Descrição de chapéu The New York Times

Mulher sequestrada pelo EI há 5 anos pode estar viva, diz Cruz Vermelha

Enfermeira foi raptada em operação de entrega de suprimentos médicos na Síria

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rukmini Callimachi Adam Goldman
The New York Times

Há meses, funcionários do Comitê Internacional da Cruz Vermelha fazem visitas semanais a um campo de detenção no norte da Síria levando uma foto de uma mulher miúda, de aproximadamente 60 anos.

Eles mostram a imagem às autoridades do campo, comparando-a com fotos de dezenas de milhares de outras pessoas nos arquivos do local. Todas elas são fugitivas do último trecho de território do Estado Islâmico (EI), que caiu sob as forças apoiadas pelos Estados Unidos no mês passado. 

A mulher na foto é Louisa Akavi, 62, uma enfermeira e parteira da Nova Zelândia que foi sequestrada no final de 2013 no noroeste da Síria, na cidade de Idlib. Ela é uma das últimas ligações com o grupo de pelo menos 23 reféns ocidentais detidos pelo EI, a maioria dos quais foi libertada em troca de resgate, enquanto outros foram mortos em decapitações amplamente divulgadas.

Por mais de cinco anos seu empregador e seu governo impuseram um bloqueio rígido à mídia, advertindo que qualquer menção não apenas à sua identidade, mas até à sua nacionalidade, poderia colocá-la em risco. Mas agora que o califado do EI desmoronou o grupo de ajuda rompeu o silêncio, na esperança de que o público possa ajudar a encontrá-la e a dois motoristas da Cruz Vermelha, ambos sírios, sequestrados junto com a enfermeira.

Louisa Akavi, enfermeira da Nova Zelândia que foi sequestrada na Síria - Cruz Vermelha/Reuters

"Do momento em que Louisa e os outros foram sequestrados, toda decisão que tomamos foi para aumentar as chances de conquistar sua liberdade", disse Yves Daccord, diretor-geral da organização humanitária, em sua primeira entrevista sobre os colegas desaparecidos. "Depois que o EI perdeu seu último território, achamos que era hora de nos pronunciarmos."

O grupo de ajuda e o governo da Nova Zelândia têm motivos para acreditar que Louisa Akavi esteja viva.

Ainda em dezembro, autoridades da Cruz Vermelha disseram que pelo menos duas pessoas descreveram a enfermeira em uma clínica em Sousa, uma das últimas aldeias ocupadas pelo EI. 

A Cruz Vermelha também considera verossímeis pelo menos outros três relatos de avistamento dela --em Abu Kamal em 2016, Raqqa em 2017 e Mayadeen no ano passado, segundo autoridades do grupo de ajuda. 

Algumas testemunhas disseram que a viram realizando serviços médicos em clínicas e hospitais sob controle do EI, o que indica que ela não estava mais detida em uma cela e podia usar seus conhecimentos de enfermeira para conquistar uma certa liberdade, segundo Daccord.

Autoridades de inteligência atuais e passadas dos Estados Unidos, assim como autoridades do governo da Nova Zelândia, falando sob a condição do anonimato, disseram que havia fortes indícios de que ela estava viva no ano passado, com base nos avistamentos. As autoridades americanas também disseram que Akavi poderia ter sido detida com um refém britânico, o jornalista John Cantlie, na Universidade de Mosul no vizinho Iraque, antes que a área fosse liberada no final de 2016.

Com base em informações de que Akavi estava viva, a Nova Zelândia mobilizou forças especiais na Síria em sua busca, disse o ministro das Relações Exteriores, Winston Peters, em um comunicado na segunda-feira (15). A equipe de "não combate", que incluiu membros da Força de Defesa da Nova Zelândia e da equipe do Ministério das Relações Exteriores, está autorizada a visitar a Síria "de vez em quando", disse Peters. "Os esforços para localizar e recuperar Louisa continuam."

Akavi seria a refém detida há mais tempo na história de 156 anos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, segundo o grupo. Sua provação começou no final de outubro de 2013, quando ela viajou a Idlib para entregar suprimentos médicos. Três dias depois, ela e seis colegas voltavam a Damasco em um comboio marcado com o emblema da Cruz Vermelha quando atiradores os pararam em um posto de controle. Quatro dos trabalhadores de ajuda foram libertados no dia seguinte, mas Akavi e dois outros, Nabil Bakdounes e Alaa Rajab, continuam desaparecidos. 

