Descrição de chapéu

No caso da Boeing, só se fala na máquina, como se seres humanos não importassem

Ler a maior parte dos meios brasileiros de comunicação causa a impressão de que avião da Ethiopian Airlines voava vazio

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São Paulo

Ler a maior parte dos meios brasileiros de comunicação causa a impressão de que o Boeing 737 Max 8 da Ethiopian Airlines voava vazio ao cair perto de Adis Abeba. Só se fala na máquina, como se seres humanos não importassem.

Pode até haver explicações para a relativa omissão. Uma delas, talvez a mais importante, é a de que não havia brasileiros a bordo.

Por muito que a globalização tenha avançado e trazido o mundo para mais perto, o fato é que continua sendo um mundo de tribos: brasileiros gostam mais de saber o que fazem ou como morrem outros brasileiros do que o que fazem ou como morrem cidadãos de outros países.

Além disso, por mais que tenha avançado a correção política, não dá para fingir que a África deixou de ser o continente esquecido.

Uma terceira eventual explicação é o fato de que há mais de 350 aparelhos iguais aos dois que caíram voando por companhias aéreas espalhadas pelo mundo, inclusive a brasileira Gol.

Quem vê a barba do vizinho queimar (ou o avião em que o vizinho voava cair) logo põe as suas de molho e se preocupa mais com o aparelho do que com os passageiros que estavam nele.

Explicações existem, pois, mas não creio que sirvam de justificativa para esquecer os humanos e centrar-se nas máquinas.

Até porque há histórias de seres humanos que dariam excepcional material jornalístico se nos dedicássemos a explorá-las.

Para ficar ainda no terreno da aviação, gostaria muito de saber como vivem hoje os parentes das 239 pessoas a bordo do vôo MH370, da Malaysia Airlines, que simplesmente sumiu na rota entre Kuala Lumpur, na Malásia, e Pequim, na China.

O sumiço completou cinco anos exatos no dia 8 de março. Já é incrível que, neste mundo tão cheio de GPSs, gadgets eletrônicos avançados, uma massa de meios de comunicação, não se consiga encontrar um aparelho tão grande.

Tampouco se sabe como conseguem sobreviver os parentes dos passageiros sem que tenham uma explicação para o mistério e, portanto, sem poder enterrar seus mortos. O luto já é um sentimento de amargura. Arrastá-lo por tanto tempo é aumentar a amargura.

Vale idêntica observação para os funcionários da ONU que estavam no voo da Ethiopian: suas histórias ajudariam a resgatar o valor da organização internacional, tão questionada hoje, ao mostrar que estão presentes nos confins do mundo.

Máquinas, afinal, não vestem luto. Humanos, sim.

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