Cristão e gay, Pete Buttigieg ganha força em prévias presidenciais democratas

Prefeito de pequena cidade nos EUA chama a atenção ao abordar religião e se diferenciar do discurso habitual da esquerda

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Buttigieg deixa palco após discursar em convenção em Nova York 
Peter Buttigieg deixa palco após discursar em convenção em Nova York  - Lucas Jackson - 4.abr.2019/Reuters
Washington

A primeira coisa é aprender a pronunciar seu nome: Pete Buttigieg (bã-rê-di-tchi).

Depois, entender por que o prefeito de uma pequena cidade de Indiana, nos EUA, conseguiu quebrar a cacofonia da esquerda americana e ganhar os holofotes da disputa presidencial de 2020.

Aos 37 anos, Buttigieg decidiu romper as tradições do Partido Democrata com complexidade e ineditismo.
Fez da religião um dos principais temas da campanha que tenta levá-lo à Casa Branca como o primeiro candidato abertamente gay da história dos Estados Unidos.

Misturar a discussão sobre fé, política e direitos da comunidade LGBT fez do prefeito de South Bend, município com pouco mais de 100 mil habitantes, a nova celebridade democrata no momento em que o partido tem pelo menos dez nomes na corrida para saber quem será o escolhido para disputar a sucessão de Donald Trump.

Neste domingo (14), é a vez de Mayor Pete —mais fácil chamá-lo assim, prefeito Pete— anunciar oficialmente que também vai concorrer nas prévias democratas.

Segundo analistas, Buttigieg larga com uma vantagem animadora: está no meio de seu embalo inicial.

Desde março, quando participou de um programa da emissora de TV americana CNN, o prefeito mostrou que sairia da zona de conforto da esquerda, com temas ligados à imigração e aos direitos humanos. E que também discutiria a fé.

Para ele, é importante que os candidatos tenham pelo menos a opção de falar sobre sua religiosidade. A partir dali, viu seus números escalarem.

Seu nome foi estampado em diversos jornais e revistas, sua arrecadação eleitoral disparou e mais eleitores pareceram interessados em saber quem é o anglicano, veterano de guerra do Afeganistão e fluente em oito idiomas que disse que o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, era um “líder de torcida para a presidência pornô”.

“Será que ele [Pence] parou de acreditar nas Escrituras quando começou a acreditar em Trump?”, questionou em sua aparição na CNN que virou hit entre os democratas.

Em outra ocasião, durante um evento na Carolina do Sul, o prefeito voltou a usar sua receita que combina pauta progressista e religião para criticar Pence —ex-governador de Indiana, estado onde fica a cidade em que é prefeito desde 2012. Durante o período em que foram prefeito e governador no mesmo estado, porém, tiveram relação amistosa.

A retórica de Mayor Pete sobre religião logo chamou a atenção dos republicanos e analistas mais à direita que, até aqui, estavam acostumados a travar batalhas com ativistas sobre direitos humanos e liberdades, mas não sobre fé. 

A reação imediata dos conservadores foi acusar o prefeito de atacar as crenças religiosas das pessoas ao afirmar que seu casamento gay o aproxima ainda mais de Deus. Ao comentar a união com o professor Chasten Buttigieg, Mayor Pete disse que a relação o tornava mais seguro e melhor.

Outra crítica ao prefeito é que sua plataforma é por ora bastante genérica, sem projetos concretos, apesar de se diferenciar do discurso habitual da esquerda americana, que fala em mais recursos para saúde e educação e mais impostos para os ricos, por exemplo.

Laura Durso, pesquisadora do Center for American Progress (centro para o progresso americano), diz que o discurso é efetivo para o eleitorado de esquerda, porque existem muitas pessoas da comunidade LGBT que são religiosas e não se sentiam representadas.

“Mayor Pete tenta fortalecer seu perfil falando sobre pautas progressistas mas também sobre questões que a esquerda não costuma discutir, como religião. Isso é eficiente porque há na comunidade LGBT muitas pessoas que são religiosas e agora pensam: ‘Posso ser os dois’”.

Na prática, o roteiro elaborado pelo candidato formado em história e literatura em Harvard, com mestrado em economia, ciência política e filosofia em Oxford, parece estar dando resultado. 

Uma pesquisa realizada no estado de Iowa que mediu a popularidade dos possíveis candidatos de oposição a Donald Trump mostrou o prefeito saindo do zero, em janeiro, para 11% em março.

Retratos dos candidatos às prévias do Partido Democrata (em sentido horário): Pete Buttigieg, Bernie Sanders, Beto O'Rourke, Kamala Harris, Elizabeth Warren e Cory Booker
Os candidatos às prévias do Partido Democrata (em sentido horário): Pete Buttigieg, Bernie Sanders, Beto O'Rourke, Kamala Harris, Elizabeth Warren e Cory Booker - AFP

Na frente dele, apenas dois figurões da política americana: o ex-vice-presidente Joe Biden, com 25%, e, com 24%, Bernie Sanders —que não é filiado ao Partido Democrata, mas concorrerá nas primárias da sigla, como fez em 2016, quando perdeu as prévias democratas para Hillary Clinton.

Biden, por sua vez, ainda não oficializou a candidatura, mas é um dos nomes mais fortes da disputa no partido.

As buscas por Mayor Pete no Google também subiram nas últimas semanas, assim como seus seguidores nas redes sociais —ele tem hoje cerca de 750 mil no Twitter e 200 mil no Instagram, no qual publica fotos do dia a dia com seu marido e seus cachorros.

O principal efeito, porém, foi financeiro. A campanha de Buttigieg terminou março com a quarta maior arrecadação entre os democratas: foram US$ 7 milhões (cerca de R$ 27 milhões) —mais de US$ 600 mil ( R$ 2,3 milhões) somente nas primeiras 24 horas após sua aparição na CNN.

Na frente dele, mais uma vez, está Sanders, que arrecadou US$ 18 milhões (R$ 70 milhões), seguido pela senadora Kamala Harris, com US$ 12 milhões (R$ 46 mi), e Beto O’Rourke, que angariou US$ 9,4 milhões (R$ 36 mi).

O’Rourke, 46, ganhou notoriedade durante sua campanha ao Senado, em 2018, pelo Texas. Após receber apoio de celebridades como Beyoncé e Jim Carrey, ele foi derrotado pelo republicano Ted Cruz em uma votação apertada.

Analistas dizem, porém, que ainda é difícil prever se o embalo de Mayor Pete será passageiro ou entrará em uma crescente até que ele se torne realmente competitivo para disputar a vaga de candidato democrata nas eleições do ano que vem.

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