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As 11 maiores revelações do julgamento de El Chapo

Paranoia do traficante, brigas em família e governos corruptos apareceram em depoimentos

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Desenho do traficante Joaquin 'El Chapo' Gusman durante seu julgamento em Nova York
Desenho do traficante Joaquin 'El Chapo' Gusman durante seu julgamento em Nova York - Jane Rosenberg/Reuters
Emily Palmer Alan Feuer
Nova York | The New York Times

Depois de um longo julgamento de 11 semanas, um júri começou a decidir nesta segunda-feira (4) sobre o caso de Joaquín Guzmán Loera, o líder mexicano do tráfico de drogas conhecido como El Chapo.

Guzmán enfrenta dez acusações, entre as quais a de liderar uma empreitada criminosa e a de importar grande volume de narcóticos aos Estados Unidos e vendê-los no país. Se condenado, ele pode ser sentenciado à prisão perpétua.

O julgamento permitiu que a promotoria detalhasse o funcionamento do cartel de Sinaloa, liderado por Guzmán, e ofereceu informações sem paralelo sobre o funcionamento do tráfico internacional de drogas. Abaixo, 11 das mais importantes revelações.

A corrupção no México é pior do que você imagina

Durante o julgamento, todos os níveis de governo do México foram implicados em propinas, o que inclui a Presidência da República. Uma testemunha depôs afirmando que El Chapo pagou US$ 100 milhões ao então presidente Enrique Peña Nieto o deixasse sair de seu esconderijo.

O principal assessor de segurança nacional do presidente Andrés Manuel López Obrador foi acusado por uma testemunha —e por promotores federais— de aceitar uma propina multimilionária do cartel de Sinaloa em 2005.

Genaro García Luna, antigo secretário de segurança pública, foi acusado de receber duas valises que continham US$ 3 milhões. E a polícia federal mexicana —descrita por uma das testemunhas como "nosso pessoal"— foi acusada de proteger El Chapo depois de sua primeira fuga da prisão, em 2001.

Traficantes de drogas adoram cirurgia plástica

Nos manuais do narcotráfico, passar por um número exagerado de cirurgias plásticas parece ser uma regra não escrita. Amado Carrillo Fuentes, um traficante conhecido como Senhor dos Céus, morreu na mesa de cirurgia, em um incidente notório, e diversas das testemunhas disseram ter passado por cirurgias extensas.

Tirso Martínez Sanchez, que ajudava a conduzir trens carregados de drogas do México para os Estados Unidos, em benefício do cartel, disse ter passado por diversas cirurgias de reconstrução facial, para alterar drasticamente a sua aparência, e que só desistiu das plásticas depois de sofrer uma hemorragia em sua terceira operação.

As feições mais memoráveis eram as de Juan Carlos Ramírez Abadía, conhecido como Chupeta, o colombiano que fornecia cocaína a El Chapo. Ele fez diversas operações para alterar estruturalmente suas mandíbulas, bochechas, olhos, boca, orelhas e nariz, e ficou com cara de personagem de quadrinhos.

Chupeta também tentou ter suas impressões digitais removidas, o que provavelmente lhe causou um problema de circulação; no tribunal, ele quase sempre estava de luvas, e sua pele avermelhada tinha a aparência de cera derretida estendida por sobre seu crânio.

El Chapo era paranoico

De acordo com testemunhas, El Chapo investia pesadamente em escutas e equipamento de espionagem, ao longo das décadas, e na década de 80 se tornou obcecado com a segurança de suas comunicações.

Mais ou menos nessa época, ele também começou a gravar obsessivamente as conversas telefônicas de sua mulher, amantes, colegas e inimigos. Um desses colegas, Miguel Angel Martínez, se lembra de El Chapo ter-lhe dito que "a coisa mais importante naquele ambiente era saber o que todo mundo estava pensando sobre você. Não importa quem —amigos, inimigos, compadres".

Mais tarde, Christian Rodriguez, um colombiano de 20 e poucos anos e especialista em tecnologia da informação, desenvolveu um sistema de espionagem sofisticado para os telefones e computadores da mulher, das amantes e dos colegas de Guzmán. O traficante recebia informações de espionagem rotineiramente e desenvolveu o hábito de ligar para os colegas depois de transações de negócios. A segunda chamada, imperceptível, permitia que ouvisse as conversas da pessoa sem que esta soubesse.

El Chapo caiu por causa da paranoia

O governo dos Estados Unidos usou os sistemas de espionagem de Guzmán contra ele. Ainda que ele usasse celulares BlackBerry e um sistema de filtros, que roteava mensagens por celulares de terceiros para proteger a identidade dos remetentes, o sistema mais abrangente que ele usava era o desenvolvido por Rodríguez, e permitia que ele telefonasse, usando uma extensão segura de três dígitos, a pessoas de sua confiança em todo o mundo.

