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The New York Times Governo Trump

Presidentes americanos já declararam dezenas de emergências, mas nenhuma como a de Trump

Republicano driblou legisladores para gastar verbas com obra que eles haviam decidido não financiar

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President Donald Trump speaks in the Rose Garden of the White House on Friday morning, Feb. 15, 2019. Trump formally declared a national emergency at the border on Friday to access billions of dollars to build a border wall that Congress refused to give him, transforming a highly charged policy dispute into a fundamental confrontation over separation of powers. (Sarah Silbiger/The New York Times)
O presidente americano Donald Trump anuncia nos jardins da Casa Branca decisão de declarar emergência nacional para construir muro na fronteira com o México - Sarah Silbiger/The New York Times
Charlie Savage
Washington | The New York Times

Justificando sua evocação de poderes extraordinários para construir seu muro na fronteira com o México, Donald Trump apontou na sexta-feira (15) para quase cinco dúzias de casos anteriores em que presidentes americanos, tanto republicanos quanto democratas, declararam emergências nacionais. Mas não existe precedente para o que ele acaba de fazer.

Nenhuma das vezes em que o poder de emergência foi evocado desde 1976, o ano em que o Congresso aprovou a Lei de Emergências Nacionais, envolveu um presidente que driblou legisladores para gastar verbas com uma obra que eles haviam decidido não financiar. Trump está desafiando o princípio fundamental de que é o Legislativo quem controla os gastos do governo.

“À primeira vista, esse argumento de que ‘oh, outros presidentes fizeram o mesmo’ parece lógico”, comentou Chris Edelson, professor de ciência política na American University e autor de “Emergency Presidential Power: From the Drafting of the Constitution to the War on Terror” (Poder presidencial emergencial: da redação da Constituição à guerra contra o terror), lançado em 2013.

“Mas não existe nenhum caso anterior em que um presidente tenha pedido ao Congresso para financiar um projeto, o Congresso tenha dito ‘não’ e o presidente tenha falado ‘vou usar o poder de emergência para fazer assim mesmo’.”

Trump tentou se esquivar dessa nuance na sexta-feira, quando anunciou sua decisão sobre o muro na fronteira em entrevista coletiva à imprensa dada no jardim da Casa Branca. Descreveu sua evocação do poder de emergência como sendo um uso rotineiro da autoridade executiva, algo que nunca foi controverso quando foi feito por seus predecessores.

“Vou assinar uma emergência nacional, e isso foi já foi feito muitas vezes antes”, ele disse. “Já foi assinado por outros presidentes. A partir de mais ou menos 1977, os presidentes tiveram esse poder. Isso raramente foi um problema. Eles assinam. Ninguém se importa.”

Mas uma lista de 59 vezes anteriores em que presidentes desde a administração Carter evocaram poderes de emergência, compilada pelo Centro Brennan de Justiça da Escola de Direito da Universidade de Nova York para um estudo recente sobre os poderes emergenciais presidenciais, mostra que nenhuma declaração de emergência anterior se parece com a de Trump em alguns aspectos cruciais.

Na grande maioria dos casos, as declarações de emergência foram iniciativas tomadas por presidentes para impor sanções a entidades ou representantes diversos de outros países, congelando seus bens ou proibindo americanos de fazer negócios com eles, por delitos como violações dos direitos humanos, terrorismo ou tráfico internacional de drogas. As declarações não geraram polêmica porque o Congresso quer que o Executivo opere desse modo.

O Congresso também promulgou um estatuto que confere aos presidentes, em uma emergência declarada “que requer o uso das forças armadas”, o poder de desviar verbas de construção militar para a construção de obras ligadas à emergência declarada. Trump pretende recorrer a esse estatuto, e sua administração argumenta que isso quer dizer que ele está exercendo uma autoridade que os legisladores quiseram outorgar à Presidência.

Mas Elizabeth Goitein, que dirigiu o estudo do Centro Brennan, apontou para a disputa em torno de se existe ou não uma emergência real na fronteira que possa ser resolvida por um muro, além do fato de que o Congresso já deixou claro que não pretende gastar bilhões adicionais de dólares com o muro de Trump.

“Não há nada nesta situação que chegue perto de constituir uma ‘emergência’, por mais frouxa seja a definição usada”, ela explicou. “E o Congresso já deixou muito claro que não quer que o presidente utilize verbas para essa finalidade. Portanto, o presidente está usando seu poder de declarar emergência para se contrapor à vontade do Congresso. Isso é muito diferente do uso feito do poder de emergência no passado.”

Em briefing a jornalistas na sexta-feira, a Casa Branca identificou apenas duas instâncias anteriores em que presidentes utilizaram o poder de emergência para gastar recursos com algo diferente da finalidade à qual o Congresso as destinara.

Os dois casos envolveram construção militar ligada a guerras: uma vez sob a declaração de emergência feita pelo presidente George Bush na guerra do Golfo Pérsico e outra sob a a declaração de emergência feita pelo presidente George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001. Em nenhum dos casos foram destinadas verbas a projetos que o Congresso já havia avaliado e rejeitado.

A ideia por trás do poder de emergência é que o Congresso queria que o presidente tivesse autoridade para agir prontamente em uma crise, quando o governo precisa reagir rapidamente. O estudo do Centro Brennan identicou 123 estatutos desse tipo.

Na lei de 1976, o Congresso cancelou várias “emergências” antigas que estavam em curso havia vários anos e criou um processo que os presidentes precisam seguir quando evocam esses estatutos. Mas a revisão não incluiu a definição de limites ao que um presidente pode decidir que se qualifica como emergência. Com isso, preservou a flexibilidade da Casa Branca.

Um freio previsto para evitar o abuso do poder de emergência foi erodido rapidamente: o Congresso pretendia que os legisladores tivessem o poder de passar por cima da declaração dada por um presidente, aprovando uma resolução com votação por maioria simples. Mas, após uma decisão da Suprema Corte em 1983, os presidentes ganharam o poder de vetar tais resoluções. Isso enfraqueceu o poder de decisão do Congresso, porque são necessários dois terços da Câmara e do Senado para passar por cima de um veto presidencial.

O outro freio previsto para evitar abusos era a autorrestrição do próprio presidente: os presidentes têm se autorregulado e não lançado mão do poder de emergência para realizar metas políticas rejeitadas pelo Congresso e, sob circunstâncias contestadas, não afirmado que existe uma crise que se qualifica como emergência.

Boa parte das críticas feitas à iniciativa de Trump se devem ao receio de que ele estaria ampliando o poder executivo, criando um precedente que poderá ser usado algum dia por presidentes futuros para passar ao largo da vontade do Congresso –incluindo presidentes democratas que possam fazê-lo com finalidades liberais. Na sexta-feira, perguntado sobre isso por um repórter, Trump descartou a preocupação.

“As pessoas que dizem que estamos criando um precedente –bem, tivemos o quê, 56 vezes, ou muitas vezes--, bem, isso criou precedentes, e muitos desses foram muito menos importantes que termos uma fronteira.”

Mas vários especialistas jurídicos disseram que há outra possível consequência de longo prazo que foi menos discutida: ao violar a norma da autorrestrição, Trump pode levar o Congresso a eventualmente tirar um pouco desse poder da Presidência –pelo menos numa era pós-Trump, quando um presidente que o suceda possa achar que é politicamente necessário assinar tal medida ou possa se dispor a fazê-lo.

Tradução de Clara Allain

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