Descrição de chapéu
The New York Times

Massacre na Nova Zelândia evidencia alcance global do radicalismo branco

Autor do ataque estava profundamente inserido cultura da extrema direita mundial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Patrick Kingsley
The New York Times

O massacre de 49 pessoas na Nova Zelândia na sexta-feira (15) salienta as formas contagiosas como a ideologia de extrema direita e a violência se disseminaram no século 21, mesmo em um país que não sofreu uma chacina em mais de duas décadas e que raramente é associado ao extremismo.

A Nova Zelândia pode estar a milhares de quilômetros da Europa ou dos EUA, mas vídeos do assassino mostram que ele estava profundamente inserido na extrema direita global —um homem que conhece a iconografia, as piadas internas e os jargões de diferentes grupos extremistas e um nativo do ecossistema da extrema direita na internet.

Um manifesto ligado ao suposto assassino, divulgado em sua conta em rede social, sugere que seu autor se considera um discípulo e camarada de assassinos adeptos da “supremacia branca”. Ele também elogiou o presidente dos EUA, Donald Trump, zombando de suas técnicas de liderança mas chamando-o de “um símbolo da identidade branca renovada com um objetivo comum”.

Ele foi especialmente influenciado pelas ideias e os métodos de Anders Breivik, o terrorista de extrema direita norueguês que assassinou 77 pessoas em 2011 e cujo manifesto de 1.518 páginas inspirou vários imitadores radicais.

De fato, o manifesto era um “Quem é Quem” dos assassinos racistas brancos. O autor se inspirou em Dylann Roof, o extremista que matou nove afroamericanos em uma igreja na Carolina do Sul em 2015, e outros que cometeram atentados racistas na Europa nos últimos anos.

Suas roupas e armas também foram cuidadosamente escolhidas. Ele portava um emblema usado por diversos grupos neonazistas pelo mundo. Rabiscado em seu rifle havia um credo nacionalista branco popularizado pelo neonazista americano David Lane. Em seu colete antibalas havia um símbolo comumente usado pelo Batalhão Azov, organização paramilitar neonazista da Ucrânia.

Enquanto ele transmitia ao vivo um vídeo de seu carro, tocava uma canção dedicada a Radovan Karadzic, um bósnio-sérvio responsável pela morte de milhares de bósnios muçulmanos e croatas durante a guerra étnica nos Bálcãs nos anos 1990.

A onipresença das redes sociais, assim como a facilidade de acesso a sites como 4chan e 8chan, onde a extrema direita se reúne, permitiu que ele mergulhasse facilmente em conversas extremistas, segundo Matthew Feldman, diretor do Centro de Análise da Direita Radical, baseado no Reino Unido.

“As pessoas que leem essas coisas podem igualmente estar na Nova Zelândia, na Noruega, no Canadá ou nos EUA”, disse Feldman.

“A internet não tem fronteiras. Não apenas isso, mas lugares como 4chan foram construídos para os extremistas de direita. Você tem anonimato se quiser, e as postagens de incitação não serão derrubadas imediatamente.”

Mas o manifesto também mostra como o discurso e os slogans radicais fluíram para a política e a mídia dominante.

O objetivo básico do autor do manifesto era impedir que muçulmanos e não brancos dominem a sociedade ocidental, convocando os países de maioria branca para “esmagar a imigração”, deportar os não brancos e ter mais filhos para conter o declínio das populações brancas. “Retirem os invasores”, dizia o manifesto. “Retomem a Europa.”

Esses objetivos encontram ecos na retórica irada de vários políticos da corrente dominante na Europa, inclusive o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, e o premiê da Hungria, Viktor Orbán.

“As ideias expressas nesse manifesto são amplamente compartilhadas além do perímetro realmente fanático —não apenas na extrema direita, mas também na corrente dominante”, disse Tore Bjorgo, diretor do Centro de Pesquisa sobre Extremismo, na Universidade de Oslo (Noruega).

“Mas há muito poucos”, fora do perímetro externo da extrema direita, “que dariam um passo além e tentariam iniciar uma guerra racial”.

A capacidade do assassino de transmitir ao vivo o ataque através de seus próprios canais na rede social —o que levou à disseminação do vídeo e do manifesto pelo YouTube, pelo Facebook e por vários canais de mídia da corrente dominante— também salienta como a extrema direita usa o alcance da grande mídia e das empresas tecnológicas, enquanto difunde sua mensagem por sites obscuros na internet.

Ao transmitir sua própria atrocidade, o assassino conseguiu ao mesmo tempo contornar os tradicionais guardiões da cobertura noticiosa, enquanto incentivava esses mesmos guardiões a posteriormente regurgitar parte de sua gravação e até inadvertidamente amplificar suas ideias para milhões de potenciais imitadores a mais do que ele teria alcançado sozinho.

“Foi claramente feito para a cobertura da mídia”, disse Bjorgo.

Ao escrever o manifesto principalmente no formato de perguntas e respostas, seu autor esperava claramente —e corretamente— que ele fosse captado e distribuído pelas redes de mídia da corrente dominante, amplificando suas ideias mais que nunca.

“Não vejo como The New York Times poderia não relatar isso. Mas a cobertura estará em toda parte hoje, e amanhã provocará os atos de outra pessoa” , disse Feldman. 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.