Descrição de chapéu Venezuela

Após 1 ano, interiorização de venezuelanos alivia Roraima, mas falha na integração local

Operação Acolhida levou mais de 5 mil imigrantes para cidades brasileiras

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São Paulo

Entre 5 e 6 de abril do ano passado, 265 venezuelanos deixavam Boa Vista (RR) em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para tentar recomeçar a vida em São Paulo e Cuiabá

Foi o início do processo de interiorização da Operação Acolhida, criado pelo governo federal para lidar com o grande fluxo de imigrantes que fogem da forte crise no país vizinho e reduzir a pressão sobre Roraima, onde já houve episódios de xenofobia e violência.

Um ano depois, mais de 5 mil venezuelanos viajaram para 67 cidades pelo programa. 

Especialistas consideram positivo que o governo tenha dado uma resposta à questão, mas apontam problemas de integração dos imigrantes no destino e criticam a falta de soluções para os que querem ficar próximos à fronteira. 


Leia histórias de venezuelanos que foram interiorizados para as cinco regiões do país


Embora a situação em Boa Vista tenha melhorado, ainda há cerca de 1.600 venezuelanos em situação de rua, segundo dados de março da Organização Internacional da Migração (OIM) e do Exército. 

A Operação Acolhida, que inclui também o abrigamento em Roraima e o ordenamento da fronteira, envolve ministérios como Cidadania, Defesa e Casa Civil e organizações como a OIM e o Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados).

São quatro modalidades de interiorização: encaminhamento para abrigos na cidade de destino, viagem já com vaga de trabalho definida, reunião familiar e sociedade civil. 

Um abrigo em Boa Vista concentra os candidatos à interiorização.

Eles precisam ter a documentação e as vacinas em dia e assinar um termo de consentimento. Não podem escolher para onde ir, mas podem aceitar ou não viajar quando surge uma vaga.

Segundo a OIM, são também orientados sobre o destino, do clima local às condições do abrigo que vai recebê-los. 

O processo sofreu ajustes ao longo do tempo. Criada posteriormente, a modalidade trabalho tornou-se um dos focos.

A reunião familiar, que antes reunia os parentes em abrigos, agora é feita com venezuelanos que já têm moradia. 

“A interiorização foi uma resposta coordenada, isso é positivo. Evoluímos em relação à época dos haitianos [em 2014 e 2015], quando de repente chegava um ônibus com 300 pessoas sem lugar para ficar”, diz o padre Paolo Parise, da Missão Paz, que atende imigrantes há décadas em São Paulo. 

“Mas não é suficiente transferir. Faltou uma preocupação com o pós-chegada: o processo de encontrar trabalho, alugar casa, aprender o idioma. Municípios não acostumados com imigrantes não sabiam o que é a documentação deles, por exemplo.”

Parise relata que houve um grupo de trabalho para acompanhar os interiorizados em São Paulo, mas que ele parou de funcionar.

O mesmo fim teve o grupo do Rio Grande do Sul, estado com mais venezuelanos interiorizados, diz Adriano Pistorello, do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) de Caxias de Sul (RS).

Ele relata casos de venezuelanos que enfrentaram exploração laboral e voltaram a viver na rua. “Estamos recebendo essas demandas pós-programa. E se essas pessoas não conseguirem trabalho? Não há plano B”, afirma.

Em São Paulo, alguns venezuelanos alocados no CTA (Centro Temporário de Acolhimento) São Mateus, que recebeu 259 dos 307 acolhidos pela rede municipal, também voltaram às ruas.

Vários relataram problemas de infraestrutura no abrigo e falhas no programa de inserção laboral. 

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social disse que a gestão do CTA está à disposição para a escuta de acolhidos para melhorar o serviço e que a equipe faz o reparo de avarias.

“Falta formação para atender o imigrante. Usam a mesma metodologia para população de rua, quando são necessidades diferentes”, diz Cesar Barrios, coordenador da Associação Nacional de Venezuelanos (Aniv) em SP.

Ele considera o número de interiorizados ainda baixo. “É um impacto muito pequeno perto da quantidade de gente que ainda está em Roraima.”

Para João Carlos Jarochinski, professor da Universidade Federal de Roraima, quando não há integração, ocorre uma “transferência de vulnerabilidade” para outros estados.  

Ele defende a valorização da formação dos imigrantes.

“Os venezuelanos poderiam ir para localidades onde houvesse demanda pelo perfil deles. Mas é o contrário, o destino é definido de acordo com as vagas de cada lugar.”

Dados de dezembro dos abrigos acompanhados pelo Acnur apontaram que em torno de 40% dos interiorizados em idade ativa conseguiram trabalho.

“O ritmo da interiorização aumentou pouco antes, então muita gente tinha acabado de chegar. Consideramos um bom resultado por isso”, diz Paulo Sérgio de Almeida, oficial de meio de vidas do Acnur.

Segundo Yssyssay Rodrigues, coordenadora de projeto da OIM, o programa estabelece um monitoramento de três meses —o prazo médio de permanência dos venezuelanos nos abrigos.

Ela diz que a integração é um desafio. “Alguns municípios são mais fáceis que outros. Mas temos um balanço positivo do programa. Era algo muito novo no Brasil. Hoje é um sucesso.” 

Outra demanda dos especialistas é mais investimento nos venezuelanos que querem ficar em Roraima —Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas, defende um novo pilar da Operação Acolhida voltado para a integração no estado.

“Pelas características da migração venezuelana, muitos vão ficar na região de fronteira.” 

“O atendimento ficou muito restrito ao acolhimento emergencial”, diz Jarochinski. 

A coronel Carla Beatriz, chefe da Célula de Comunicação Social da Operação Acolhida, diz que o grupo tenta sensibilizar os empresários para abertura de vagas no estado.  Mas o foco é “desafogar” Roraima via interiorização. “É um estado com capacidade pequena de mercado de trabalho.

Colaboraram Fabiano Maisonnave e Rodrigo Borges Delfim

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