Entenda o que está em jogo na eleição presidencial da Nigéria

País mais populoso da África escolhe presidente neste sábado (16)

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São Paulo

​​​País mais populoso da África e o sétimo no planeta, maior potência petroleira do continente e 13ª maior produtora do mundo, a Nigéria escolhe neste sábado (16) seu sexto presidente democraticamente eleito desde o fim do regime militar, em 1999.

Representantes dos dois principais partidos do país, que vêm se alternando no poder desde a redemocratização, protagonizam a disputa.

Moradores de Lagos chegam para comício do PDP, partido de oposição ao do atual presidente nigeriano
Moradores de Lagos chegam para comício do PDP, partido de oposição ao do atual presidente nigeriano - Luis Tato - 12.fev.19/AFP

Um deles é o ex-general e atual mandatário Muhammadu Buhari, que concorre à reeleição. O outro é Atiku Abukabar, ex-vice-presidente e empresário multimilionário.

O vencedor terá de lidar com uma conjuntura complexa, que inclui a saída lenta de uma recessão, desemprego nas alturas, violência no campo e ataques de extremistas do Boko Haram.

Dos mais de 203 milhões de habitantes do país, 84 milhões se registraram para eleger, além do presidente, a composição do Parlamento. Em 2 de março, votarão em governadores e legisladores estaduais.

Nigerianos fora do país —no Brasil, são cerca de 8.000, segundo a embaixada— não têm o direito de votar.

 

Mais de 70 candidatos disputam a presidência

Um recorde de 73 candidatos concorre ao posto mais alto do país neste ano. Na prática, porém, a disputa é entre Muhammadu Buhari, do APC (Congresso de Todos os Progressistas), e Atiku Abubakar, do PDP (Partido Democrático do Povo).

Tida como uma terceira via, a ex-vice-presidente do Banco Mundial para a África Oby Ezekwesili retirou-se da disputa em janeiro, dizendo que faria uma coalizão contra os dois primeiros candidatos. 

Ezekwesili ficou conhecida por lutar pela libertação das jovens sequestradas pelo grupo terrorista Boko Haram na região de Chibok. Após sua saída, sobraram cinco mulheres na disputa.

O país tem 91 partidos (quase o triplo do Brasil, que possui 35), mas uma pesquisa recente mostrou que os nigerianos só conhecem 26 deles.

O presidente Muhammadu Buhari, durante comício em Lagos - Temilade Adelaja - 9.fev.2019/Reuters

Ex-general, atual presidente tenta se reeleger  

Com forte apoio de muçulmanos do Nordeste do país e prometendo uma cruzada contra a corrupção, Muhammadu Buhari se elegeu em 2015 derrotando o então presidente, Goodluck Jonathan, e agora tenta a reeleição.

Ex-general, Buhari já havia ocupado o poder após dar um golpe em 1983, mas foi deposto em 1985 por outro golpe e esperou três décadas para se tornar presidente novamente, desta vez pelas urnas.

É visto como um político próximo do povo e criou um sistema de microcrédito que beneficiou 2 milhões de pequenos comerciantes. 

Conduziu o país defendendo um forte intervencionismo estatal, com nacionalização de serviços.

Aos 76 anos, teve seu estado de saúde questionado após diversas viagens para um tratamento médico em Londres sobre o qual pouco foi divulgado. Seus aliados, porém, garantem que ele está totalmente recuperado.

O presidente chegou ao ponto de ter de vir a público, em dezembro do ano passado, para desmentir boatos de que havia morrido e sido substituído por um sósia. “Este é meu verdadeiro eu”, disse.

Megaempresário é principal oponente

“Let’s Get Nigeria Working Again” (vamos fazer a Nigéria trabalhar novamente) é o lema de Atiku Abubakar, maior concorrente de Buhari. 

De família pobre, ele se tornou um empresário multimilionário de setores variados, de agricultura a educação, passando por imóveis e finanças.

Abubakar promete usar sua experiência no mundo dos negócios para revitalizar a economia nigeriana por meio de privatizações e da atração de investimentos internacionais. Sua defesa de uma política liberal contrasta com o forte intervencionismo estatal praticado pelo governo de Buhari.

Aos 72 anos, com três esposas e 28 filhos, ele foi vice-presidente da Nigéria de 1999 a 2007 e tenta se eleger para a Presidência pela quarta vez.

Atiku Abubakar, durante evento em Port Harcourt - Tife Owolabi - 6.out.2018/Reuters

Especialistas temem fraude e violência

A comunidade internacional, incluindo os EUA e o Reino Unido, manifestou preocupação de que as eleições nigerianas não sejam justas após Buhari suspender recentemente o chefe do supremo tribunal do país, acusado de violar regras de declaração de bens.

Em protesto contra a medida, que considerou ter motivações políticas, Abubakar interrompeu a campanha por 72 horas. O poder judiciário atuou na solução de disputas em eleições anteriores, algumas marcadas por violência e manipulação de votos.

Nesta quinta (14), Buhari foi à TV assegurar que o pleito será livre, justo e pacífico.

Conflitos violentos de terra entre fazendeiros e pastores e ataques do Boko Haram são outro foco de preocupação —os EUA alertaram que o grupo planeja tumultuar as eleições com atentados no Norte.

No geral, porém, especialistas afirmam que o processo democrático na Nigéria evoluiu e esperam que não se repitam episódios como o de 2011, quando houve 800 mortes no pós-disputa.

Para Guilherme Ziebell, professor de relações internacionais da PUC-MG e autor de pesquisas sobre as relações internacionais da Nigéria, o processo eleitoral por lá está “bastante consolidado”. “É evidente que um país em desenvolvimento e com população tão expressiva pode ter dificuldades. Mas existe grande preocupação com a legitimidade do processo, organizado por uma comissão independente.”

