Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Aproximação entre Brasil e Israel não pode acontecer à custa da Palestina, diz embaixador

Indagado sobre retaliações comerciais que o Brasil poderia sofrer, Ibrahim Alzaben contemporizou

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Brasília

O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, afirmou à Folha que a política de aproximação entre o governo Jair Bolsonaro e Israel não pode acontecer “à custa do Estado da Palestina.”

“Não questionamos em nenhum momento as relações entre Brasil e Israel, mas que não seja às custas do Estado da Palestina, do seu povo e da sua luta”, declarou Alzeben, que representa a Autoridade Palestina no país.

Em entrevista nesta segunda-feira (1º), na embaixada palestina em Brasília, ele condenou a decisão de Bolsonaro de abrir um escritório comercial em Jerusalém, cidade disputada por israelenses e palestinos, e criticou a visita do presidente ao Muro das Lamentações junto ao primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu. ​

O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, durante entrevista à Folha em seu gabinete, em Brasília
O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, durante entrevista à Folha em seu gabinete, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Para o embaixador, ir ao local, que fica na porção oriental de Jerusalém, sem o consentimento do lado palestino, é uma violação".

Indagado sobre possíveis retaliações comerciais que o país poderia sofrer por parte de nações árabes, Alzaben disse não gostar do termo e defendeu que o Brasil atue como um mediador do conflito.

“Eu acho que devemos deixar um espaço para a diplomacia agir neste caso, intensificar o diálogo, convencer o Brasil a manter boas relações equilibradas com ambas as partes”, declarou.

Como o senhor avalia o anúncio de que o Brasil vai abrir um escritório de negócios em Jerusalém?
É um escritório de negócios, não é um escritório diplomático. Nós condenamos essa atitude, e eu considero que é um passo desnecessário. Porque mexe com Jerusalém, um assunto muito delicado.

Nesse caso, o Brasil sempre foi equilibrado nas suas posições. Nós não questionamos em nenhum momento as relações entre Brasil e Israel, mas que não seja às custas do Estado da Palestina, do seu povo e da sua luta pela independência e pela recuperação dos territórios ocupados por Israel, incluindo a parte oriental de Jerusalém.

Se o Brasil insiste em abrir um escritório de negócios em Jerusalém, que seja na parte Ocidental [da cidade]. E que paralelamente abra um escritório de negócios na parte Oriental para atender os negócios com a Palestina.

Que abra na parte Ocidental para Israel e na parte oriental para a Palestina. Ou que deixe de fazer isso [abrir o escritório de negócios] e passe isso para o futuro, quando a questão de Jerusalém for resolvida entre os dois estados.

A proposta original era abrir a embaixada para Jerusalém. O senhor considera a abertura de um escritório um recuo?
Nós consideramos isso [não anunciar a transferência da embaixada] uma decisão sábia por parte do presidente, de não tocar nesse tema tão delicado. De todas as maneiras, segundo o presidente Bolsonaro, o tema está na agenda até 2022.

Quero pensar positivo, de que até 2022, quando termina o atual mandato, a Palestina já será um Estado. E nesse caso o Brasil poderá levar as duas embaixadas, uma para o lado Ocidental e outra para o Oriental.

O Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a Palestina. A nova política do Brasil, de alinhamento com Israel, é especialmente sentida pela Palestina em razão desse simbolismo?
A política é sempre volátil. Temos de entender que a política está em constante movimento. Esperamos que isso seja para o bem da região, para o bem das negociações de paz entre Palestina e Israel, que estão paralisadas.

E que essa visita brasileira possa contribuir para abrir portas de negociação e entendimento entre as duas partes. Espero e imagino que o senhor presidente Bolsonaro e a delegação que o acompanha vão vislumbrar de perto a essência desse conflito e possam contribuir para que o Brasil se mantenha numa posição positiva, no sentido de aproximar as duas partes.

O Brasil é um país amigo de ambas as partes, queremos que siga sendo amigo das duas partes e que siga sendo um mediador.

Fala-se muito sobre possíveis retaliações comerciais de países árabes e de maioria islâmica contra o Brasil. Isso pode acontecer?
Nós não questionamos as relações entre o Brasil e Israel. O Brasil é um país soberano, estabelece relações e as aumenta com quem seja de sua conveniência, e neste caso [a conveniência] do governo da vez.

