficantes e policiais.
"Comecei a perceber como tudo era feito", disse ele aos jurados. "E aos poucos passei a me envolver nos negócios de meu pai."
Conforme os anos passaram, disse Zambada, ele subiu na fileiras e se tornou o braço-direito do pai, supervisionando as remessas de cocaína da Colômbia para o México e de lá para cidades americanas como Chicago e Los Angeles.
Em épocas diferentes, desempenhou papéis variados para o cartel: embaixador, gerente de operações e mensageiro.
Em 2009, porém, Zambada foi preso durante uma operação do Exército na Cidade do México e extraditado para Chicago. De início, ele deveria ser processado lá por acusações de contrabando de toneladas de drogas enquanto era o homem de confiança do pai.
Mas antes que seu julgamento começasse os advogados despejaram uma bomba: afirmaram que ele havia trabalhado secretamente durante anos para a DEA, trocando informações sobre seus adversários pela permissão de conduzir livremente seus negócios.
Embora as autoridades americanas admitissem que Zambada se encontrava com agentes federais, há muito negavam que houvesse qualquer acordo. Em uma decisão recente, o juiz Brian Cogan, que conduz o processo de Guzmán, disse que as afirmações de Zambada sobre sua cooperação com os americanos não podem ser mencionadas no julgamento.
Zambada afinal se declarou culpado em acusações de tráfico de drogas em um processo secreto em Chicago em 2013. E nos últimos cinco anos ele esperou para se apresentar no tribunal e contar sua história.
Foi o que fez na quinta-feira, contando energicamente aos jurados como certa vez planejou tirar o irmão de Guzmán da prisão com um helicóptero. (O irmão, Arturo, foi morto antes da tentativa de fuga.)
Ele também declarou que em 2007 se encontrou com um grupo de "políticos de alto nível" e representantes da Pemex, a companhia nacional de petróleo do México, para discutir um esquema para enviar 100 toneladas de cocaína em um navio-tanque da empresa.
Mas o foco de seu último depoimento foi seu pai.
Uma das primeiras perguntas que a promotoria lhe fez foi: "O que seu pai faz para ganhar a vida?"
Só havia uma resposta:
"Meu pai é o chefe do cartel de Sinaloa", disse Zambada.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.