Revolução de Veludo levou armênios ao êxtase, afirma documentarista

Em depoimento, artista visual relembra mobilização que derrubou governo autocrático

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Desde 2010 sou abraçada pelas montanhas armênias, que emolduram todo o país. Seja quando elas exibem sua paleta terracota ou quando silenciadas pelo branco da neve, me apaixono por essas exuberantes formações rochosas, com tudo o que uma paixão sugere.

É o cenário perfeito para tantas histórias diferentes, minhas e do próprio país. Foram 13 visitas a essa terra do Cáucaso, em todas as estações, durante oito anos.

Carro em posto de combustível com letreiro luminoso
Posto na estrada entre Hayravank e Sevan, a caminho da capital Ierevan, na Armênia - Jonathan Ussing Magyarredet

A Armênia foi e é meu palco para lágrimas, corações pulsantes, conexões profundas com minhas raízes, ancestralidade, uma mala de 40 kg com pedaços de montanhas, amores e desamores.

Foram dois filmes, quatro projetos fotográficos e diferentes aromas e sabores.

Após sofrer um genocídio (1915), um terremoto (1988), a independência da União soviética (1991) e eleições fraudulentas em 2017, enfim uma vitória, no dia 23 de abril de 2018, véspera do aniversário do holocausto cometido pelos turcos contra os armênios: a renúncia de Serzh Sargsyan, líder de 2008 a 2018.

Depois de prometer não concorrer ao cargo de primeiro-ministro no ano passado, e não cumprir com o acordo, foi “eleito” de forma desonesta.

Foi a gota d’água para levar o povo às ruas. Lágrimas de alívio e de renovação contagiaram todos os armênios, participando de um movimento revolucionário extraordinário e lindo de se ver –a chamada “revolução de veludo”.

Nas ruas, havia gente de todas as idades, com diferentes cargas emocionais e confiantes no futuro, podendo sentir a potência de respirar outra vez. Há anos, a Armênia traz na história marcas de corrupção e de uma política não democrática.

O dia 8 de maio, último dia da revolução, marcou o início de uma nova era na Armênia, após o anúncio da vitória de Nikol Pashinian. Todos estavam em estado de êxtase, as casas vazias e as ruas inundadas com a bandeira tricolor do país. O clima era de festa, de euforia, celebração. As avenidas da capital tinham barreiras humanas, que driblaram a polícia de um lado para o outro durante os dias da revolução.

Multidão acompanha comício
Apoiadores de Nikol Pashinian durante comício do então líder da oposição, em maio, em Ierevan - Gleb Garanich - 1º.mai.2018/Reuters

Os alto-falantes dos carros tocavam música armênia embalando coreografias com passos típicos, no asfalto e no capô dos automóveis. Abraços apertados e sorrisos esperançosos estampavam os rostos de cada participante desse momento histórico.

Definida para o dia 9 de dezembro, a eleição parlamentar menos fraudulenta que o país já viu registrou a vitória do partido My Step Alliance, de Pashinian, com 70% dos votos, contra 4% para os republicanos. 

Os armênios puderam respirar outra vez acreditando no futuro, e seguem assim, sem perder o fôlego, pelo menos pelos próximos anos.

As cartas estão na mesa e há projetos para tornar a Armênia uma nação onde exista o desejo de estar e não de partir.

Há oito anos, quando estive na Armênia para fazer meu primeiro documentário, só se viam jovens desesperados para deixar o país e ir atrás dos sonhos cruzando as fronteiras. 

No verão europeu passado, estive de férias no país e comprovei esse novo clima de positividade e progresso. Pautada por todos os acontecimentos ligados à esse novo movimento político, voltei em outubro com a ideia de um novo documentário, tendo como objetivo a pesquisa e a compreensão desta revolução.

Foram diversas conversas com diferentes personagens. Tateamos sem pressa os sonhos, a realidade, as expectativas e os receios de cada um.

É claro que Nikol Pashinian não é o “salvador”, mas é a prova de que a democracia consolidada proporciona mudanças. O povo se uniu, e mesmo entre pensamentos distintos, agora uma única Armênia os representa. De olhos bem abertos e atentos a cada movimento desse atual governo, nunca mais deixarão que algum sistema político os invada com corrupção, fraudes e injustiças.

Neste domingo (13) embarco pela décima quarta vez à Armênia e inicio as filmagens desse novo filme, que será dirigido conjuntamente com Cesar Gananian, com lançamento previsto para o segundo semestre. Há longos respiros e grandes desafios pela frente, da Armênia e meus com o país.

Cassiana Der Haroutiounian é artista visual e codiretora do documentário “Rapsódia Armênia”

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