Religião e origem perdem importância

Historicamente, a religião, a etnia e a região de origem dos candidatos desempenham um papel importante para vencer as eleições nigerianas. Em 2015, por exemplo, o fato de Buhari ser muçulmano do Norte foi fundamental para sua vitória contra Goodluck Jonathan, um cristão pertencente a uma minoria étnica do Sul.

Neste ano, porém, com os dois principais oponentes sendo muçulmanos, da mesma etnia (Fulani) e originários do Norte, esses fatores perderam importância, e muitos comemoram o fato de as campanhas terem se centrado na discussão de questões como economia, corrupção e segurança.

O desemprego é um grande tema de campanha...

O petróleo é responsável por aproximadamente 10% do PIB da Nigéria e por cerca de metade de toda a receita do governo, o que torna o país muito vulnerável à oscilação de preços do mercado internacional. 

Foi isso que aconteceu em 2016, quando a forte queda no valor do barril levou a nação africana à sua primeira recessão em 20 anos. Em 2017 e 2018, o país teve uma recuperação, mas muito tímida.

Esse cenário se refletiu em índices como o de desemprego, que saltou de 10,4% no início de 2016 para 23,1% em outubro de 2018. Os mais descontentes são os jovens, que compõem 60% da população: a taxa de desemprego entre eles supera os 36%.

Promessas de recuperação da economia e de geração de empregos dominaram a corrida eleitoral, com o presidente afirmando que o país voltou a “crescer continuamente”, e seu principal adversário criticando a piora dos índices na gestão de Buhari e prometendo modernizar o país.

… junto com o aumento da pobreza...

Em 2018, a Nigéria alcançou um recorde negativo: o de país com mais pessoas na extrema pobreza, superando a Índia —são cerca de 87 milhões, de acordo com a base de dados fundada pelo governo alemão World Poverty Clock. 

“Há essa ideia de que a Nigéria é um dos países mais ricos da África por causa do petróleo, mas existe uma grande concentração de renda e problemas de pobreza muito sérios”, diz Leila Leite Hernandez, diretora do Centro de Estudos Africanos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP.

E o problema só cresce: a cada minuto, a faixa da pobreza extrema soma seis novas pessoas, segundo a mesma pesquisa.

… e também a corrupção

Promessas de combate à corrupção aparecem com força nas eleições nigerianas ao longo da história. Em 2015, Buhari se elegeu com uma bandeira de tolerância zero contra o problema, e ele afirma ter recuperado R$ 2,75 bilhões em verbas desviadas em seu mandato.

Opositores, porém, apontam que sua ofensiva só atingiu adversários, e o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional mostra que a percepção dos nigerianos sobre o problema permaneceu inalterada de 2017 para 2018 —é o 144º país em uma lista de 180.

Já Abubakar pertence a um partido associado a esquemas de corrupção nos 16 anos em que ficou no poder. O próprio candidato é acusado de ter usado o cargo de vice para enriquecimento pessoal e de aliados, o que ele nega.

O Boko Haram ainda é uma ameaça 

A ameaça dos extremistas do Boko Haram, cuja atuação causou mais de 27 mil mortes e 1,8 milhões de pessoas deslocadas em nove anos, é outro ponto chave da campanha.

Em sua gestão, Buhari fez progressos ao enfraquecer o grupo e seu domínio territorial no Nordeste do país. Ele chegou a dizer, em 2015, que tinha tecnicamente derrotado o Boko Haram. Porém, o ressurgimento recente dos ataques aumentou a pressão sobre o governo.

Desde julho de 2018, houve ao menos 17 atentados contra bases militares nigerianas —entre 15 e 21 de novembro, mais de 115 pessoas morreram em cinco ataques.

Relação com o Brasil é de parceria, mas pode minguar

Desde os anos 1960, a Nigéria é um parceiro importante do Brasil. No início, a relação era baseada na compra de petróleo do país africano. Com o tempo, o comércio foi se diversificando e novas parcerias foram feitas.

Nos anos 1990, a relação voltou a se basear exclusivamente no petróleo. “A Nigéria vivia um regime autoritário, com grande instabilidade, e o Brasil, que se adequava a uma ordem mundial que via com olhos críticos esse tipo de regime, se afastou”, diz Ziebell, da PUC-MG.

Após a redemocratização na Nigéria, em 1999, e principalmente nos governos Lula, cresceu a importância do continente africano e da Nigéria para a política externa brasileira, com diversificação do comércio, acordos de cooperação e visitas mútuas de presidentes e ministros.

“Os laços que unem o Brasil e a África se expandiram, o fluxo de comércio aumentou e as relações diplomáticas se solidificaram”, diz Leila Hernandez. “O petróleo continuou sendo importante, mas passou a haver também cooperação científica, para temas de segurança”, completa.

A partir de 2014 e, mais acentuadamente, após o impeachment de Dilma Rousseff, a África perdeu espaço na política externa do Brasil —direcionamento que, ao que tudo indica, continuará. “O atual governo dá mais importância a atores do Norte global. Tudo indica que a África deve ficar de lado. Não acho que o resultado da eleição nigeriana possa mudar isso”, diz Ziebell.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado no infográfico Religiões, os nigerianos que seguem as religiões tradicionalistas são 0,9%, e não 9%, e os que não especificaram religião são 0,5%, e não 5%. No texto, Guilherme Ziebell foi inicialmente identificado como professor de ciência política da PUC-MG, quando na verdade é professor de relações internacionais dessa universidade. As informações foram corrigidas.
 

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