Daccord foi imediatamente alertado sobre seu desaparecimento, e uma equipe de 15 pessoas da Cruz Vermelha, incluindo um grupo de crise em Genebra, começou a procurá-los. "Eu tinha certeza de que ela voltaria logo —24 horas, 48, uma semana", disse Avril Patterson, colega de Akavi que chegou a Damasco um dia depois do desaparecimento da amiga. "E então conforme o tempo passa a negação não funciona mais."

No início de 2014, o grupo de ajuda confirmou que Akavi estava detida em uma instalação próxima a um centro de petróleo próximo a Raqqa. Ela dividia uma cela com uma socorrista americana, Kayla Mueller, segundo o grupo de ajuda humanitária e outros que estavam na mesma cadeia. Numa cela vizinha estavam mais de 12 prisioneiros homens da Europa e da América do Norte, incluindo o jornalista americano James Foley, além de Cantlie, o único refém ocidental que talvez ainda esteja vivo, segundo declaração feita em fevereiro por uma autoridade do governo britânico. 

Em meados de 2014, o EI havia libertado a maioria dos reféns depois que seus governos, e às vezes seus empregadores ou familiares, pagaram resgates de milhões de dólares. Mas três cidadãos britânicos e quatro americanos, cujos governos têm uma política rígida de não pagar resgates, ficaram para trás, juntamente com Akavi.

Em agosto daquele ano, depois de não conseguir um resgate, o EI matou Foley. Sua decapitação, e as mortes semelhantes de dois reféns britânicos e dos demais americanos nos meses seguintes, chocaram o público e abalaram o governo Obama. Isso pôs em ação uma intervenção militar na Síria que terminou há poucas semanas com o colapso do regime do EI. 

As prisioneiras mulheres foram poupadas inicialmente, embora o EI tenha enviado um email à Cruz Vermelha em julho de 2014 dizendo que pretendia executar Akavi e Mueller como retaliação por uma tentativa de resgate fracassada por comandos americanos, segundo Daccord.

No outono, as mulheres dividiram uma cela com duas adolescentes yazidis, que foram sequestradas com milhares de outras mulheres no Iraque para ser usadas como escravas sexuais.

"Eles nos levaram a Raqqa e nos colocaram em uma cadeia —foi lá que conhecemos Kayla e Louisa", lembrou uma das adolescentes, D., que pediu para não ser identificada. "Louisa estava velha e dizia que sua mão doía", disse D., hoje com 19 anos, que foi entrevistada em 2015 em um campo de refugiados no Iraque depois de escapar.

No final de 2014, o EI parou de responder às mensagens da Cruz Vermelha, e não houve notícias de Akavi em 2015, segundo membros do grupo de ajuda. Mas em 2016 eles receberam uma espécie de confirmação de que uma mulher estrangeira que se encaixava em sua descrição fora avistada em Abu Kamal, cidade síria onde os combatentes tinham se entrincheirado.

Então, no que Daccord chamou de "avanço", várias pessoas que tinham escapado de campos de detenção no Iraque no final de 2017 disseram a funcionários da Cruz Vermelha que foram tratados por Akavi na Síria. 

"Foi uma informação incrível de receber, a aparente confirmação de sua localização, que ela estava viva e ainda fazia o que faz há muito tempo: oferecer cuidados médicos em zonas de conflito", disse Daccord.

Uma das evidências mais fortes de que ela ainda vivia surgiu há apenas quatro meses, quando duas pessoas entrevistadas pela Cruz Vermelha confirmaram tê-la visto trabalhando como enfermeira em Sousa. 

Mas desde então não houve mais notícias de avistamento. Dezenas de milhares de apoiadores do EI —incluindo combatentes e suas mulheres e crianças— se esparramaram pelo deserto nas últimas semanas antes que o último reduto do grupo fosse liberado. As mulheres estão detidas em um local cercado por concertina no campo de detenção de al-Hol. O acampamento extenso foi descrito como um "minicalifado" com mulheres do EI patrulhando a área, ameaçando as mulheres que não cobrem o rosto. 

Em viagens semanais, funcionários da Cruz Vermelha estão verificando o acampamento em busca de Akavi. Eles temem que ela possa estar lá dentro com medo de se identificar por causa de possíveis repercussões de seguidores do EI no local. 

Assim, algumas semanas atrás, uma autoridade graduada da Cruz Vermelha viajou até o campo com uma missão: erguer uma bandeira da Cruz Vermelha entre as tendas. Ela deverá ser um farol para Akavi, incentivando-a a se aproximar de seus colegas e buscar refúgio, caso esteja lá.

"Existe uma chance de a encontrarmos", disse Daccord.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.