'É possível superar trauma se perdoar atiradores', diz pai de vítima de Columbine

Darrell Scott perdeu a filha em ataque a escola e faz trabalho para prevenir violência

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Darrell Scott, pai de Rachel Scott, a primeira vítima do massacre de Columbine
Darrell Scott, pai de Rachel Scott, a primeira vítima do massacre de Columbine - Kevin Moloney - 17.abr.09/The New York Times
 
Washington

Vinte anos depois de sua filha ser morta no massacre de Columbine, Darrell Scott afirma que os EUA se acostumaram aos ataques em escolas do país.

O pai de Rachel Joy Scott, a primeira das 13 vítimas de Eric Harris e Dylan Klebold, diz que é possível superar o trauma desde que se perdoe os atiradores. “Uma coisa que escolhemos como família, desde o começo, foi perdoar.”

Para Scott, que dirige junto à esposa um projeto financiado a partir de doações para prevenir violência nas escolas, os americanos viraram “quase insensíveis” aos tiroteios e já não reagem como antes.

Dia 20 de abril, o ataque à Columbine faz 20 anos. O que mudou na reação dos EUA diante de tragédias como essa? 
Há 20 anos, houve um grande interesse da imprensa pela cobertura do caso de Columbine e isso durou quase quatro anos. Foi o primeiro grande ataque a tiros em uma escola americana e, claro, ficou no coração das pessoas por muito tempo. Uma coisa que mudou é que nos tornamos quase insensíveis a esse tipo de tragédia. Hoje em dia, se uma escola é atacada nas proporções que foi Columbine, o caso é noticiado por alguns dias, mas logo é esquecido, exceto pelas pessoas afetadas por ele. Outra coisa que mudou foi a internet. Há muita coisa acontecendo e as pessoas são atingidas por notícias sobre política, religião e também sobre tragédias como essa, então acho que acabamos ficando insensíveis diante do que ocorre diariamente.

Os americanos normalizaram esse tipo de ataque? 
Sim. Não é que as pessoas não se importam, apenas que, da primeira vez que alguma coisa grande acontece, chama a atenção de todo mundo. Se continua acontecendo, as pessoas se acostumam e não reagem mais como antes.

O sr. e sua mulher, Sandy, fundaram o Rachel's Challenge [Desafio da Rachel], que trabalha para prevenir violência, bullying e ataques nas escolas. Como funciona o projeto? 
Rachel tinha quase um sentido profético de que sua vida seria curta e ela precisava desempenhar um papel no mundo. Quando tinha 13 anos, desenhou várias mãos atrás de seu armário e escreveu: 'essas mãos pertencem a Rachel Joy Scott e um dia vão tocar milhões de corações'. Ela também escrevia poemas e seu último foi escrito em forma de oração. Dizia algo como: 'o que quero é que alguém caminhe comigo através desses corredores da tragédia'. Eu não acho que eles eram suicidas, mas ela compartilhava os textos com amigos e sentia que tinha o propósito de tocar a vida de outras pessoas. Meu filho Craig, por exemplo, estava na biblioteca naquele dia quando o tiroteio começou. Um dos estudantes do lado dele foi atingido e ele estava coberto de sangue, não sabia ainda que sua irmã tinha morrido e, 30 segundos antes de puxarem o gatilho, os atiradores foram distraídos pelo alarme de incêndio e não voltaram para matar Craig. Eu teria perdido meus dois filhos naquele dia.

Como essas histórias podem ajudar os estudantes?
Quando vamos às escolas, dividimos essas e as histórias do diário da Rachel. E a razão pela qual chamamos o projeto de Rachel's Challenge é porque damos cinco desafios para os alunos. [1) procurar o melhor no próximo; 2) sonhar grande; 3) escolher influências positivas; 4) falar com gentileza; 5) começar sua própria reação em rede]. E então contamos a história do Craig, mostramos os vídeos, vamos de história em história fazendo palestras, e elas são poderosas.

Quantos estudantes vocês atendem? 
De 1 milhão a 2 milhões por ano.

