Espanha escolhe entre premiê 'social' ou 'traidor'

Em 10 meses, Pedro Sánchez retomou direitos e o diálogo com separatistas

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Paris

O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, 47, encarnou, nestes dez meses de seu mandato inaugural, dois papéis antagônicos.

Parte da opinião pública credita a ele a recuperação da vocação social do programa socialista, com frutos como o maior aumento do salário mínimo (22%) em quatro décadas. A outra o vê como traidor da unidade nacional, vendilhão da pátria, por ter aceitado retomar o diálogo com o movimento pela independência da Catalunha.

No próximo dia 28, a queda de braço entre essas duas imagens do chefe de governo será determinante para o resultado das eleições gerais, que Sánchez se viu constrangido a convocar depois de ter sua proposta de orçamento para 2019 rejeitada pelo Congresso.

Homem prepara anúncio do premiê espanhol, Pedro Sánchez, em La Fresneda - Eloy Alonso/Reuters

Se prevalecer a figura do líder empenhado na recuperação de direitos trabalhistas suprimidos em reforma do governo anterior e na recomposição do poder aquisitivo da população (também reindexou as aposentadorias), o socialista se credencia para um segundo mandato.

Caso leve a melhor a ala que o vê como demasiado permissivo com o separatismo catalão, o economista dará um adeus prematuro ao Palácio da Moncloa, sede do governo espanhol —onde seus antecessores, o conservador Mariano Rajoy e o socialista José Luis Zapatero, residiram cerca de sete anos cada.

“A ideia dele era conferir um perfil mais claramente de esquerda ao governo”, diz Oriol Bartomeus, professor de ciência política na Universidade Autônoma de Barcelona. “A última experiência socialista no poder [com Zapatero, de 2004 a 2011] havia sido em meio à crise econômica, ou seja, marcada por cortes de gastos. A memória daquele momento empurrou Sánchez para a esquerda.”

A julgar pelas pesquisas de intenção de voto, que mostram o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) na casa dos 30%, muito à frente do rival histórico Partido Popular (17-18%), esse deslocamento galvanizou a militância da sigla centenária.

Se confirmada, a marca daria à legenda entre 123 e 138 vagas no Congresso, base muito mais confortável do que as atuais 84, de um total de 350.

O prognóstico também sugere que o partido reconquistou simpatizantes que nos últimos anos vinham se enamorando do Podemos, surgido no embalo do movimento dos indignados, a partir de 2011.

A agremiação de esquerda radical, que cravou 21% dos votos nas eleições de 2015 e de 2016, encostando no PSOE, teria agora em torno de 13%.

Para tentar descarrilar a locomotiva socialista, a oposição deve investir na narrativa do premiê que se dobrou aos caprichos da Catalunha, lidando com um governo regional, subordinado a ele, como se fosse um outro Estado.

A caracterização comporta um tanto de oportunismo eleitoral. Afinal, Sánchez teve que adiantar um pleito que só aconteceria em 2020 justamente porque foi abandonado, na votação do orçamento, pelos separatistas catalães e bascos —em represália a um “não” aos anseios de autodeterminação dos primeiros.   

“A defesa da unidade da Espanha é a bandeira da direita, é para onde vai tentar conduzir a campanha”, analisa Bartomeus. “Eles se veem como fiadores da coesão nacional, em oposição aos traidores socialistas. E esse é um tema que ‘cola’ em certo eleitorado.”

Para além do Fla-Flu, a sorte de Sánchez vai se jogar na avaliação que os segmentos moderados farão de seu mandato-relâmpago.

Ao assumir, em junho de 2018, dias depois de emplacar no Legislativo uma moção de desconfiança contra o governo Rajoy (com a ajuda dos independentistas regionais), o socialista prometeu revogar itens da reforma trabalhista e a lei de segurança nacional do governo conservador.

Também sinalizou a intenção de exumar os restos mortais do ditador Francisco Franco (1892-1975) do mausoléu no Vale dos Caídos.

O balanço é em meias tintas. Lançado em julho, o Plano Diretor para o Trabalho Digno ainda não conseguiu fazer a taxa de postos temporários descer do patamar dos 27%. Um estudo do Banco da Espanha relacionou a alta do salário mínimo ao corte de até 200 mil empregos.

Em relação à anulação da lei de segurança nacional, que críticos e ONGs internacionais apelidaram de “lei da mordaça”, Sánchez se tornou menos impetuoso ao passar da oposição para o governo.

Os socialistas não falam mais, por exemplo, em excluir o artigo que prevê a expulsão imediata de migrantes em situação legal detidos nas cidades autônomas de Ceuta e Melilla, no norte da África. Tampouco em invalidar o trecho que prevê sanções para quem captar e difundir imagens da polícia em ação.

Por fim, a transferência dos restos de Franco ainda não se concretizou por causa de recursos impetrados por seus descendentes.

“A Espanha não pode, enquanto democracia consolidada, ter símbolos que separam seus cidadãos. Não se trata de abrir feridas, mas de fechá-las”, disse o premiê sobre o tema a El País, pouco depois de assumir.

Ecos da ditadura de quatro décadas também reverberam de outro modo na eleição. Se os prognósticos se confirmarem, a votação deve levar de volta ao Legislativo, pela primeira vez desde o fim do regime, um partido de ultradireita, o novato Vox.

Depois de surpreender nas eleições regionais da Andaluzia, em dezembro, com um desempenho decisivo para pôr fim à hegemonia socialista lá, a sigla anti-imigração e hiperfederalista (quer abolir a divisão administrativa em comunidades autônomas) aparece com até 12% nas pesquisas —o que poderia resultar em mais de 35 cadeiras no Congresso.  

Mas pode ir bem além, segundo o cientista político Jaime Ferri, da Universidade Complutense de Madri, que chama a atenção para o fenômeno do “voto envergonhado” (não declarado em sondagens), semelhante ao que ajudou a eleger Donald Trump nos EUA.

Outro fiel da balança deve ser a legião de indecisos, que soma 42% do eleitorado total, segundo o Centro de Investigações Sociológicas (CIS).

E há o fator comparecimento. “Os conservadores são mais assíduos nas urnas. Mas existem indícios de que a esquerda está se mobilizando mais desta vez. Se o comparecimento chegar a 75% [ficou entre 65% e 70% em 2015 e 2016], será um bom sinal para Sánchez, diz Ferri.


Outros candidatos

Pablo Casado (Partido Popular) – O advogado de 38 anos substituiu em julho o ex-premiê Mariano Rajoy à frente do establishment conservador espanhol

Albert Rivera (Cidadãos) – Fundador e presidente das agremiação de centro, projetou-se com um discurso contrário ao ímpeto separatista catalão

Pablo Iglesias (Podemos) – Cientista político criou a legenda, impulsionada pela retórica ​antifinancista e pela defesa de uma democracia popular

Santiago Abascal (Vox) – Saiu do PP após 20 anos por desgosto com a linha moderada de Rajoy. Seu discurso mistura xenofobia, nacionalismo e sexismo

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