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Venezuela

Venezuela precisa de diplomacia e política, não de intervenção militar

É difícil imaginar contraponto bem-sucedido ao regime de Maduro sem que a oposição se unifique

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Abraham Lowenthal e David Smilde

Nicolás Maduro toma posse para seu segundo mandato na Venezuela neste 10 de janeiro graças a uma eleição considerada ilegítima pela maioria dos venezuelanos e dos governos vizinhos, norte-americanos e europeus. A pressão externa para que se ajude o país a sair do atoleiro cresce, mas não há solução fácil.

Enquanto 20% da população ainda é favorável ao governo sitiado, a grande maioria dos venezuelanos que se opõem a Maduro sofre o efeito de uma liderança política fragmentada e ineficaz de seu lado.

Uma intervenção militar externa exigiria a ocupação prolongada de um país extenso, com Exército numeroso e milícias armadas. É um desafio que nenhum Exército da região conseguiria encarar, nenhuma força militar europeia aceitaria e ao qual as Forças Armadas dos EUA resistiriam

A intervenção teria custo elevado de sangue e dinheiro, com impacto negativo duradouro na reputação dos países interventores, e exacerbaria a crise migratória instalada.

Debater uma intervenção, ademais, paralisa o esforço político necessário na Venezuela ao reforçar a noção de que a solução virá de fora, e o estímulo internacional a um golpe interno não garante a volta da democracia —poderia até intensificar a repressão por novos líderes militares.

É difícil, portanto, imaginar um contraponto bem-sucedido ao regime venezuelano sem que a oposição democrática se torne unificada

Até agora, muitos líderes oposicionistas têm preferido competir por influência individual em vez de construir coalizões políticas duráveis, e alguns parecem mais interessados em vingança do que em solução. Essas tendências têm sido habilmente manipuladas pelas táticas chavistas.

Para avançar, os grupos oposicionistas democráticos precisam se organizar e agir em conjunto. Devem adotar uma das propostas que circulam sobre eleições primárias para escolher seus líderes e criar estruturas democráticas para tomar decisões, implementá-las e manter disciplina. 

Esses líderes devem, por sua vez, ter a autoridade para manter a pressão sobre o regime e a legitimidade para fazer concessões e moldar acordos.

O momento do diálogo ficou para trás; cada lado conhece bem as posições do outro. E as condições ainda não são propícias para negociar. Esse espaço precisa ser aberto pela mobilização interna de uma oposição unida coordenada com pressões internacionais.

As eventuais negociações deverão incluir empresários, sindicalistas, líderes de setores profissionais e religiosos que admitam a necessidade de transição pacífica. Uma oposição unida deve ainda estar aberta a concessões e acordos interinos de partilha do poder com militares e representantes governamentais. 

Um projeto claro e inclusivo de futuro, além de propostas práticas para lidar com os principais problemas do país, pode ajudar uma oposição unida a obter apoio popular para um acordo que seja aceitável inclusive para muitos dos que apoiaram Hugo Chávez (1954-2013) e apoiam Maduro. 

Esse acordo precisa incluir um plano para realizar eleições municipais, estaduais e nacionais livres e justas, com autoridades eleitorais independentes e observação internacional digna de crédito.

Os países sul-americanos, norte-americanos, caribenhos, europeus e outros, além do Vaticano, devem conservar sua representação diplomática em Caracas, monitorar os acontecimentos de perto e afirmar que estão dispostos a:

1) acompanhar e reforçar negociações honestas;
2) apoiar possíveis acordos de partilha interina do poder;
3) organizar o exílio internacional de figuras-chaves, e
4) dar assistência humanitária e apoio à recuperação econômica e social da Venezuela.

Por razões históricas e atuais, o governo dos EUA não está bem situado para ter papel de liderança na construção de soluções para a Venezuela, mas deve apoiar esforços internacionais de contato para aumentar a confiança nas negociações, usando dos bons ofícios da União Europeia, do Grupo de Lima e de outros.

Transições de regimes autoritários para democráticos em outros países já mostraram que somar pressão doméstica e internacional coordenada a uma visão estratégica e à abertura à conciliação aumenta a chance de resultados duradouros do que teria uma imposição externa.

A Venezuela é um caso difícil, mas seu regime não é mais brutal que o do ditador chileno Augusto Pinochet (1973-1990); sua polarização não é mais acirrada que o apartheid sul-africano (1948-1994), e os patronos internacionais dos chavistas não são mais poderosos do que eram os da Polônia comunista (1947-1989). 

Outras transições pareceram impossíveis até que se realizaram, e é provável que o mesmo se dê na Venezuela.

Tradução de Clara Allain; o artigo foi originalmente publicado no site "The Hill"

Abraham Lowenthal é professor emérito da University of Southern California e fundou o programa latino-americano do Wilson Center (Washington) e o Inter-American Dialogue; David Smilde leciona Relações Humanas na Universidade Tulane (New Orleans) e integra o Washington Office on Latin America

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