Comemoração do fim do nazi-fascismo divide governo italiano

Festa nacional da liberação opõe extrema direita e movimento populista

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Comemoração da liberação da Itália do nazi-fascismo nas ruas de Roma, em 2017
Comemoração da liberação da Itália do nazi-fascismo nas ruas de Roma, em 2017 - Jacopo Landi - 25.abr.2017/NurPhoto/AFP
Lucas Ferraz
Roma

A recordação do passado autoritário tem causado celeumas também na Itália

Feriado nacional, a comemoração da liberação do país do nazi-fascismo, que completa 74 anos neste 25 de abril, abriu mais uma crise na coalizão formada entre a Liga, de extrema direita, e o Movimento 5 Estrelas, populista. Ambos governam a Itália desde junho do ano passado. 

O motivo da discórdia foi o anúncio de boicote da Liga aos festejos da data, que marca o nascimento da democracia italiana. Quem explicitou a dissidência foi o vice-premiê e ministro do Interior, Matteo Salvini, líder do partido.

O episódio lembra a recente polêmica do governo Jair Bolsonaro em torno da comemoração do golpe que deu início à ditadura militar brasileira. 

Crítico da apropriação da data pela esquerda, Salvini alegou que a celebração virou uma disputa entre “vermelhos e negros”. Ele estará nesta quinta na Sicília combatendo a máfia, o que considera a verdadeira “guerra de liberação” destes tempos. 

“Felizmente estamos numa democracia; fascismo, comunismo e nazismo não voltam mais”, disse o ministro. 

A decisão da Liga de não participar do 25 de abril foi endossada por outros partidos da extrema direita, como os Irmãos da Itália, para quem as comemorações são uma forma de dividir o país.

Em algumas cidades a celebração foi até cancelada. A prefeita da pequena Lentate sul Seveso (norte) anunciou que o evento não será realizado para não ser “instrumentalizado politicamente”. 

Filiada ao partido de direita Força Itália, de Silvio Berlusconi, Laura Ferrari afirmou que a data voltará a ser celebrada na cidade ano que vem, nos seus 75 anos, mas com uma manifestação “apolítica e apartidária”, para restituir a festa “a todos os italianos”. 

Os ataques à dissidência vieram de Luigi Di Maio, outro vice-premiê, ministro do Trabalho e líder do 5 Estrelas, que considerou grave a “negação” do 25 de abril. Di Maio disse que Salvini erra ao boicotar a celebração, que é de “todos os italianos”. Ele participará dos eventos nas principais cidades. 

O episódio é mais um na extensa lista de polêmicas entre os dois principais nomes do governo, que vêm trocando farpas publicamente há semanas, sobre vários temas. 

Em perspectiva estão as eleições para o Parlamento Europeu, em 26 de maio, que opõem os dois ministros. Há quem aposte no fim da aliança entre a Liga e o 5 Estrelas. 

“Se não fosse a eleição, não tenho a menor dúvida que esse 25 de abril seria como outro qualquer”, afirmou o historiador Emilio Gentile, um dos principais especialistas em fascismo na Itália.

“Creio que a razão principal da Liga é querer conquistar o voto de todos os italianos que ainda têm uma ideia romântica e nostálgica do fascismo.”

Instituído por lei, o feriado nacional de 25 de abril recorda a rendição de Benito Mussolini e o fim da ocupação nazista. Nesse dia em 1945, os soldados alemães começaram a deixar o país.

A Segunda Guerra Mundial (1939-45) ainda demoraria alguns meses para acabar, mas a data marca o fim do jugo nazi-fascista na Itália. 

Derrubado num golpe palaciano em 1943, Mussolini ainda continuou à frente de um Estado fantoche no Norte conhecido como “República de Saló”, com o apoio de Hitler.

Dias depois da rendição, o Duce foi preso quando tentava fugir para a Suíça usando um uniforme alemão, e executado. Nesses dois anos, a Itália viveu praticamente uma guerra civil que opôs grupos fascistas e antifascistas. 

Não é a primeira vez que o feriado divide o governo.

Nos anos 1990, durante o mandato de Berlusconi, também houve indiferença —motivada pela participação na coalizão do partido Aliança Nacional, derivado do Movimento Social Italiano, que por meio século foi o maior grupo neofascista da Europa.

Berlusconi defendeu a celebração do feriado em artigo nesta quarta (24).

Naqueles anos, a Liga (que ainda se chamava Liga Norte) criticou a decisão e se declarou antifascista.

Mas hoje a situação é outra. O partido de Salvini, o mais popular do país, é abertamente apoiado por grupos neofascistas.

O ministro nunca condenou publicamente a intolerância e a violência do movimento —recentemente, um repórter do jornal La Repubblica passou a ter escolta armada do Estado após ser ameaçado de morte por um desses grupos. 

No passado, como lembra o historiador Emilio Gentile, o 25 de abril costumava dividir a esquerda italiana: comunistas e social democratas se digladiavam para saber quem eram os autênticos antifascistas —polêmica já superada.  

“O 25 de abril é uma festa de todos os italianos que tiveram de lutar para estabelecer a liberdade e a igualdade. É uma vitória que beneficiou inclusive os neofascistas, que podem continuar manifestando nostalgia ao passado graças à data”, ressalta Gentile. 

A Associação Nacional dos Partigiani Italianos (ANPI), como são chamados os resistentes ao fascismo, criticou os que ainda sentem orgulho do período em que o “criminoso Benito Mussolini” esteve no poder. 

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