Descrição de chapéu The New York Times

Migrantes na fronteira com os EUA sofrem com febres, fraturas e falta de atendimento

Migrantes dizem ter sido largados em celas de concreto quando estavam com ossos quebrados

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O médico Martin Garza examina Elvin Portillo, 17, que veio de Honduras, em clínica em McAllen, no Texas - Tamir Kalifa/NYT
McAllen (Texas) | The New York Times

Eram quase 21h, horas depois do horário previsto de fechamento da clínica improvisada para migrantes recém-chegados à fronteira mexicana com o Texas, mas não paravam de chegar mais pacientes. Um adolescente febril com um ferimento no pé do qual exalava mau cheiro. Um homem com ferimento na cabeça e olhos vermelhos. Crianças com febre, com tosse e resfriadas.

Uma garotinha chamada Nancy tinha sido trazida para a clínica naquele dia com tosse e calafrios. Havia vomitado e sua coluna doía. Uma assistente mediu sua temperatura. “Ela está com 40º de febre, quase 40,5º”, disse a assistente.

O fluxo constante de pessoas que chegaram naquela noite ao centro voluntário de acolhimento operado pela Catholic Charities (federação de entidades beneficentes católicas) no vale do Rio Grande era formado por migrantes que acabavam de ser liberados pela Customs and Border Protection (CBP – Agência de Alfândegas e Proteção das Fronteiras) depois de ser detidos perto da fronteira.

Os recém-chegados tinham passado até 72 horas sob custódia federal, mas a maioria não recebera nenhum atendimento médico real. Os médicos voluntários da clínica particular eram os primeiros a atender muitos deles desde a travessia da fronteira.

“Ele corre o risco de perder essa perna”, o pediatra Martin Garza, que trabalha na clínica em finais de semana alternados, avisou o pai do adolescente com o ferimento no pé, dando-lhe antibióticos para dar a seu filho. “Higienizei o ferimento o melhor que pude.”

Uma média de 2.200 migrantes por dia hoje atravessa a fronteira americana com o México, com 3.000 km de extensão, muitos depois de viagens exaustivas que os deixam feridos, doentes ou gravemente desidratados. No entanto, a maioria das instalações da CBP ao longo da fronteira não possui leitos suficientes, funcionários ou procedimentos para oferecer mais do que atendimento emergencial básico.

Essa situação vem resultando em descuidos médicos perigosos.

Seis adultos morreram sob os cuidados da CBP no ano fiscal que terminou em outubro. Pelo menos três deles sofreram uma emergência médica pouco depois de ser detidos. Outro, que sofria de doenças crônicas graves, morreu no mês passado de complicações médicas.

Duas crianças migrantes –Jakelin Caal Maquin, 7, e Felipe Gómez Alonso, 8— morreram em dezembro com menos de três semanas entre um e outro depois de darem sinais de estarem doentes quando foram detidos e transportados por agentes da Patrulha da Fronteira no Texas e Novo México.

Uma revisão feita pelo The New York Times de registros e dezenas de entrevistas com migrantes, agentes, pesquisadores e profissionais de saúde sugerem que algumas dessas mortes não foram anomalias, e sim sinais de problemas arraigados que vêm repetidamente colocando em risco migrantes detidos com problemas médicos.

Em centros de ajuda temporária como o de McAllen, no Texas, que abrigam migrantes por uma ou duas noites depois de eles serem libertados da custódia da Patrulha da Fronteira, médicos dizem que o atendimento prestado pela CBP em alguns casos foi tão insuficiente que eles tiveram que enviar migrantes recém-chegados diretamente para salas de emergência.

“Eles não são tratados como se sua saúde e seu bem-estar fossem minimamente valorizados”, disse a clínica geral Anna Landau, que trabalha como voluntária num abrigo para migrantes mantido pela Catholic Community Services em Tucson, Arizona. “Diante de pessoas que estão evidentemente com dor, evidentemente em sofrimento, como é possível que os tratem como se fossem meros números e não seres humanos de verdade?”

Os migrantes que atravessam a fronteira do México podem se ferir escalando barreiras, em acidentes com veículos, podem receber tiros ou podem quase afogar. Podem estar sofrendo de desidratação, por exposição excessiva ao sol ou podem estar com doenças contagiosas, desde gripe até catapora, que frequentemente são transmitidas em condições de superlotação. Mas nenhum deles até agora apresentou algo que as autoridades de saúde tenham visto como uma ameaça incomum ou alarmante à saúde pública. Alguns precisam de medicamentos para doenças crônicas como asma, diabetes e hipertensão.

Mas até agora as instalações da Patrulha da Fronteira não oferecem exames de saúde abrangentes às pessoas sob seus cuidados. Os medicamentos dos migrantes são confiscados rotineiramente, incluindo medicamentos vitais para sua sobrevivência, como remédios para asma, doença cardíaca e diarreia infantil. Alguns migrantes descrevem ter sido largados sozinhos em celas de concreto quando estavam com ossos quebrados ou recém-saídos de cirurgias, dispondo apenas de analgésicos profundamente insuficientes.

