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The New York Times

Mulheres congressistas usam branco e celebram feminismo no Estado da União

Movimento de parlamentares democratas ocorreu no discurso anual do presidente dos EUA ao Congresso

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Vanessa Friedman
Nova York | The New York Times

Para qualquer um que já pensou que o uso de roupas como instrumento político era frívolo ou exagerado, ou revirou os olhos diante de mais um texto insistindo que uma mulher de terninho branco estava dando um recado, não há resposta melhor do que o discurso do Estado da União do presidente americano, Donald Trump, na terça-feira (5, madrugada de quarta no Brasil).

Quando as câmeras de televisão filmaram o salão da Câmara enquanto o Congresso aguardava a entrada de Trump, o que mais chamava a atenção não era a suntuosidade do local (que de fato é grandioso) ou o nervosismo e excitação dos convidados especiais, mas sim o bloco inconfundível de mulheres congressistas praticamente brilhando, de branco, do lado democrata.

Estavam usando camisas brancas (deputada Sharice Davids, do Kansas), capas brancas (deputada Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York). Também havia coletes brancos (deputada Ilhan Omar, de Minnesota, que o usou junto com um lenço azul e uma camisa vermelha, um recado patriótico tão claro quanto a combinação de gravatas vermelha e azul de Trump e de seu vice, Mike Pence), e muitos, muitos blazers e terninhos brancos, inclusive o de Nancy Pelosi, presidente da Câmara.

E não há como o presidente ou o público que assistia não as ter visto ou não ter entendido a mensagem nas roupas que elas usavam: uma mensagem de igualdade de gênero e de orgulho, sobre um longo arco da história e sobre a luta por direitos das mulheres, sobre compromisso com uma agenda e, no fundo, sobre alegria. Estava bem na frente dele, quando ele olhou para o salão e atrás dele, quando Pelosi abriu a sessão.

As mulheres tinham anunciado seu plano na tarde de terça, quando a deputada Lois Frankel da Flórida tuitou: "No Estado da União nesta noite, o presidente Trump vai olhar para o salão da Câmara e ver um mar de branco sufragette [nome pelo qual eram conhecidas as ativistas pelo voto feminino nos EUA], enviando uma mensagem alta e claramente de que as democratas da Câmara estão lutando pela segurança econômica das mulheres e das famílias".

Mas saber que estava planejado e ver o efeito não é a mesma coisa. Como peça de teatro político, o branco foi incrivelmente eficaz.

Em uma noite em que o papel do público no salão é ouvir e, talvez, levantar e aplaudir (ou ficar sentado com uma cara desapontada), as mulheres conseguiram se fazer ouvir. E em uma noite em que Trump usou uma série de convidados como símbolos, elas ofereceram seu próprio símbolo poderoso. 

Parte disso foi que, sem dúvida, a massa de mulheres —das 102 na Câmara, 89 são democratas, e quase todas usaram branco, o que deu massa crítica ao grupo (Frankel também convidou as 13 republicanas a fazerem o mesmo, mas é difícil dizer se elas participaram). Mas parte foi também a forma com que usaram a cor: sem pedir desculpas, como um sinal de entusiasmo por seu trabalho. Como se fosse divertido. Como se roupas fossem algo a ser aproveitado e usado como vantagem e não como algo a ser dispensado ou usado como armadura de proteção de deflexão.

Não era uma mensagem de moda. Era uma mensagem sobre o passado e o futuro e sobre solidariedade, contida em uma cor. 

O branco serviu como contraste poderoso ao terninho quase militar, acinturado e preto, usado por Ivanka Trump, e o vestido-casaco pretro Burberry com grandes botões prateados usado por Melania Trump, a primeira-dama, que também usou luvas pretas, em um gesto de respeito ao decoro que ficou parecendo vagamente sinistro (isso sem falar na seção do discurso do presidente sobre o perigo na fronteira, em tom pesado). Também contrastou com as barbas camufladas que tanto Eric quanto Donald Trump Jr. e Ted Cruz, senador do Texas, parecem ter adotado.

A ilha de branco também levantou todo tipo de questão sobre o vestido branco de Tiffany Trump, especialmente para aqueles que aproveitam qualquer oportunidade de especular se familiares de Trump estão secretamente se rebelando (vejam o pessoal do "Free Melania").

Apesar de toda a pré-publicidade feita pelas deputadas, é possível que Tiffany simplesmente não estivesse sabendo. Afinal, as organizadoras também pediram que os deputados homens usassem camisas brancas e laços brancos —o presidente e o vice, assim como vários outros republicanos, usaram camisas brancas, apesar de que talvez não por essa razão. Então esse ponto se perdeu.

É provável que esse tipo de ativismo de moda continue. Essa foi, afinal, a terceira vez que a oposição a Trump usou roupas como uma forma de comunicação. Depois de uma eleição em que o terninho branco foi reinventado como símbolo da luta pelo voto feminino graças ao discurso de Hillary Clinton na convenção democrata em 2016 (será que ela sabia o que estava começando?), e um movimento no Facebook que pediu que as mulheres usassem branco ao votar, as deputadas em 2017 usaram branco no primeiro discurso de Trump no Congresso. Esse esforço não teve tanto impacto quanto nesta terça, talvez pelo número menor de participantes à época.

Então, no Estado da União de 2018, muitas mulheres usaram preto em solidariedade ao movimento #metoo —apesar de que, de novo, os terninhos pretos em um mar de ternos pretos foram visualmente menos chamativos. Em vez disso, Melania Trump de terninho branco foi o foco de atenção.

Agora, porém, estamos em um ponto chave. Nessa época de redes sociais, quando as conversas do momento são impulsionadas por imagens e memes, a arte de criar imagens virais é crucial para a influência. E —vamos ser honestos— o que colocamos em nosso corpo e como nos apresentamos é uma parte importante disso. 

Nesta terça, o número recorde de deputadas no discurso do Estado da União mostrou isso. E elas usaram o branco muito bem.

Vanessa Friedman é crítica e editora de moda do New York Times desde março de 2014

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