Descrição de chapéu The New York Times

Aviões que caíram não tinham itens de segurança que Boeing vende como extra

Para especialistas em segurança aérea, equipamentos ajudariam a evitar problemas no voos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

David Gelles Hiroko Tabuchi
The New York Times

Os pilotos das aeronaves da Boeing que caíram na Etiópia e na Indonésia lutaram para controlar os aviões, mas eles não tinham na cabine duas importantes funções de segurança.

Um motivo é que a Boeing cobrava a mais por elas.

Para a Boeing e outros fabricantes de aeronaves, a prática de cobrar para aperfeiçoar um avião comum pode ser lucrativa. As principais companhias aéreas do mundo devem pagar caro para que os jatos que encomendam tenham equipamentos adicionais sob medida.

Aeronaves do modelo 737 MAX na fábrica da Boeing em Renton, no estado de Washington
Aeronaves do modelo 737 MAX na fábrica da Boeing em Renton, no estado de Washington - Lindsey Wasson/Reuters

Às vezes essas funções opcionais envolvem aspectos estéticos ou de conforto, como assentos de boa qualidade, iluminação melhorada ou banheiros a mais. Mas outras características, que envolvem sistemas de comunicação, navegação ou segurança, são mais fundamentais para as operações do avião.

Muitas companhias aéreas, especialmente as de baixo custo como a Lion Air da Indonésia, optaram por não comprá-los —e os órgãos reguladores não os exigem.

Agora, depois dos dois acidentes mortais envolvendo o mesmo modelo de avião, a Boeing tornará padrão uma dessas funções de segurança, uma solução parcial para que os aviões voltem a voar.

Ainda não se sabe o que causou a queda do voo 302 da Ethiopian Airlines em 10 de março e do voo 610 da Lion Air cinco meses antes, ambos depois de decolagens problemáticas. Mas os investigadores estão examinando se um novo sistema de software para evitar a perda de sustentação nos Boeings 737 da série Max pode ter sido o culpado, em parte.

Dados defeituosos de sensores no avião da Lion Air podem ter feito o sistema, conhecido como MCAS, funcionar mal, segundo autoridades que investigam o acidente.

O sistema de software faz leituras de dois dispositivos parecidos com cata-ventos chamados de sensores de ângulo de ataque, que determinam o quanto o nariz do avião está apontado para cima ou para baixo em relação ao movimento do ar.

Quando o MCAS detecta que o avião está apontando para cima em um ângulo perigoso, ele pode automaticamente baixar o nariz do aparelho, tentando evitar que ele entre em estol (uma situação de perda de sustentação).

As funções opcionais de segurança da Boeing poderiam ter ajudado os pilotos a detectar leituras erradas. Uma das atualizações opcionais, o mostrador de ângulo de ataque, mostra a leitura dos dois sensores. Outra, chamada de luz de divergência, é ativada quando esses sensores não concordam entre si.

A Boeing em breve atualizará o software MCAS e também tornará a luz de divergência padrão nos novos 737 Max, segundo uma pessoa inteirada das mudanças, que falou sob a condição do anonimato porque elas não foram divulgadas. O indicador de ângulo de ataque continuará uma opção que as companhias podem comprar.

Nenhuma função era obrigatória para a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA na sigla em inglês). Todos os aviões 737 Max foram tirados de operação no país.

"Elas são críticas, e não custam quase nada para as companhias aéreas instalarem", disse Bjorn Fehrm, analista da consultoria de aviação Leeham. "A Boeing cobra por elas porque pode. Mas elas são vitais para a segurança."

No início desta semana, Dennis Muilenburg, executivo-chefe da Boeing, disse que a companhia está trabalhando para tornar mais seguro o 737 Max.

"Como parte de nossa prática padrão depois de qualquer acidente, examinamos o design e a operação de nossas aeronaves, e quando adequado instituímos atualizações de produto para aumentar a segurança", disse ele em uma declaração.

As funções adicionais podem gerar muito dinheiro para os fabricantes de aeronaves.

