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Ciclone era desastre que faltava para quebrar Moçambique pela metade

Nesse contexto, a apatia de comunidades internacionais é especialmente grave

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Moradores caminham por estrada reconstruída por estatal chinesa em três dias, em John Segredo, Moçambique - Yasuyoshi Chiba/AFP

A tragédia do ciclone Idai, que pode ter deixado mais de mil mortos e um milhão de crianças desabrigadas, dá a impressão que Moçambique atravessa algum tipo de inferno astral.

No começo da década, o país era apresentado como um dos futuros grandes do continente africano. Entusiasmado pela descoberta de imensas reservas de gás nas regiões do extremo norte, o mercado trabalhava com projeções de crescimento econômico milagrosas a partir de 2022.

Pouco tempo depois, ele passou a ser descrito como um paradigma da maldição dos recursos naturais.   

Aliciado pela perspectiva de enriquecimento a curto prazo, o governo de Armando Guebuza (2005-2015) contraiu mais de US$ 2 bilhões de dívidas com três empresas fraudulentas entre 2013 e 2014, numa tentativa de desviar fundos públicos para os seus aliados políticos.

Depois do escândalo, o governo da Frelimo, no poder desde 1974, passou de “aluno modelo” da comunidade internacional a Estado-pária abandonado por doadores e assediado por credores.  


Como ajudar

A Central de Apoio, criada por entidades de Moçambique, aceita doações via transferência internacional e presencialmente, em alguns endereços do país, além de fornecer ajuda para encontrar pessoas desaparecidas na tragédia. Mais informações neste site

A Junta de Missões Mundiais, ligada à Convenção Batista Brasileira, que conta uma equipe atuando na região, aceita doações em dinheiro, em reais, pelo seu site

O Unicef, agência da ONU para a infância, ajuda algumas das 600 mil crianças desabrigadas pela passagem do ciclone. Informações neste site.

A organização Médicos sem Fronteiras, que cuida da saúde da população em situações de crise humanitária, recebe doações para situações emergenciais como essa. Informações neste site.

A entidade internacional ActionAid leva suprimentos para os sobreviventes do desastre. Informações sobre como doar neste site.


O caos político-financeira comprometeu o avanço das negociações do governo com a Renamo, que rompeu o acordo geral de paz assinado em 1990 para voltar às armas em 2014.

Talvez mais importante ainda, o extremo norte do país, onde estão concentradas as reservas de gás natural, viu-se confrontado a um movimento de insurreição de grande escala a partir de 2017.

Envolta em mistério, a insurreição é frequentemente associada ao terrorismo islâmico. Radicais vindos dos países do Chifre da África parecem estar tentando abrir uma frente numa das regiões mais promissoras da geopolítica dos recursos naturais.

O marco simbólico de 300 vítimas de ataques foi atingido no começo deste ano, e o governo, enrolado em várias crises ao mesmo tempo, parece totalmente incapaz de lidar com a situação. 

Esse cenário de desorganização completa do Estado aumenta significativamente o potencial de danos do Idai.

O ciclone destruiu a já precária infraestrutura da região central, rompendo definitivamente a ligação entre o sul, onde se situa o polo político e comercial da capital Maputo, e o norte essencialmente rural, rico em recursos naturais e assolado pela violência.

O Idai era o desastre que faltava para quebrar o país pela metade. 

Nesse contexto, a apatia da comunidade internacionais é especialmente grave. Cabe lembrar que as potências ocidentais suspenderam as doações para o orçamento do Estado moçambicano em protesto contra o escândalo das dívidas ocultas em 2016.

A decorrente queda no investimento público em infraestrutura e prevenção ambiental contribuiu para o efeito devastador do ciclone.

As contribuições oferecidas pela União Europeia e os Estados Unidos nos últimos dias em nada compensam os danos causados pela punição infligida à população moçambicana por um buraco fiscal causado por uma aliança entre uma pequena elite predatória e bancos internacionais.

Quanto ao Brasil, a reação protocolar do Itamaraty —uma doação de 100 mil euros no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e outros apoios não especificados— é compreensível e até salutar.

Nos dias que correm, não passar vergonha já é uma vitória diplomática. 

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