Descrição de chapéu

Guia de estilo em corrida de cavalos integra trans, mas ainda é sexista

Tradicional Royal Ascot passa a permitir alfaiataria masculina para mulheres e vestidos para homens

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São Paulo

A menos de um mês para a corrida britânica de cavalos Royal Ascot, uma das mais tradicionais do mundo, a nova cartilha de vestuário indicada pelo evento não é só mais um dicionário de regras, mas uma mudança de pensamento.

Mulheres agora podem usar alfaiataria masculina completa, um símbolo da moda inglesa, e homens, vestidos.

Ainda que não declarada explicitamente no guia, a ideia, comenta-se, é integrar transgêneros

Mas o discurso inclusivo que ganhou a ribalta no Reino Unido após a jóquei Victoria Smith, em 2017, ter começado o tratamento de transição para o sexo feminino é acompanhado de tom sexista.

Na extensa lista de sins e nãos, ilustrada por fotos que soam tão fora de órbita quanto os chapéus imensos que convidados e pagantes são obrigados a usar, fica evidente que, mesmo aberta à diversidade de gênero, a organização reproduz códigos mofados.

É como se o reino de lacinhos, estampas florais e plissados daquele gramado fosse o último a aceitar as mudanças de estilo, que a julgar pelas fotos do guia mais recente, remete a um meio entre os estilos das décadas de 1940 e 1960.

Quem trocar a vestimenta implícita na certidão de nascimento pela do gênero com o qual se identifica terá de se adequar. 

Os que se reconhecem como homens devem aderir à cartola e ao combinadinho de cores do terno completo. Já as que se identificam com o gênero feminino, nada de vestidos acima do joelho e decotes profundos. Nem tomara-que-caia.

A competição de cavalos de raça com ascendência nobre é provavelmente o mais próximo de um tapete vermelho com a participação da rainha que plebeus podem chegar.

O que está em jogo é a mística da festa milionária, que cobra até R$ 380 para uma pessoa desfilar num dos cinco dias de torneio em Berkshire. 

Quem quiser comer no restaurante com estrelas Michelin do local paga R$ 2.100.

No camarote real, uma honraria concedida a convidados e a amigos de convidados —há uma espécie de lista VIP da lista VIP oficial—, a polícia de estilo é rígida e nenhum deslize é permitido. 

Principalmente se envolver chapéus.

Uma onda dos chamados “fascinators”, acessórios de cabeça com plumas, brilhos e sem base aparente, tomou o Royal Ascot nos primeiros anos da década impulsionada pela duquesa de Cambridge, Kate Middleton. 

Quando todos pareciam querer copiá-la, a organização baniu o enfeite, em 2012, alegando que não preservava a elegância necessária para o evento.

Desde aquele ano, os acessórios de cabeça têm de ter uma base de no mínimo 10 centímetros para serem aceitos na ala “royal”, como forma de preservar a tradição dos chapelões. 

Os tais fascinadores, muitas vezes sem base, são permitidos em outros cercadinhos menos abastados.

Para além das libras que saltam nos telões de apostas, o convescote movimenta a indústria local de trajes sob medida e os negócios de chapeleiros, do aclamado Stephen Jones, que ao lado do irlandês Philip Treacy é um dos preferidos da realeza britânica, à novata Camilla Rose Millinery.

Os pontos de atenção mais problemáticos dizem respeito aos comprimentos e à quantidade de pele aparente permitida. 

As alças dos vestidos não podem ser finas; no camarote, um nível abaixo da realeza, ombros devem ser cobertos. 

Os homens, em todo o espaço do torneio, não podem deixar de vestir meias.

Ano após ano, os mandos e desmandos da cartilha do Royal Ascot viram uma bomba midiática. Mesmo criticada por seu teor impositivo, ajuda a manter os holofotes no evento.

Em 2017, os organizadores passaram a permitir que mulheres usassem macacões de alfaiataria, uma mudança considerada radical pela crítica, mas, no ano seguinte, baixaram a lei das meias para criar uma nova celeuma.

O próximo guia provavelmente trará outras restrições.

É um tipo de padrão bem ao estilo real de transmitir sinais de modernidade sem mudar a espinha dorsal das convenções que a mantém intocada. 

Abre-se uma fresta de mudança, mas que, olhada de dentro, conserva regras de conduta extremamente conservadoras e fora de moda.

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