Mas no sentido de que essa aproximação seja à custa dos interesses árabes e dos palestinos, o tema muda. Acho que devemos deixar um espaço para a diplomacia agir neste caso, intensificar o diálogo, convencer o Brasil a manter as boas relações equilibradas com ambas as partes.

Não falamos de retaliações, eu não gosto desse termo. O Brasil é um país amigo e confiamos que os mandatários possam enxergar melhor os seus interesses.

Como o senhor viu a posição do Brasil de não reconhecer a soberania de Israel sobre as colinas de Golã, como fez o presidente dos EUA, Donald Trump?
As colinas de Golã são um território ocupado. A Cisjordânia é um território ocupado. Jerusalém Oriental é território ocupado. A faixa de Gaza é território ocupado e bloqueado.

O Brasil sempre respeitou o direito internacional, e por isso o Brasil ocupa o lugar que ocupa na arena internacional. Presidiu em 1947 a Assembleia-Geral da ONU, não porque o Brasil tem mais de oito milhões de quilômetros quadrados, mas porque se manteve e se mantém respeitador do direito internacional.

O senhor considera que a nova política externa brasileira pode prejudicar a capacidade de mediação do Brasil?
Como eu falei, a política é volátil. Depende de como vai agir e atuar o governo.

O senhor foi convocado pela Autoridade Palestina para consultas?
Estou aguardando ordens. Sim, saiu um comunicado, de que estão estudando a possibilidade de chamar o embaixador para consultas, e até agora estou aguardando. A mala está pronta.

Mas o senhor ainda não foi efetivamente chamado?
Não.

Até o momento apenas a Palestina sinalizou que poderia chamar o seu embaixador para consultas.
Até o momento o único que foi notificado e que está em stand-by sou eu.

Isso de alguma forma enfraquece a posição diplomática da Palestina?
Nós contamos com o apoio de 21 países árabes, um apoio absoluto. O senhor pode observar os resultados ontem da cúpula na Tunísia. Há um apoio total, absoluto e incondicional, podemos dizer assim, à questão palestina.

E à solução de dois estados e à criação do Estado palestino com Jerusalém Oriental como capital [da Palestina]. Não tem mudança. A parte implicada neste assunto sou eu, se meu governo me chama ou deixa de me chamar. Agora, como esse assunto vai se desenvolver daqui para frente, isso depende dos desdobramentos da visita e dos seus resultados.

Qual a avaliação do senhor da visita do presidente Bolsonaro no Muro das Lamentações?
O Muro das Lamentações é território ocupado. O senhor presidente possivelmente não foi orientado pela embaixada em Tel Aviv de que se trata de território ocupado. De todas as maneiras, nós respeitamos os sentimentos e fé do senhor presidente, mas ressaltamos que é território ocupado.

Como o senhor vê a participação do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, na agenda de Bolsonaro no Muro das Lamentações?
Visitar qualquer lugar dentro de Jerusalém Oriental, sem o consentimento do lado palestino, é uma violação.

O senhor teve contatos hoje com alguma autoridade brasileira sobre a visita de Bolsonaro a Israel?
Não, até agora não tive nenhum contato. Estamos aguardando que a visita termine e reitero que desejamos o maior sucesso para essa visita, pelo bem do Brasil.

Quando a comitiva voltar ao Brasil, o que o senhor e os demais embaixadores de países árabes pretendem fazer?
Nós já solicitamos uma visita de cortesia ao presidente Bolsonaro, da parte da embaixada palestina e do Conselho de Embaixadores Árabes. Tanto com o presidente quanto com o chanceler [Ernesto Araújo]. Eu sou o decano do Conselho de Embaixadores Árabes. Vamos reiterar o pedido para visitar o presidente e o chanceler.  

O senhor já se encontrou com o chanceler Ernesto Araújo?
Somente no dia da posse. Fui o primeiro a cumprimentá-lo como decano do Conselho de Embaixadores Árabes.

Qual a relação do senhor e dos demais embaixadores árabes com a nova administração no Itamaraty?
Ainda é cedo para avaliar. Entendemos que o novo governo tem uma agenda bastante apertada e tem assuntos e prioridades nacionais e locais. Mas não vamos perder de vista nosso interesse em estabelecer as melhores relações com o novo governo.

Com mais canais de entendimento e mostrar nosso interesse em estabelecer boas relações para melhorar ainda mais. Para incrementar o intercâmbio comercial e incentivar os investimentos dos dois lados. Nós consideramos o Brasil um parceiro.

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