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Como um homem negro 'enganou' um grupo neonazista e se tornou seu novo líder

James Stern se aproximou do presidente do grupo e conseguiu assumir a chefia da organização

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O ativista James Stern, em foto publicada em janeiro de 2018
O ativista James Stern, em foto publicada em janeiro de 2018 - Reprodução/Twitter
Katie Mettler
The Washington Post

Sem avisar a seus seguidores ou mesmo a seu círculo mais próximo, o antigo presidente de um grupo neonazista transmitiu o controle deste a um ativista dos direitos civis dos negros, da Califórnia.

James Hart Stern, 54, com um histórico de se infiltrar em grupos "supremacistas" brancos, é o novo líder do Movimento Nacional Socialista (NSM na sigla em inglês). E sua primeira medida como presidente foi tratar de um processo legal pendente contra o grupo neonazista, pedindo que um juiz da Virgínia o declarasse culpado de conspirar para cometer violência e o comício mortífero da Direita Unida em Charlottesville, nesse Estado, em 2017.

Agora ele pretende transformar o site do grupo de ódio em um espaço para aulas sobre a história do Holocausto.

"Fiz a parte difícil e perigosa", disse Stern ao Washington Post em sua primeira entrevista depois que assumiu a chefia do movimento. "Sendo um homem negro, dominei um grupo de neonazistas e os enganei."

Durante semanas, a repentina mudança de poder confundiu os que estudam grupos de ódio e deixou perplexos os membros da organização, que nada ouviram do homem que liderou o grupo sediado em Detroit durante 24 anos, Jeff Schoep.

Ele ainda não falou em público sobre a confusão, mas Stern está finalmente preenchendo as lacunas. Na sexta-feira (1º), o ativista compartilhou toda a história de sua pouco convencional ascensão ao poder —uma história "épica", disse ele, que inclui infiltração, persuasão e um toque de manipulação. 

 

Há um motivo, disse ele, para que algumas pessoas o chamem de "o encantador da raça".

Para compreender como Stern chegou a dominar a organização de Schoep, é preciso primeiro entender como o neonazista de Michigan conheceu o ativista da Califórnia. 

Stern passou um período preso no Mississipi por fraude postal, e formou um relacionamento com seu companheiro de cela e antigo grão-mestre da Ku Klux Klan Edgar Ray Killen. O líder da KKK havia sido condenado no caso "Mississipi em Chamas", o assassinato de três trabalhadores atuantes nos direitos civis. Embora Killen habitualmente chamasse Stern com insultos raciais, acabou dando ao companheiro de cela uma procuração sobre a história de sua vida e seus bens materiais.

Stern saiu da prisão sob liberdade condicional em 2011, e em 2016 usou sua capacidade como advogado para dissolver a organização racista que Killen dirigia. 

Essa foi sua primeira infiltração de sucesso —e a lenda da relação de Stern com o líder da KKK foi o que primeiro atraiu Schoep.

Em 2014, Schoep chamou Stern inesperadamente para perguntar sobre seu relacionamento com Killen, segundo o ativista. Schoep pediu para ver a identidade do prisioneiro e disse que Stern era o primeiro homem negro que sua organização procurava desde Malcolm X. Stern disse que quando procurou o nome Schoep, descobriu que era um supremacista branco e arranjou um encontro entre os dois na Califórnia para uma pequena cúpula de relações inter-raciais.

Os dois tiveram uma relação estranha desde então, segundo o ativista negro. 

Schoep e Stern continuaram firmemente empenhados em seus próprios campos políticos, disse ele, fundamentalmente opostos ao que o outro representava. Mas também se envolveram em um debate regular: sobre o Holocausto, a feiura da suástica nazista, a falibilidade dos racistas de Schoep e, mais criticamente, o destino de seu grupo de ódio. 

O objetivo, afirma Stern, sempre foi tentar mudar o pensamento de Schoep.

"Desde o primeiro dia eu disse a ele: 'Não concordo com você; não gosto de você'", disse Stern. "Eu falava com ele porque queria ter a esperança de modificá-lo."

Mudar as ideias de Schoep, isso Stern não conseguiu.

Mas, segundo a versão de Stern dos acontecimentos recentes, ele conseguiu outra coisa. No início de 2019, Schoep procurou Stern pedindo conselhos jurídicos sobre o processo, que foi aberto em 2017 por um manifestante de Charlottesville contrário ao Movimento Nacional Socialista e a outros grupos racistas que participaram da manifestação da Direita Unida.

Schoep parecia "abalado", disse Stern, e começou a falar em mudar. "Eu esperava que ele estivesse falando de sua ideologia", disse Stern.

Mas o líder racista branco chamou o Movimento Nacional Socialista de um "albatroz pendurado em seu pescoço" e disse que procurava um modo de escapar. Ele ainda tinha as mesmas ideias, disse Stern, mas estava disposto a cortar os laços com o movimento e começar uma nova organização, porque se sentia pouco apreciado por seus seguidores e deixou o movimento branco da corrente dominante que havia invadido o país depois da eleição presidencial de 2016.

