Combate a fake news no pleito da Espanha vitimiza radicais

Especialistas pedem medidas além do fechamento de contas em redes sociais

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Madri

Grandes empresas de tecnologia estão usando as eleições gerais da Espanha, neste domingo (28), para tentar se desvencilhar da pecha de coniventes com a disseminação de dados e notícias falsos em suas plataformas e em pleitos anteriores pelo mundo.

Cinco dias antes da votação, o Facebook tirou do ar no país 17 contas ou páginas de ultra direita que totalizavam quase 1,5 milhão de seguidores e 7 milhões de interações (curtidas, comentários etc.) desde o começo de 2019.

Quase que simultaneamente, o WhatsApp, dos mesmos donos, bloqueou os canais do partido de esquerda radical Podemos, que somam cerca de 50 mil inscritos.

Candidatos da eleição espanhola participam de debate; em sentido horário: Pablo Casado (Partido do Povo), o atual primeiro-ministro, Pedro Sánchez (Partido Socialista Operário Espanhol), Albert Rivera (Cidadãos) e Pablo Iglesias (Podemos)
Candidatos da eleição espanhola participam de debate; em sentido horário: Pablo Casado (Partido do Povo), o atual primeiro-ministro, Pedro Sánchez (Partido Socialista Operário Espanhol), Albert Rivera (Cidadãos) e Pablo Iglesias (Podemos) - TVE - 23.abr.2019/REUTERS

As empresas atribuíram ambas as medidas a critérios técnicos —e não ao teor dos materiais ali publicados. A questão teria sido o desrespeito a normas de uso dos suportes.

No primeiro caso, perfis falsos foram empregados para impulsionar conteúdos; no segundo, houve recurso a serviços de disparo maciço de mensagens, em ação semelhante à que a Folha mostrou ter ocorrido na eleição brasileira de 2018.  

Porém, para David Alandete, autor do livro “Fake News, la nueva arma de destrucción massiva” (a nova arma de destruição em massa), as medidas chegaram com atraso.

“As plataformas fizeram pouco ou nada na hora em que era preciso combater a desinformação”, diz Alandete, também especialista do DisinfoPortal, que mapeia campanhas de desinformação patrocinadas pela Rússia.

“A desabilitação de páginas pelo Facebook é uma medida espalhafatosa de última hora que só agrava as coisas, porque vitimiza os radicais. É preciso uma estratégia mais abrangente, de longo prazo, para combater as notícias falsas.”

De fato, os administradores de algumas das páginas suprimidas buscaram se caracterizar como davis diante dos golias da tecnologia.

Javier Capdevila Grau, gerente de um grupo de sites acompanhados por mais de um milhão de pessoas, afirmou ao jornal El País que “ninguém tem o direito de censurar e de manipular a informação servindo a interesses de poderosos que querem controlar tudo para alcançar o poder absoluto, como ditadores”.

À mesma publicação Antonio Leal, que coordena páginas críticas ao primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, e a seu grupo político, todas também bloqueadas, disse se tratar de um “atentado” a sua “liberdade de comunicação” e assinalou a intenção de processar a corporação americana.

Para Alandete, o congelamento dos canais do ultraesquerdista Podemos no WhatsApp produz efeito semelhante ao observado na outra extremidade do espectro político: oferece à legenda uma deixa para se apresentar como a vítima que não é.

Segundo ele, foi a agremiação progressista comandada por Pablo Iglesias quem, em 2014, primeiro introduziu técnicas de desinformação na arena online da política espanhola. O escritor diz que os expedientes foram importados da Venezuela chavista.

Convém pontuar, entretanto, que, em 2016, um Iglesias recém-fortalecido por um bom desempenho eleitoral foi alvo de uma blitzkrieg de jornais de perfil duvidoso que buscavam associá-lo ao governo do Irã, de quem teria recebido recursos para fazer o Podemos decolar. Nada foi provado.

Mais recentemente, completa Alandete, o neófito Vox (de ultradireita) se valeu do know-how em fake news de estrategistas de Donald Trump.

Os dois polos convergem no silêncio em relação aos desmandos do Estado iliberal que Vladimir Putin encabeça na Rússia.

Na avaliação do escritor, a força do Vox na internet pode levar a surpresas na hora da apuração no domingo.

Um levantamento recente mostrou haver no Facebook mais de 40 grupos fechados ligados ao partido, reunindo 120 mil simpatizantes —juntos, os outro quatro partidos majoritários da Espanha têm 200 mil seguidores nesse tipo de aglomeração.

“A surpresa talvez não envolva uma vitória do Vox na eleição [as pesquisas o colocam na quinta posição], mas sim o fato de esse grupo se credenciar para desempenhar papel decisivo no Parlamento”, finaliza Alandete.

Para além da interação com eleitores por aplicativos de mensagens ou páginas em redes sociais, o investimento na campanha digital desta vez se traduziu em gastos vultosos de algumas das principais siglas com anúncios.

Para bancar cerca de 400 reclames online e atingir 75 milhões de internautas, o Podemos desembolsou 750 mil euros (R$ 3,3 milhões).

Já o Cidadãos (centro-direita), gastou quase 550 mil euros (R$ 2,4 milhões), enquanto o Partido Popular (conservador), viu seu aporte subir de 150 mil euros (R$ 660 mil), nas eleições de 2016, para 270 mil euros (R$ 1,2 milhão) agora.

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