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Cúpula entre Putin e Kim só tem Trump como perdedor

Presidente e ditador podem ter ficado só nos brindes, e ainda assim declarar o sucesso do encontro

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O ditador Kim Jong-un e o presidente Vladimir Putin durante recepção em Vladivostok
O ditador Kim Jong-un e o presidente Vladimir Putin durante recepção em Vladivostok - Alexei Nikolsky/Kremlin/Reuters
São Paulo

O encontro entre Vladimir Putin e Kim Jong-un é um exemplo clássico de jogo de soma positiva, aquele no qual ambas as partes saem ganhando da interação.

O presidente russo e o ditador norte-coreano poderiam apenas ter ficado nos brindes após o encontro no elefante branco que Putin criou na belíssima ilha Russki, a Faculdade Federal do Extremo Oriente, e ainda assim teriam o direito de declarar o sucesso da cúpula. O perdedor, obviamente, chama-se Donald Trump.

O líder americano gastou seu primeiro ano de mandato, 2017, fazendo o mundo acreditar que ele poderia ir à guerra contra o “homem-foguete” norte-coreano, herdeiro de uma bizarra ditadura que mistura dinastia familiar e stalinismo em pleno século 21.

Kim não se fez de rogado e dobrou várias vezes a aposta, convencendo analistas de que estava à beira de ser capaz de enviar uma ogiva nuclear através do Pacífico, rumo aos EUA.

O ano passado viu uma reversão notável das tensões, com o primeiro encontro entre Kim e Trump, na prática uma concessão de vitória moral ao ditador. Só que meses se passaram e a tal química alardeada por ambos não se repetiu num segundo encontro, no fim de fevereiro deste ano. Pior: as evidentes resistências norte-coreanas à exigência de Washington de tornar nulo seu arsenal atômico se mostraram intransponíveis.

Entra em cena Putin, talvez o mais astuto oportunista da cena internacional. Ele fez o que faz melhor: ocupou espaços deixados por seus adversários.

Foi assim quando Barack Obama titubeou no início da guerra civil da Síria e deixou a “linha vermelha” do uso de armas químicas que havia estipulado ser cruzada impunemente, temendo se envolver em mais um conflito impopular. O russo viu o vácuo e o ocupou em 2015, quando interveio em favor do ditador aliado Bashar al-Assad e salvou seu regime.

Alguém pode argumentar que a situação síria está longe de pacificada, e isso é uma verdade. Mas também é fato que Assad voltou a ser o poder dominante no país e Putin logrou seu objetivo central, o de tornar-se relevante numa região do mundo em que seu país só tinha algum peso nos idos da União Soviética.

Isso não torna Putin infalível, naturalmente. Se foi bem sucedido em impedir a adesão da Ucrânia e da Geórgia à Otan (aliança militar ocidental) por meio de força bruta, também ganhou para si a acusação de ser um pária internacional e sanções que não são incapacitantes, mas que atrapalham a vida econômica russa. Aqui sua ocupação de espaços cobrou um preço talvez maior do que o esperado, ainda que seja imperativo reconhecer que o objetivo primário foi alcançado.

No caso da Coreia do Norte, o voluntarismo de Trump foi fatal para suas pretensões. Kim pode não parecer o mais esperto dos ditadores, mas ele faz parte de uma linhagem despótica focada em sua própria sobrevivência e acostumada a negociar —o presidente Bill Clinton que o diga, tendo sido basicamente enganado pelos norte-coreanos ao longo de anos. O atual chefe da Casa Branca achou que ganharia Kim na lábia, e perdeu.

O americano até emulou a prática russa de não questionar as credenciais democráticas de seus interlocutores, desde que interesses comuns sejam atendidos, mas quando tentou forçar um acordo, recebeu o redondo não.

​Kim só tem o poder por causa do temor de que ele use seu arsenal atômico contra os vizinhos. A bomba é sua garantia, e imaginar que ele vá se livrar dela baseado em promessas vagas causou a debacle das conversas com os EUA.

Já Putin, a despeito de ser impossível saber o que de fato foi conversado com o ditador, cobra suas faturas de outra forma, geralmente cooperativas com o interlocutor. E ele tinha relativas miudezas a tratar, como o destino dos cerca de 10 mil norte-coreanos que trabalham na Rússia, como por exemplo no restaurante Pyongyang, um aparente centro de lavagem de divisas para o regime que serve um decente bibimpab (o mexidão tradicional coreano) a poucos quilômetros do ponto de encontro dos dois líderes.

Como no caso sírio, apenas apelando a uma antiga relação que remontava aos tempos soviéticos Putin conseguiu se recolocar na fotografia de uma região na qual os interesses da Rússia andavam mal atendidos.

Nesse sentido, o recado do encontro vale tanto para Washington como para Pequim, a verdadeira potência do Pacífico e até aqui a fiadora maior de Kim.

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