A previsão é que nos próximos dias sejam anunciadas novas medidas importantes relacionadas à saúde de migrantes. Entre elas estaria a exigência de que os agentes da Patrulha da Fronteira realizem entrevistas mais completas com cada migrante que passa pelo sistema e que encaminhem para atendimento médico todos que precisam disso.

A agência também está construindo um novo e grande centro de processamento de migrantes em El Paso e acrescentando US$ 47 milhões a um contrato privado para a prestação de assistência médica a migrantes.

“Vamos fazer tudo ao nosso alcance para garantir atendimento médico pronto quando for necessário”, disse a secretária da Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, falando na Casa Branca em janeiro. “Os homens e mulheres da CBP e da ICE (Immigration and Customs Enforcement, Agência de Controle de Imigração e Alfândegas) estão fazendo o melhor que podem com os meios à sua disposição, mas não possuem as instalações, os recursos ou a autoridade legal para fazer frente a esta crise.”

O deputado democrata Raul Ruiz, da Califórnia, que também é médico, ajudou a conseguir verbas para medidas adicionais para melhorar o atendimento de saúde a migrantes, depois de visitar instalações na fronteira onde, contou, viu crianças tossindo e espirrando e bebês sem fraldas, todos comprimidos em celas com pouca comida, sabonete e outros artigos de necessidade básica. Segundo ele, as estações da Patrulha da Fronteira e seus funcionários estão “despreparados, não têm treinamento e não possuem equipamentos para lidar com as necessidades humanitárias das famílias”.

As iniciativas foram anunciadas após anos de avisos lançados dentro e fora do governo que foram em grande medida ignorados por uma agência que viu como sua missão principal o policiamento –capturar e deportar pessoas que atravessam a fronteira ilegalmente, e não cuidar delas quando estão doentes.

“A Patrulha da Fronteira é um órgão de aplicação da lei. Não é uma agência humanitária”, disse Alexander L. Eastman, funcionário médico sênior do Departamento de Segurança Interna que está tentando implementar, pela primeira vez, uma abordagem ao atendimento a migrantes que seja seguida em todo o departamento.

Alguns agentes de saúde dizem que veem agentes da Patrulha da Fronteira em campo priorizando as leis de imigração em detrimento das necessidades médicas urgentes de migrantes. Funcionários de ambulâncias perto da fronteira dizem que às vezes são obrigados a esperar em checkpoints da Patrulha da Fronteira.

Em um caso que ocorreu há cinco anos e foi descrito ao NYT por duas pessoas que trabalhavam para uma equipe de atendimento médico emergencial em Starr County, Texas, uma mulher em estado crítico foi levada de carro sobre a ponte do México para Rio Grande City e colocada em uma ambulância de um hospital vizinho. Um paramédico, Sergio Garza Jr, começou a ajudá-la a respirar. Mas, segundo ele, um funcionário da CBP abriu a porta traseira da ambulância e ordenou que a paciente fosse mandada de volta porque não possuía a documentação necessária para entrar no país.

Garza e o diretor da ambulância protestaram em vão. A contragosto, Garza transferiu a paciente de volta a uma ambulância mexicana, que não tinha funcionários treinados a bordo, como ele e o diretor recordaram.

Garza disse que mostrou ao marido da paciente como comprimir um saco de oxigênio para tentar conservar sua mulher viva enquanto era levada a um hospital mexicano distante. Ela morreu a caminho desse hospital.

O número de mortes ainda é desconhecido e talvez nem possa ser conhecido. Até dezembro a CBP não tinha a obrigação de fazer uma revisão independente ou apresentar relatório público sobre as mortes ocorridas sob sua custódia por motivos médicos. E as consequências do não atendimento a pessoas com necessidades médicas urgentes muitas vezes se manifestam depois que os detidos são rapidamente transferidos para outra agência ou então libertados.

Em alguns casos, agentes da Patrulha da Fronteira levam migrantes doentes a hospitais, mas os problemas continuam quando eles são levados de volta às instalações superlotadas e mal equipadas da CBP.

A hondurenha Sonia Diaz-Castro, 39, candidata a asilo, caiu do alto de um muro de oito metros de altura na fronteira quando entrou nos EUA no ano passado. Ela ficou quase imobilizada, com cotovelo e pelve quebrados.

Agentes da Patrulha da Fronteira no Novo México a levaram duas vezes a hospitais locais, e um médico em um dos hospitais disse que os agentes prometeram que ela receberia uma cadeira de rodas e que haveria alguém para ajudá-la a se deslocar. Ela não teve nenhuma dessas coisas. Apesar de mal conseguir se mexer, Diaz-Castro foi deixada sozinha numa cela de concreto. Para usar a latrina, era obrigada a arrastar-se pelo chão apoiada em seu braço quebrado.

“Eu só tinha vontade de gritar. A única coisa que podia fazer era chorar. Quando me lembro disso, ainda me dá vontade de chorar”, ela recordou.

Tradução de Clara Allain  

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