Igreja precisa de revolução cultural para resolver questão de abusos, diz especialista

Para Massimo Faggioli, não há consenso sobre as mudanças internas a serem feitas

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São Paulo

Sem uma verdadeira revolução cultural na igreja, não será resolvida a crise de abusos que forçou o papa a convocar uma reunião de cúpula no Vaticano, encerrada neste domingo (24).

É a opinião de um especialista em assuntos eclesiásticos, Massimo Faggioli, 48, professor de Teologia Histórica na Villanova University (Filadélfia).

Papa Francisco celebra missa ao fim de encontro no Vaticano sobre abusos na igreja - Giuseppe Lami/AFP

Faggioli, que considera a crise atual na igreja a mais grave em 500 anos —ou seja, desde a Reforma Protestante— compara a amplitude dos temas que deveriam ser abordados pelo Vaticano ao que ocorreu no Concílio de Trento (1545/1563), convocado precisamente para definir a reação àquela Reforma.

O especialista conversou com a Folha por email.

 

Qual é a sua avaliação a respeito do encontro no Vaticano, encerrado neste domingo (24)? - O mais importante é o que acontece depois da cúpula: a curto prazo, novas orientações para que bispos e superiores cumpram com as normas estabelecidas; a médio prazo, novos sistemas de prestação de contas na igreja [Faggioli usou a palavra accountability, que não tem tradução precisa em português]; a longo prazo, uma profunda mudança na cultura da igreja, especialmente onde os escândalos ainda não ocorreram.

Vítimas e parentes reagiram negativamente... A igreja não está mais na defensiva e não usa o fato de que há abusos em todas as instituições e organizações para descartar e ignorar a tragédia.

Por outro lado, Francisco recusa adotar um enfoque simplista de lei e ordem para abordar a crise. Ele adverte contra “disputas ideológicas e práticas jornalísticas” que acha que exploram o escândalo dos abusos (veja-se a tentativa da ala direita do catolicismo para usar a crise para montar um caso contra os gays na igreja).

As normas bastam como resposta à crise? Há um tema cultural mais amplo que é necessário para enfrentar o problema. Há também uma crise cultural que nenhuma nova lei ou cultura de “boas práticas” pode resolver.

No momento, simplesmente não há consenso na igreja sobre as mudanças institucionais a serem feitas, por exemplo, para tornar os bispos responsáveis.

A crise real não é a falta de ferramentas legais, mas uma crise de aplicação [das regras] e de prestação de contas [de novo, usa a palavra accountability].

É primordialmente um tema cultural. Pode-se ter as melhores leis do mundo mas sem a aplicação delas, ficam sem sentido.

O papa definiu o que se pode chamar de tolerância zero com os abusos e os abusadores. Basta? O espectro de temas a serem equacionados é amplo. Nesse sentido, o grito de tolerância zero —que deve ser escutado, especialmente quando diz respeito às vítimas— pode se tornar um slogan que não ajuda a entender a imensidão dos temas abertos.

Para fazer uma comparação: o Concílio de Trento, no século 16, não respondeu à Reforma Protestante apenas com um programa de limpeza da corrupção [acusação que se fazia à igreja à época] mas também repensando algumas categorias teológicas.

Esse é um trabalho que, na igreja, está apenas nos estágios iniciais —e não é apenas responsabilidade do Vaticano ou da hierarquia eclesiástica.

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