Após 25 anos, Ruanda se recupera economicamente, mas não de trauma de genocídio

Cem dias de massacre em 1994 deixaram ao menos 800 mil vítimas

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Kigali (Ruanda) | AFP

Vinte cinco anos após o genocídio em que ao menos 800 mil pessoas foram mortas em cem dias, Ruanda se recupera economicamente, mas ainda vive sob a sombra do massacre.

Neste domingo, como tradição em todo 7 de abril, dia em que o genocídio começou, o presidente Paul Kagame irá acender a chama da lembrança no Memorial do Genocídio em Kigali, onde mais de 250 mil vítimas estão sepultadas.

O ato marca o início das atividades e de cem dias de luto nacional no país do leste africano. Na tarde de domingo, Kagama, que liderou os rebeldes que perseguiram os genocidas e está no poder desde então, presidirá uma cerimônia no Estádio Nacional Amahoro —”paz”, na língua Kinyarwanda. O local foi usado pela ONU para proteger milhares de ruandeses da etnia tutsi do genocídio.

O assassinato, em 6 de abril de 1994, do então presidente, o hutu Juvénal Habyarimana, foi o deflagrador do genocídio. No dia seguinte, as Forças Armadas Ruandesas (FAR) e os milicianos hutus Interahamwe iniciaram os massacres, em parte resultado de anos de tensão étnica gerada pelas propagandas contra os tutsis.

Incitadas pelas autoridades, todas as camadas da população se entregaram à causa. Homens, mulheres e crianças foram exterminados a golpes de machado.

massacre só terminou em 4 de julho, quando Kagame —então com 36 anos— e sua Frente Patriótica Ruandesa conquistaram a capital Kigali, o que deu início ao êxodo de hutus para a atual República Democrática do Congo.  

Desde então, ele manteve o país sob um comando autoritário enquanto busca a recuperação econômica.

“Em 25 anos, as coisas que conseguimos alcançar são realmente extraordinárias”, afirmou Bruce Muringira, 24, que, como quase dois terços da população de 12 milhões, nasceu após o genocídio. “Penso que evoluímos muito nesse curto espaço de tempo.”

O crescimento alcançou 7,2% em 2018, segundo o Banco de Desenvolvimento Africano, um “boom” estimulado pela ajuda internacional recebida após o genocídio.

Na sexta-feira (5), o presidente francês, Emmanuel Macron, criou um painel de especialistas para investigar as ações da França na ocasião. Ruanda acusa o país europeu de cumplicidade com o genocídio por seu apoio ao governo hutu e de ter ajudado agressores a fugir.

A reconciliação é chave em um país dividido por um legado sangrento. Ruanda proibiu referências à questão étnica na vida pública e priorizou o encaminhamento de genocidas à Justiça.

Mas, para os sobreviventes, a reconciliação segue um problema, já que os corpos de seus familiares não foram encontrados, e muitos agressores continuam livres.

Além disso, o governo linha-dura de Kagame —visto por alguns como essencial para impor a ordem após o caos— ganhou muitos críticos internos e externos, que apontam ataques à liberdade de expressão e à supressão da oposição.

Kagame, 61, foi reeleito para um mandato de sete anos em agosto de 2017 com quase 99% dos votos, e uma reforma constitucional adotada em referendo em 2015 permite que ele fique no poder até 2034.

Mas alguns veem sinais de mudança. Segundo um comentarista político ruandês, que pediu para permanecer anônimo por medo de represálias, o presidente não quer ser lembrado apenas como um autocrata abertamente intolerante com a oposição e está ficando mais consciente do legado que pretende deixar.

No ano passado, o Partido Democrático Verde se tornou a primeira sigla de oposição a entrar no Parlamento, obtendo dois assentos nas eleições.

“O partido governista já não é abertamente intolerante com as opiniões da oposição. Nossos manifestos agora são considerados projetos de governo, não mais como antes”, afirmou Frank Habineza, líder do partido.

Diversos líderes africanos devem comparecer à cerimônia deste domingo.

A Bélgica, antigo poder colonial, enviará o premiê Charles Michel. A França será representada por Herve Berville, 29, ruandês que hoje é membro do Parlamento francês. 


Cronologia do genocídio de Ruanda

6.abr.94
O avião do presidente Juvenal Habyarimana é derrubado

7.abr.94
Tutsis são mortos a golpes de machadinha em Kigali

8.abr.94
A Frente Patriótica Ruandesa (RPF, tutsi) lança ofensiva contra Kigali a partir de sua base em Mulundi

9-16.abr.94
Estrangeiros ocidentais são retirados do país

21.abr.94
A ONU reduz a presença da sua força de manutenção de paz de 2.500 para 270 homens

30.jun.94
Autoridades da ONU dizem que massacres equivalem a genocídio 

22.jun.94
A França lança a Operação Turquesa, criando uma área de segurança no sudoeste do país

4.jul.94
A RPF captura Kigali e Butare

13.jul.94
2 milhões de hutus fogem de Ruanda

17.jul.94
A RPF captura Ruhengeri e Gisenyi, pondo fim ao conflito

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