Daniel Ortega, o ditador nicaraguense, está vendo as labaredas muito próximas das barbas do vizinho, amigo e patrocinador Nicolás Maduro, e resolveu colocar as suas de molho: aceitou convocar um novo diálogo nacional, para esta quarta-feira (27), destinado a discutir saídas para a crise que incendiou o país desde abril de 2018.
Naquele mês, Ortega tentou fazer uma reforma da Previdência, o que provocou a ira não só da população como do empresariado, que havia sido seu sócio nos 11 anos de governo até então.
A ditadura venezuelana vira e mexe também acena com um diálogo, mas há diferenças extremas em relação ao que acontecerá agora em Managua.
Primeira diferença: os interlocutores. A oposição apresenta-se por meio de uma Aliança Cívica pela Justiça e a Democracia, um conglomerado que reúne empresários, estudantes e outros atores da sociedade civil. Na Venezuela, o diálogo foi apenas com políticos.
Segunda diferença: a igreja faz parte da mesa. O núncio apostólico, Waldemar Sommertag, o cardeal Leopoldo Brenes e o bispo Rolando Álvarez estarão presentes, como observadores. A igreja nicaraguense está na linha de frente da oposição ao casal Daniel Ortega/Rosário Murillo —o que significa que, mais do que observadores, os religiosos engrossarão a voz dos oposicionistas.
Terceira (eventual) diferença: a Aliança Cívica quer que a Organização dos Estados Americanos e a ONU funcionem como garantidoras das negociações. O venezuelano Maduro não quer nem ouvir falar em OEA.
A agenda proposta pela oposição é simples e direta: o primeiro ponto é a libertação dos presos políticos.
Há mais de 600 deles, sendo três com especial destaque: o líder camponês Medardo Mairena, já condenado a inacreditáveis 216 anos de prisão; e os jornalistas Miguel Mora, diretor do Canal 100% Notícias, recentemente invadido e ocupado pela ditadura, e a chefe de imprensa do canal, Lucía Pineda.
Mas a agenda oposicionista é muito mais ambiciosa: pede “o restabelecimento das liberdades, direitos e garantias estabelecidas pela Constituição”, bem como “reformas eleitorais que garantam eleições justas, livres e transparentes”.
Ou para simplificar: que Daniel Ortega se vá o mais depressa possível e se realizem eleições limpas. Aí, sim, a agenda coincide com a da oposição à Maduro.
Outra relativa coincidência: a crise política está provocando um desmanche econômico na Nicarágua, claro que sem paralelos com a da Venezuela, que é caso extremo de desastre no planeta.
Juan Sebastián Chamorro, diretor-executivo da Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento Econômico e Social, diz que cifras do Banco Central permitem supor que a economia retrocedeu, em 2018, entre 4% e 4,5%.
Para 2019, “se a situação sociopolítica não se resolver, facilmente estaríamos falando de uma queda de 7% a 11%", diz Chamorro.
Consequência inescapável: o desemprego, no terceiro trimestre de 2018, quase duplicou na comparação com 2017: passou de 3,3% para 6,2%.
O subemprego aumentou para 44,9%, dois pontos acima do nível de 2017.
A metade dos nicaraguenses, portanto, ou está desempregada ou tem emprego precário, depois de 12 anos de governo sandinista, supostamente de esquerda, supostamente revolucionário.
Resta ver se Ortega aceita negociar a transição ou se vai se entrincheirar como Maduro e arrastar a Nicarágua de vez para o fundo do poço.
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