Mas Rodríguez concordou em cooperar com as autoridades americanas, depois de cair vítima de uma operação do Serviço Federal de Investigações (FBI). Ele entregou gravações de telefonemas e mensagens do sistema cifrado às autoridades.

O governo estava ouvindo

O caso da promotoria foi montado com base em quatro investigações envolvendo escutas. Além da escuta do sistema de Rodríguez, as autoridades também tiveram acesso a gravações recolhidas pelas autoridades da Colômbia e da República Dominicana, e a gravações realizadas no contexto de uma investigação do Departamento de Segurança Interna (DSI) americano.

As autoridades recolheram mais de um milhão de mensagens de texto entre membros do cartel.

O cartel de Sinaloa tinha alcance mundial

Como qualquer bom negócio, o cartel de Sinaloa se globalizou, e e estendeu para bem além da fronteira entre o México e os Estados Unidos, chegando à Colômbia, Equador, Panamá, Belize, Honduras, Panamá, Tailândia e China.

Desde o começo de sua carreira, Guzmán buscou contatos com fornecedores de cocaína na Colômbia, para obter a droga a preço baixo. Ele negociou acordos mais baratos com os fornecedores ao prometer entrega mais rápida da cocaína, o que lhe valeu o apelido El Rápido, por sua velocidade em canalizar a cocaína usando túneis sob a fronteira.

Muita gente participou

O caso requereu a cooperação de diversas agências policiais americanas, mas também exigia manter algumas autoridades mexicanas excluídas da maioria das discussões.

Entre as agências participantes estavam o FBI, Agência de Combate às Drogas (DEA), DSI e Guarda Costeira, pelo lado dos Estados Unidos. Do lado internacional, agências policiais e organizações militares do Equador, Colômbia e República Dominicana colaboraram; o mesmo vale para forças policiais locais em Nova York, Chicago e no Texas, e procuradores públicos federais americanos em Nova York, Chicago, El Paso (Texas), Miami, San Diego e Washington.

Mas não havia nem mesmo um policial mexicano entre as testemunhas. Victor Vazquez, o agente especial da DEA que ajudou a comandar a captura de Guzmán em fevereiro de 2014, disse ao júri que a DEA e as forças armadas mexicanas propositadamente deixaram as forças policiais e a Justiça mexicanas no escuro por conta do "nível de corrupção - usá-las não funcionaria".

O que ele realmente queria era ser cineasta

El Chapo adora a ribalta —mesmo seus advogados admitem o fato. Guzmán queria dirigir um filme, e mais tarde tentou organizar a produção de um filme com a estrela de telenovelas Kate del Castillo. Esse contato conduziu à sua infame entrevista para a revista Rolling Stone, conduzida pelo ator Sean Penn.

E El Chapo parece ter curtido muito ver no tribunal o ator Alejandro Edda, que interpreta o papel dele em "Narcos: Mexico", da Netflix.

O cartel era parecido com "Game of Thrones"

O cartel não era uma unidade coesa, mas uma federação sempre mutável, consistindo de facções quase constantemente em guerra umas com as outras. Guzmán se envolveu em disputa com seus primos, os irmãos Beltrán-Levya; com a organização Arrelano-Félix; e com outros de seus antigos aliados mais próximos.

As mortes de líderes de facções e de seus amigos muitas vezes deflagravam guerras, que resultavam em homicídios sangrentos em lugares públicos, envolvendo civis e familiares inocentes de pessoas associadas ao tráfico; entre esses casos está o assassinato do cardinal Juan Jesús Posadas Ocampo, em um aeroporto de Guadalajara no ano de 1993.

O cartel de Sinaloa movimentava muitas drogas

As drogas de Guzmán chegavam ao México, e mais tarde aos Estados Unidos, em barcos de pesca e trens, helicópteros e aviões, navios-tanque e semissubmersíveis, caixas de sapatos e latas de molho. Ainda que o volume de drogas que conseguia cruzar as fronteiras fosse muito superior ao de apreensões, entre os sucessos notáveis das autoridades há o confisco de 16 toneladas de drogas em um navio de carga no Panamá e uma apreensão de seis toneladas no Equador.

Ainda que a operação não tenha acontecido, o cartel discutiu transportar cem toneladas de drogas para os Estados Unidos em um navio-tanque.

Uma acusação horripilante não foi ouvida no tribunal

Em documentos revelados na sexta-feira, uma testemunha afirmava que Guzmán rotineiramente estuprava meninas, preferencialmente garotas de 13 anos, a quem chamava de "minhas vitaminas".

Ele também foi acusado de estuprar uma jovem, que depôs contra ele no tribunal. A jovem, Lucero Guadalupe Sánchez López, supostamente foi sua amante e chorou no tribunal ao relatar seu caso com Guzmán. Provas quanto a esses ataques não foram exibidas ao júri por medo de que contaminassem as deliberações, mas foram publicadas pouco antes que essas começassem.

Tradução de Paulo Migliacci

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