Descrição de chapéu Venezuela

Refugiados venezuelanos são alvo de ataques e de xenofobia na Colômbia

País recebeu mais de 1 milhão de migrantes do vizinho; ONU faz campanha contra discriminação

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Bogotá

Três músicos tocavam rumba em uma esquina do Parque da 93, região nobre de Bogotá, numa tarde de domingo. Ao lado, 20 entregadores conversavam e esperavam pedidos da farmácia ou dos restaurantes cujas calçadas ocupavam com bicicletas.

A bandeira que um deles carregava no tambor também identificava os demais, além dos vendedores de bala e dos pedintes. A praça, que atrai famílias abastadas aos finais de semana, também era um retrato da cidade da América Latina que mais recebeu refugiados da Venezuela.

Segundo Migrações Colômbia, cerca de 240 mil venezuelanos dos 1 milhão que se radicaram no país vizinho até 30 de setembro moravam na capital, 16% a mais que em junho. O número é o triplo das 80 mil pessoas que fugiram do regime de Nicolás Maduro e residem no Brasil.

Crianças venezuelanas brincam em centro temporário criado para acolher imigrantes em Bogotá, na Colômbia 
Crianças venezuelanas brincam em centro temporário criado para acolher imigrantes em Bogotá, na Colômbia  - Raul Arboleda - 9.jan.19/AFP

O agravamento da crise humanitária em 2018 levou à expulsão de venezuelanos mais pobres, que não podem ir a outros países. Com isso, acirrou-se a disputa por ocupações formais e informais, atendimento médico e escolas com colombianos, levando a casos de xenofobia.

Os recém-chegados dominaram os serviços de entrega. Nas ciclovias do rico norte da cidade, venezuelanos correm com pedidos de aplicativos dentro das mochilas, enquanto outros trafegam devagar olhando seus celulares, esperando uma solicitação.

A influência do grupo pôde ser vista em 10 e 23 de janeiro, quando houve protestos contra Maduro. Enquanto os entregadores carregavam nas costas as mochilas e nas mãos cartazes contra o mandatário, os aplicativos alertavam que o tempo dos pedidos seria maior que o normal.

A disputa entre venezuelanos e colombianos também se repete entre aqueles que estão há mais tempo na cidade. A resistência é maior em setores como comércio, hotelaria, gastronomia e beleza.

“Há uma parte da população que considera [a chegada dos venezuelanos] uma oportunidade, mas em determinados setores os veem como ameaça”, afirma María Teresa Palacios, do Observatório de Direitos Humanos da Universidade do Rosário.

Pesquisadora da diáspora venezuelana em Bogotá desde 2014, Palacios disse que a cidade atrai imigrantes devido à oferta de empregos, assistência médica e educação.

“Há uma percepção de que eles vêm competir pelos recursos que já são muito escassos para os colombianos. São temas muito sensíveis e geram conversas xenófobas”, diz Rocío Castañeda, responsável pela comunicação do Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados).

Palacios e Castañeda mencionam a criminalidade como outro tema que levou a reações xenófobas, embora não existam estatísticas ligando o crime aos venezuelanos. “É muito irresponsável afirmar isso”, diz a pesquisadora da Universidade do Rosário.

Os casos de maior repercussão foram em Cidade Bolívar, bairro mais pobre de Bogotá. Em 30 de agosto, traficantes venezuelanos assassinaram dois meio-irmãos colombianos, de 19 e 25 anos.

Dois meses depois, um colombiano recém-chegado da Venezuela foi linchado até a morte por um grupo de moradores movidos por uma mensagem em uma corrente de WhatsApp que o acusava de ser sequestrador de crianças.

Mas os crimes que deixaram os bogotanos mais sobressaltados foram os arrastões nos ônibus do BRT Transmilênio. Em novembro, venezuelanos foram expulsos de um veículo no centro com gritos xenofóbicos, acusados de roubo –o crime nunca foi comprovado.

Foi em outra estação do sistema que, na última terça-feira (29), policiais agrediram um imigrante que esperava um ônibus com o filho. Na cena, gravada por outro passageiro, um agente incitou a criança a agredi-lo e chamou os venezuelanos de animais. O caso é investigado.

A xenofobia ocorre em uma Colômbia da qual mais de 6 milhões de pessoas emigraram durante 70 anos de conflito armado –muitas delas para a vizinha Venezuela.

“A Colômbia sabe muito bem o que é a xenofobia e o fato de ter que sair de seu país”, disse Josef Merkx, representante do Acnur, que elogia o governo por usar sua experiência na acolhida dos deslocados internos pelo conflito na recepção aos refugiados.

“Justamente a partir dessa experiência que temos os colombianos de sermos imigrantes e sermos muitas vezes maltratados é que deveríamos reverter essa atitude e tentar aprender”, diz Palacios.

O tratamento costuma ser de indiferença com ambulantes e pedintes venezuelanos nos ônibus do Transmilênio. Em seis viagens de uma hora entre o centro e o norte de Bogotá em dias diferentes de janeiro, a Folha observou poucos colombianos entre eles.

Muitos contam histórias de como saíram do país, muitas vezes acompanhados dos filhos. Um dos poucos colombianos ressaltou ser bogotano, embora o sotaque confirmasse, para atrair a atenção. Saiu após cinco minutos sem nenhuma moeda.

Agência da ONU faz campanha contra discriminação no país

Para tentar evitar a discriminação e a violência contra os refugiados, a filial colombiana do Acnur recorreu à imprensa e às autoridades.

A campanha Somos Panas Colombia (pana é parceiro, em espanhol caribenho) começou após análise de comentários nas redes sociais e nos meios de comunicação sobre o êxodo venezuelano.

Segundo Rocío Castañeda, o primeiro passo foi a sensibilização por meio de histórias individuais.

“Quando há uma história de vida, gera-se empatia. Por isso precisávamos de uma campanha que se concentrasse nos rostos.”

O resultado foi uma grande repercussão. As TVs Caracol e RCN, as principais do país, exibiram reportagens com histórias das viagens dos venezuelanos.

Já o jornal El Tiempo publicou um guia para os recém-chegados à Colômbia.

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