Depoimento: Assange disse à Folha que asilo era prisão em 'terra de ninguém'

Fundador do WikiLeaks foi preso na embaixada do Equador em Londres nesta quinta

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Brasília

"Não há polícia britânica dentro da embaixada, não há intimações, tribunais. É como uma terra de ninguém. Não há lei formal, há apenas relação entre seres humanos."

Essas foram as primeiras palavras de Julian Assange quando perguntei a ele sobre sua rotina na embaixada do Equador em Londres.

Nos encontramos às 11h30 do dia 6 de fevereiro de 2015 para uma entrevista sobre seu livro lançado na época, "Quando o Google encontrou o WikiLeaks", que aborda um encontro dele com executivos do Google em 2011.

​Assange sentia-se amparado pelo então governo de Rafael Correa, responsável pelo asilo concedido ao fundador do WikiLeaks. 

"O presidente Correa fala em 200 anos", brincou, ao comentar quanto tempo permaneceria sob proteção do Equador.

Quatro anos depois, o novo governo equatoriano, de Lenín Moreno, o entregou às autoridades britânicas.

A embaixada equatoriana é localizada na região de Knightsbridge, uma das áreas mais luxuosas da capital britânica. É cercada de pontos turísticos, como o Hyde Park. 

Assange passou sete anos ali, a poucos passos da Harrods, a loja de departamentos mais cara e tradicional de Londres, até ser preso pela polícia britânica nesta quinta-feira (11).

O fundador do WikiLeaks viveu o período de asilo trancado em um quarto improvisado na embaixada, instalada em um pequeno apartamento com poucas salas. 

Pelas regras estabelecidas por sua assessoria, a entrevista à Folha naquele dia deveria durar, no máximo, 45 minutos. Fui proibido de fazer imagens do local. 

Um policial da Scotland Yard fazia a guarda da portaria, uma prática encerrada meses depois devido à despesa milionária aos cofres locais. Até então, o governo do Reino Unido havia gasto 12 milhões de libras (R$ 60 milhões) com o monitoramento diário para evitar uma possível fuga.

Assange podia receber visitas, como a da Folha, mas jamais arriscar a colocar o pé do lado de fora. Comparou o local a uma prisão. "Não é um ambiente saudável. É uma situação difícil, mas outras pessoas também estão em situações difíceis e estou confiante de que vou sobreviver", disse naquele dia.

Na recepção da embaixada, fui recebido por uma pessoa chamada Joseph, que me conduziu para uma sala com janela para a Harrods. Por questões de segurança, não era permitido circular no local, nem ter acesso ao quarto onde Assange ficava. 

Assange apareceu sorridente, sentou-se e começamos a conversar. Ao fim da entrevista, levou-me até a recepção e pediu para esperá-lo por um minuto. Foi até o quarto secreto, buscou um exemplar do novo livro para me dar de presente. Não pensei duas vezes e pedi que o autografasse. 

"To Leandro with best wishes for your writing! Jassange. Ecuador in London / 6 feb 2015", escreveu o fundador do WikiLeaks.

Na entrevista, publicada na Folha no dia 9 de fevereiro de 2015, ele comentou a crise política entre EUA e Brasil criada na época com o vazamento de que o governo norte-americano teria espionado o governo de Dilma Rousseff por meio da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês). 

"O governo dos Estados Unidos e as suas instituições privadas têm sido bem-sucedidos em corromper funcionários e empresas dos governos, incluindo no Brasil", disse.

Ao criticar o Google, Assange afirmou ser "impossível" ter privacidade total na internet. "Em termos de relações com agências de inteligência americana, o Google é único. O Facebook é parecido, mas a ambição do Google é maior, é uma integração de informação coletada das pessoas, e comprou muitas empresas nos últimos anos", disse.

Assange sabia que não ficaria a vida inteira na embaixada. E dizia não se arrepender do que fizera. Ele trava batalha jurídica com o governo dos EUA em razão da revelação de documentos sigilosos, muitos deles segredos militares e diplomáticos.

"Não tenho arrependimentos, tenho muito orgulho do que fiz. E sobrevivi a isso. Mas tiro lições das estratégias do passado. Às vezes, você tenta voltar no tempo e percebe que, em situações específicas, foi forçado pelas circunstâncias", afirmou naquela sexta gelada de Londres.

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