Schoep estava preocupado com as repercussões do processo de Charlottesville e as contas jurídicas que ele tinha de pagar, disse Stern. Confiou então no ativista da Califórnia para buscar soluções. "Eu vi uma fenda naquela armadura", disse Stern.

Então ele incentivou Schoep a recomeçar tudo —entregando-lhe o controle da organização de Detroit e o site na web. E Schoep disse sim. 

"Ele sabia que tinha os membros mais vulneráveis que já houve na organização", disse Stern. "Ele percebeu que alguém ia cometer um crime, e ele seria responsabilizado."

Em meados de janeiro, Schoep preencheu documentos de incorporação junto ao Departamento de Licenciamento e Assuntos Regulatórios de Michigan para transferir formalmente o movimento a Stern, segundo documentos apresentados ao Estado. Em 15 de fevereiro, Stern foi citado em documentos do tribunal no processo como representante do Movimento Nacional Socialista. Stern não é apresentado como réu individual no processo.

Agora ele se prepara para o que virá a seguir —e busca orientação de líderes judeus. Stern disse que não pretende dissolver a corporação porque não quer que seguidores de Schoep ou outros no movimento racista branco a reincorporem. 

Stern admite que seus planos para o site estão evoluindo, mas seu objetivo principal é oferecê-lo como um espaço para organizações judaicas que o ajudem a educar os seguidores do movimento sobre a história do Holocausto. 

"Tudo está em aberto", disse Stern. "Meus planos e intenções são não deixar que esse grupo prospere. É meu objetivo consertar alguns registros."

Schoep assumiu o controle do Movimento Nacional Socialista em 1994 e foi responsável por aumentar o número de afiliados e a marca da organização de negadores do Holocausto e apoiadores de Adolf Hitler. O grupo tem um site que atrai milhões de visitantes do mundo todo, segundo Stern, e organizou manifestações públicas por todos os Estados Unidos. 

O grupo, cujos membros usam uniformes parecidos com os das SS, usados na Alemanha nazista, foi fundado com um nome diferente em 1974 por dois ex-oficiais do Partido Nazista Americano, segundo o Centro Jurídico da Pobreza Sulina (SPLC na sigla em inglês). 

"Assinar pela liderança de uma organização tão antiga equivale a uma sentença de morte no movimento nacional branco", disse Keegan Hankes, analista de pesquisa do centro. "É uma das coisas mais estranhas que já vi desde que comecei a acompanhar essas coisas, cinco anos atrás."

Schoep não respondeu a um pedido de comentário do Washingont Post na sexta-feira, nem várias pessoas listadas no site do movimento como líderes da organização.

Um homem que se identifica como SS Capitão Harry Hughes 3º e está listado como diretor de relações-públicas do Movimento Nacional Socialista, disse em um e-mail que "não está envolvido nos assuntos legais do movimento" e "não tem liberdade para falar sobre nada, até que o comandante Schoep pessoalmente faça uma declaração". 

"Assim como você e o restante da mídia, estou esperando", acrescentou Hughes.

Matthew Heimbach, uma figura importante do nacionalismo branco que por um breve período serviu como diretor de comunicação da organização no ano passado, disse à agência Associated Press que houve conflito entre líderes do movimento, incluindo Schoep, e seus afiliados. Heimbach calculava que o grupo teria 40 membros pagantes no ano passado. 

O maior desafio que o grupo enfrentou, disse Hankes, do SPLC, foi ser suplantado pelos esforços mais refinados de novos líderes da direita alternativa, como Richard Spencer. Havia tensão dentro da organização sobre a necessidade de uma mudança para um tipo de neonazismo menos violento e explícito, segundo ele. 

"Muitos desses grupos veem [o Movimento Nacional Socialista] como extremamente prejudicial para qualquer coisa relativa à política de identidade", disse Hankes.

Stern disse ao Post que ele e Schoep discutiram essa briga interna, e que Schoep manifestou o desejo de deixar o movimento para trás e começar uma nova organização com menos bagagem. Embora Schoep não seja mais legalmente afiliado à organização, ainda enfrenta o processo porque é listado como réu em condição individual.

"Realmente não é bom para ele, e não deveria ser", disse Stern. "Você passa 25 anos aterrorizando pessoas, não pode se reformular de um dia para o outro. Não funciona assim." 

Da Califórnia, onde ele dirige os Ministérios de Contato para Reconciliação Racial, Stern ainda destrincha os detalhes jurídicos de sua nova liderança. Atualmente ele é citado como o advogado que representa o Movimento Nacional Socialista em processos jurídicos, mas um juiz decidiu na sexta-feira (1º) que não pode ser advogado da organização porque as corporações não são legalmente autorizadas a representar a si mesmas no tribunal. 

Stern disse que está trabalhando para contratar um advogado de fora para reapresentar seu caso para um julgamento sumário do processo. Ele também ofereceu aos advogados de Schoep pleno acesso às contas do movimento em redes sociais, segundo disse, porque afirma que agora também é dono delas. 

"Digam o que quiserem sobre mim", disse Stern. "Mas já fiz isso duas vezes."
 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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