O projeto foi a maneira que o sr. e a sua família encontraram para lidar com a perda de Rachel? 
Sim, e já evitamos ao menos 150 suicídios. Recebemos ligações e emails de estudantes que estavam pensando em se matar e que mudaram de ideia por causa do nosso programa.

Este mês, dois estudantes que escaparam do ataque de Parkland cometeram suicídio em uma espécie de 'síndrome dos sobreviventes'. O que as comunidades precisam fazer para evitar que isso aconteça? 
Para cada criança morta em um ataque a tiros em escolas nos EUA, fiz essa conta, mais de 800 cometeram suicídio. Isso não soa familiar porque tem muito mais cobertura de imprensa no primeiro caso. Então, o nosso objetivo é dar aos estudantes algum propósito, conversando com eles sobre estabelecer metas, buscar o melhor no próximo. Não estou na posição de falar o que as comunidades têm que fazer, mas estou na posição de conversar com estudantes nas escolas. Acredito que a razão para as pessoas se matarem é porque elas não têm senso de propósito ou não se sentem conectadas, então o trabalho é, primeiro, ajudar as pessoas a se sentirem conectadas e, segundo, terem um propósito na vida.

Estudantes, pais e professores pedem cuidados a longo prazo com a saúde mental dos sobreviventes. Por quanto tempo o sr. acha que eles precisam de acompanhamento? 
Depende da pessoa. Tem casos em que basta a pessoa estar em contato com um grupo que se preocupa com ela [para melhorar], outros precisam de medicação, então não há uma resposta simples para isso. Mas acredito definitivamente que a saúde mental é uma parte importante, porque a maioria dos atiradores dessas escolas é de jovens garotos com problemas mentais. 

Quando sr. decidiu fazer algo que fosse além do seu luto?
Nunca planejei ter um projeto como esse. Eu discursei no Congresso dos EUA logo depois do ataque e, no tempo em que entrei no avião para voltar de Washington para Denver, minha fala se espalhou e recebi convites para falar em 40 eventos. Pelos dois primeiros anos depois de Columbine (até 2001) falei para milhares de pessoas. Muitas compartilhavam a história da Rachel e começamos a entender que ela tinha o poder de motivar estudantes a serem melhores e, então, começamos as palestras nas escolas.

É possível superar o trauma de um ataque a tiros em escolas? 
Sim, acredito que é possível. Nós somos exemplo disso. Nossa família superou, meu filho estava no pior lugar possível no dia do ataque, no meio dos atiradores, e tem gente que não foi nem a escola naquele dia e tem hoje mais questões do que ele tem sobre isso.

Qual foi a maneira que o senhor encontrou para superar o trauma? 
Uma coisa que escolhemos como família, e não estou dizendo que vai funcionar para todo mundo, mas, desde o começo, escolhemos perdoar os atiradores. E o perdão é muito poderoso. Não perdoei [no sentido criminal] Eric Harris e Dylan Klebold [os atiradores de Columbine] pelo que fizeram. Existe uma diferença entre o perdão criminal e o perdão, que tem a ver com vingança. Se você não perdoa —e não é pela outra pessoa, é por você— seu coração fica bloqueado. É por onde eu comecei. A segunda coisa: no lugar de focar na tragédia, celebre a vida do seu filho. Nós celebramos a vida da Rachel todos os dias.

O principal conselho para as famílias desses ataques mais recentes é perdoar os atiradores? 
Acho que todo mundo pode fazer isso, mas é uma escolha que não é fácil. Talvez seja mais possível para pessoas que têm fé. Eu tenho e ajuda muito quando você tem algo forte em que acreditar. Mas não acho que o perdão está nessa categoria. Perdoar não significa que você deixa a pessoa fazer o que quiser, mas é não se vingar. Você pode processar a pessoa, inclusive, mas o perdão é uma atitude que você faz com o coração, não com a razão.


O que fazer para ajudar alguém que pensa em se suicidar

O CVV (Centro de Valorização da Vida) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca de ajuda, ligue para 188 (ligação gratuita) ou acesse cvv.org.br.

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