Descrição de chapéu Venezuela

Rússia adverte contra banho de sangue, mas opções são limitadas

Putin armou ditadura e tem interesses lá, assim como Pequim, mas confronto com EUA é improvável

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São Paulo

Preocupada com o risco de perder sua cabeça de ponte estratégica no quintal dos Estados Unidos, a Rússia advertiu os americanos a não intervir militarmente na Venezuela e previu que o impasse atual no país pode acabar em um “banho de sangue”.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia manteve o reconhecimento do ditador Nicolás Maduro e advertiu que o estabelecimento de um governo paralelo liderado pelo opositor Juan Guaidó é uma via para a “anarquia e o banho de sangue”.

Já o adjunto do ministério, Serguei Riabkov, disse à agência Interfax que uma eventual ação militar estrangeira, liderada ou estimulada pelos EUA, levaria a um “cenário catastrófico” no país. E o próprio presidente Vladimir Putin ligou para Maduro para expressar o apoio, de acordo com o Kremlin. 

Ao longo dos anos, tanto a Rússia quanto a China estabeleceram uma forte parceria para sustentar o regime chavista. Enquanto Pequim optou pela via do poder do dinheiro, tornando-se a maior credora de Caracas, Moscou criou laços geopolíticos lastreados também em poder militar.

De 2005 para cá, estima-se que a Rússia tenha vendido entre US$ 11 bilhões e US$ 20 bilhões em armamentos para a Venezuela, que tornou-se no começo da década a segunda maior compradora de produtos bélicos russos.

Não se pode levar isso, contudo, pelo valor de face. Hugo Chávez e Maduro sempre fizeram financiamentos com os russos dando petróleo como garantia e pagamento, e autoridades em Moscou se queixam reservadamente de calotes.

Isso não demoveu o Kremlin de manter sua aposta política e emprestar cerca de US$ 17 bilhões desde 2016 para a ditadura. Em dezembro, Maduro anunciou US$ 6 bilhões em novos investimentos russos, dinheiro que não apareceu ainda.

A Rosneft, a Petrobras russa, tem participação de 40% (a máxima permitida) em cinco campos de petróleo e retira cerca de 210 mil barris do produto por dia da Venezuela –contra 170 mil de operações sino-venezuelanas. De forma mais sensível, ela comprou 49,9% de uma petroleira subsidiária da estatal venezuelana, a PDVSA, nos EUA. A Citgo opera refinarias na costa do Golfo do México. Dois campos de gás no Caribe são operados pela gigante Gazprom.

Toda essa interligação é barulhenta porque Putin viu no regime antiamericano de Chávez/Maduro a oportunidade de restabelecer um pé no quintal dos EUA, assim como a União Soviética tinha Cuba como base de apoio na Guerra Fria.

Assim, de tempos em tempos navios russos fazem exercícios navais no Caribe e os temidos bombardeiros estratégicos Tu-160, com capacidade de uso de armas nucleares, visitam aeródromos chavistas. Há anos são debatidos termos para a instalação de uma base russa na costa caribenha da Venezuela.

Tudo isso é demonstração de capacidade de projeção de poder, não de que desejam ir às vias de fato com os EUA para defender Maduro.

Desde a guerra na Geórgia em 2008, Putin desafia o Ocidente com aventuras militares, e tem sido bem sucedido. Mas elas ocorrem dentro de sua esfera geopolítica natural: Ucrânia, na vizinhança imediata, e Síria, no Oriente Médio politicamente valioso e com impacto direto no Cáucaso russo.

A relação com o chavismo foi um negócio barato até aqui, mas o custo de defender Maduro com algo mais que palavras parece muito difícil de bancar. Se o Kremlin perder a Venezuela, corre o risco de ficar sem alguns bilhões e operações rentáveis no futuro, mas politicamente não é um desastre total.

Dinheiro mesmo quem colocou lá foram os chineses. Segundo estimativa do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos de Washington, Pequim investiu US$ 62 bilhões de 2008 a 2018 na Venezuela, a maior parte em projetos energéticos conjuntos.

Hoje a China é a maior credora venezuelana: Caracas deve US$ 23 bilhões ao país. Do ponto de vista econômico, é a ditadura comunista asiática quem mais tem a perder caso o governo sul-americano se torne hostil a ela. Mas nunca se espera dos chineses algo como a ameaça de um confronto militar com os EUA, ainda mais em tempos de guerra comercial aberta.

Com isso, é bastante óbvio que quaisquer intenções de fazer uso da força sob o manto das Nações Unidas, ainda que numa missão de paz para a eventual transição caso Maduro caia, não será simples. Putin e Xi Jinping certamente farão uso do poder de veto que têm no Conselho de Segurança da ONU.

Isso leva, num cenário intervencionista, à opção adotada pelos EUA em 1965 na República Dominicana. Visando evitar a instalação de um governo esquerdista, Washington fez com que a OEA (Organização dos Estados Americanos) chancelasse o envio de tropas ao país centro-americano.

O maior contingente era americano, 42 mil homens, mas o Brasil e outros cinco países da região legitimaram a ação. Em dívida pelo apoio ao golpe militar de 1964, Brasília enviou 4.000 homens ao longo de mais de um ano, chegando a liderar a operação.

No Brasil de 2019 sob o governo fortemente militarizado de Jair Bolsonaro (PSL), tal ideia pode encontrar ressonância, mas não é casual a resistência das Forças Armadas a essa opção até aqui.

A Venezuela tem pouco mais 2.000 km de fronteira com o país, e uma crise humanitária já em curso com refugiados que entram por Roraima. Qualquer acirramento militar do conflito tenderia a agravar a situação.

Por mais que elementos da direita no Brasil e na Colômbia gostassem de liderar uma intervenção com procuração americana na Venezuela, os russos estão certos sobre o risco de um “cenário catastrófico” caso as Forças Armadas de Caracas não desertem.

Desde 2005, Putin ajudou o regime a se armar bastante. Há muito material de segunda mão soviético, como canhões antiaéreos Zu-23, mas também o formidável sistema terra-ar S-300, um dos melhores do mundo. As condições de operação, contudo, são duvidosas.

A estrela do pacote, o caça Sukhoi-30, é o mais poderoso do tipo na América Latina, mas os relatos são de que a frota de 24 aeronaves mal sai do chão para treinamento. Tanques e blindados, por outro lado, parecem estar em ordem.

Muito mais importante, para repressão interna, contam mais os 200 mil rifles de assalto AK-103 da Kalachnikov, distribuídos para milicianos chavistas. Já a famosa fábrica da arma, prometida em 2006, nunca operou. É aí que o “banho de sangue” temido pela Rússia parece ser mais provável.​

 

Com Reuters e AFP

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