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Brexit

Após trair intenção de seu criador, palavra brexit vira verbo em meme

Termo que virou slogan de saída do Reino Unido da União Europeia foi criado por crítico do processo

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Manifestantes pró-brexit em Londres protestam no sábado (30) vestindo coletes amarelos - Peter Nicholls/Reuters
Rio de Janeiro

A curta mas intensa história da palavra brexit daria um bom estudo sobre como são incontroláveis as palavras, as línguas, os sentidos que botamos em curso no mundo. Brexit, neologismo com pouco menos de sete anos de vida, está sempre escapando do papel que tentam lhe impor.

A história já começa com uma ironia feroz: a pessoa que forjou a palavra, Peter Wilding, é um escritor, blogueiro e ativista. Líder de um “think tank” chamado British Influence, defende o oposto do brexit, uma Grã-Bretanha que volte (voltasse?) a ter protagonismo na Europa.

Quando lançou mão do que hoje se reconhece como a primeira manifestação da palavra, em post de 15 de maio de 2012, Wilding alertava para o risco que corria o Reino Unido de terminar em rota de saída da União Europeia, como a Grécia. 

Isso quer dizer que o brexit nasceu, de forma bastante banal, por analogia com Grexit —palavra hoje esquecida, mas de boa circulação na imprensa inglesa daqueles dias. Trata-se do substantivo “exit” (saída) colado às iniciais que indicam a nação, nada mais. 

Wilding conta que, publicado o post, não voltou a pensar no assunto. Só soube que era o pai do neologismo (ou pelo menos o primeiro a tê-lo acolhido num texto) depois que o referendo de junho de 2016 já tinha decidido por 52% a 48% a favor do brexit.

Ou seja: o primeiro ato de rebeldia da palavra foi se voltar contra seu criador, dando um slogan vibrante a uma ideia até então meio vaga, a de uma Grã-Bretanha que, separando-se da Europa, reencontraria seu poderio, sua relevância e sua altivez imperial —em tradução para o trumpês, “Make Britain great again”.

Definição de brexit vira meme
Definição de brexit vira meme - Reprodução

Liderança de destaque na campanha anti-brexit, Wilding foi um dos últimos a saber da traição. Só tomou conhecimento de seu papel nessa história quando foi procurado pelo dicionário Oxford, que acabava de escolher brexit como a palavra do ano de 2016. Consternado, escreveu sobre seu temor de que a “triste palavra” seja “o epitáfio do declínio e possível queda de uma nação”.

Talvez Wilding encontre algum consolo nas recentes evidências de que não foi nada pessoal. Brexit é uma palavra indomável. Depois de ajudar a trazer à luz aquilo que foi criado para prevenir, sua mais recente encarnação é cômica e zomba do impasse que gerou. 

O meme que circulou há alguns dias é tão bom que vale a pena fazer vista grossa para o erro lexicográfico de indexar um verbo pelo gerúndio. “Brexiting”, em estado de dicionário, é substantivo. Mas convenhamos que o rigor gramatical fica deslocado diante de um piada que define brexit com tanta propriedade. 

Uma vez apresentada a ideia, é impossível não reconhecer a semelhança do formidável mico britânico com o do sujeito que, depois de se despedir de todo mundo na festa, vai ficando para tomar saideiras e acaba por desistir de ir. Às vezes é o último que vai embora na manhã seguinte, todo amarrotado, depois de dormir debaixo da mesa.

Primeiro alerta catastrófico, depois slogan ufanista, hoje uma piada desconcertante, o temor é que em sua próxima mutação o brexit abrace a tragédia.

Sérgio Rodrigues é escritor, jornalista e colunista da Folha, autor de “Viva a Língua Brasileira”.

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