Descrição de chapéu The New York Times

Irã proíbe passeios com cachorros por considerá-los 'impuros'

No entanto, moradores ignoram a regra e cães são vistos com facilidade nas ruas

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A iraniana Andia com seu cachorro Tomy, em sua casa em Teerã - Behrouz Mehri - 6.jun.2013/AFP
Teerã | The New York Times

Onde  Asal Bahrierad vai, seu cãozinho Shih Tzu a acompanha. A iraniana de 31 anos chegou a dormir três noites em seu carro com Teddy, ela contou, quando visitou sua mãe, que não gosta de cachorros.

Impressionada com a determinação de sua filha de estar com Teddy, a mãe de Bahrierad acabou cedendo e a deixou ficar em sua casa com seu cachorrinho amado.

“Agora nem eu nem minha mãe conseguimos imaginar viver sem Teddy”, disse Bahrierad. “Ninguém vai poder tirá-lo de mim, nem mesmo a polícia.”

Essa última afirmação pode ser contestada hoje em dia em Teerã.

Recentemente Teddy e todos os outros cães do Irã ganharam destaque na batalha iraniana de 40 anos contra as influências ocidentais, quando o chefe de polícia de Teerã, general Hossein Rahimi, anunciou a proibição de passear em público com cachorros.

Para não dar ponto sem nó, os iranianos também foram proibidos de andar de carro com seus cães.

O islã considera cachorros “najes”, ou impuros. Cães de guarda são tolerados, mas manter cães como animais de estimação é ir longe demais. O problema é que muitos iranianos discordam.

Cachorros são vistos em toda parte em Teerã: pastores alemães amarrados em vielas, huskies siberianos brincando na neve e chihuahuas arfando nas janelas abertas de carros. Isso sem falar nos muitos ex-cachorros de rua adotados por pessoas que amam animais.

De quando em quando as autoridades iranianas tomam nota da popularidade crescente dos cães e pedem medidas para impedir a população de normalizar a noção de que o cão é o melhor amigo do homem.

Falando no Clube do Jornalista Jovem, parte da televisão estatal iraniana, o general Rahimi disse que cachorros “criam medo e ansiedade” quando são vistos em público. “A polícia vai tomar medidas contra os donos dos cães”, ele prometeu.

Mas não disse exatamente que medidas.

Suas declarações foram reproduzidas pela agência de notícias semioficial Fars, à qual pessoas reclamaram que a presença de cachorros prejudica seu lazer em parques públicos.

“Os donos de cães ignoram os comandos do islã e, influenciados por canais de TV ocidentais, levam seus pets aos parques, causando ansiedade a outros visitantes”, escreveu uma pessoa.

Passear em público com cães está longe de ser a única atividade proibida para os iranianos, cujos líderes religiosos procuram ajudar os cidadãos a evitar cometer pecados.

Com esse objetivo em mente, os iranianos são proibidos de, entre outras coisas, dançar e consumir álcool.

As mulheres são proibidas de sair em público sem ter a cabeça coberta pelo obrigatório véu islâmico.

Na realidade, contudo, a interação entre os iranianos e seus guardiões islâmicos é algo que está em constante transformação.

Assim, algumas pessoas dançam, algumas pessoas bebem, e os véus islâmicos tendem a cair das cabeças das mulheres com frequência surpreendente.

Os castigos, contudo, podem ser duros. De quando em quando os culpados de infringir as regras são multados. Às vezes chegam a ser açoitados.

Mesmo assim, as infrações às regras são tão frequentes que poucas pessoas sequer encaram isso como ato de rebelião.

Houve uma época no Irã em que membros da linha dura religiosa delatavam as pessoas que burlavam as normas. Hoje em dia a implementação de leis pouco populares fica quase exclusivamente a cargo da polícia. Vizinhos, amigos e outras pessoas fazem questão de fechar os olhos.

Como muitos outros editos anteriores do mesmo tipo, a proibição de andar com cachorros não está sendo levada muito a sério, disse Bahrierad.

“Teddy e eu caminhamos todo dia num parque no bairro de Shahram, e na realidade os policiais nos tratam com muita gentileza”, ela disse.

O número de cães de estimação –e também gatos, se bem que estes sejam mais aceitáveis para o islã— vem crescendo rapidamente, a julgar pela explosão recente das clínicas veterinárias em Teerã.

Duas décadas atrás, o único lugar onde era possível levar um pet para tratamento era a Universidade de Teerã, que mantinha uma clínica na qual trabalhavam estudantes de veterinária. Hoje a cidade tem dezenas de clínicas para pets.

Mesmo assim, os donos de cachorros precisam aprender algumas coisas, na opinião de Damoon Ansari, veterinário da clínica Paytakht Pet, no bairro de Sharak-e Gharb, em Teerã.

“Precisamos educar as pessoas que têm cachorros de estimação”, ele explicou. “Elas precisam ter direitos, mas também deveres.”

Os cães maiores precisam ser treinados, os donos devem recolher as fezes de seus pets, e crianças precisam aprender a lidar com animais e cachorros, ele explicou.

E, em matéria de passeios com cães, não existe saída: “Os cães precisam passear ao ar livre. Ponto final.”

Numa quinta-feira recente, perto do aeroporto internacional Imam Khomeini, Hoda Sedghi Shamir, 37, alimentava os 23 cachorros que recolheu. Alguns estão paralíticos, outros estão cegos. Quase todos são cães vadios que ela encontrou na rua.

“Nunca tive filhos, então estes são meus bebês”, ela comentou.

Shamir disse que já socorreu cachorros feridos por terem sido apedrejados e outros atingidos por espingardas de ar comprimido. “Gasto US$ 600 por mês com todos eles, incluindo alimentação, vacinas e sessões de treinamento”, ela contou.

Quanto à proibição de passear com cães, Shamir deu de ombros. “Vamos ter que nos cuidar por algum tempo, mas depois a regra será esquecida.”

Tradução de Clara Allain

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