Em 2013, aproximadamente na época em que a Boeing começou a comercializar seus 737 Max 8, uma companhia aérea deveria gastar de US$ 800 mil a US$ 2 milhões em várias opções por uma aeronave de cabine estreita, segundo um relatório da consultoria Jackson Square Aviation, de San Francisco. Isso seria aproximadamente 5% do preço final do avião.

A Boeing cobra a mais, por exemplo, por um extintor de incêndio de reserva no compartimento de carga. Incidentes anteriores mostraram que um único sistema de extintor pode não ser suficiente para apagar as chamas que se espalham rapidamente pelo avião. Órgãos reguladores no Japão exigem que as companhias aéreas instalem extintores de reserva, mas a FAA não.

"Há tantas coisas que não deveriam ser opcionais, e muitas companhias querem o avião mais barato que conseguirem", disse Mark Goodrich, advogado de aviação e ex-piloto de testes de engenharia. "E a Boeing pode dizer: 'Ora, estava disponível'."

Mas o que a Boeing não diz, acrescentou ele, é que isso se tornou um "grande centro de lucros" para o fabricante.

Tanto a Boeing quanto as companhias aéreas se esforçaram para manter essas opções, e os preços, longe da vista do público. As companhias frequentemente editam detalhes das funções que elas decidem pagar —ou excluir— dos documentos que enviam aos órgãos reguladores financeiros. A Boeing não quis revelar o cardápio completo de funções de segurança que ela oferece como opções para o 737 Max, ou quanto elas custam.

Mas um documento não editado de 2003 para uma versão anterior do 737 mostra que a Gol Linhas Aéreas, do Brasil, pagou US$ 6.700 a mais por máscaras de oxigênio para sua tripulação, e US$ 11.900 por um painel de controle do sistema avançado de radar meteorológico. A Gol não respondeu imediatamente a um pedido de comentários.

As três companhias aéreas americanas que compraram o 737 Max adotaram uma abordagem diferente na composição de suas cabines.

A American Airlines, que encomendou cem desses aviões e tem 24 em sua frota, comprou o indicador de ângulo de ataque e a luz de divergência, segundo a empresa.

A Southwest Airlines, que encomendou 280 737 Max e já tem 36 na frota, já tinha comprado a opção de luz de divergência, e também instalou o indicador de ângulo de ataque, em uma tela montada acima da cabeça dos pilotos. Depois do acidente da Lion Air, a Southwest disse que modificará sua frota de 737 Max para colocar o indicador de ângulo na tela principal do computador dos pilotos.

A United Airlines, que encomendou 137 desses aviões e recebeu 14, não escolheu os indicadores ou a luz de divergência. Um porta-voz da United disse que a companhia não inclui as funções porque seus pilotos usam outros dados para conduzir o avião.

A Boeing está fazendo outras modificações no software MCAS.

Quando foi lançado, o MCAS recebia leituras de um único sensor em qualquer voo, deixando o sistema vulnerável a um único ponto de falha. Uma teoria no acidente da Lion Air é que o MCAS estava recebendo dados falhos de um dos sensores, o que provocou um mergulho irrecuperável.

Na atualização do software que a Boeing diz que virá logo, o MCAS será modificado para receber leituras dos dois sensores. Se houver uma divergência significativa entre as leituras, o MCAS será desligado.

Incorporar a luz de divergência e os indicadores de ângulo de ataque em todos os aviões seria uma medida positiva, segundo especialistas em segurança, e alertariam os pilotos —assim como a equipe de manutenção que repara um avião depois de um voo problemático— para defeitos nos sensores.

O alerta chamaria a atenção especialmente para um defeito nos sensores e advertiria os pilotos que deveriam se preparar para desligar o MCAS se fosse ativado por engano, segundo Peter Lemme, consultor em aviação e comunicações por satélite e ex-engenheiro de controles de voo da Boeing.

"No calor do momento, isso certamente ajudaria", disse ele.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.