Representantes da 'liderança grisalha' perdem poder na Argélia e no Sudão

Governantes com mais de 70 anos comandam países com população de maioria jovem

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O ex-ditador do Sudão, Omar al-Bashir, durante encontro com o emir do Catar, Tamim bin Hamad Al-Thani, em 2014 - Asraf Shazly/AFP
Isabel Seta
São Paulo

Depois de quatro meses de protestos contra o governo, o Exército do Sudão anunciou nesta quinta-feira (11) a deposição e prisão domiciliar do ditador Omar al-Bashir, que tomou o poder após um golpe militar em 1989.

Em um comunicado, o ministro da Defesa do Sudão, general Awad Ibn Auf, disse que, com a derrubada do regime, o país será comandado pelos próximos dois anos por um governo militar de transição.

Dezenas de milhares de pessoas comemoraram, dançando e cantando slogans anti-Bashir nas ruas da capital Cartum. Mas líderes de protestos, detonados pelo aumento de 70% na inflação nos últimos anos, rejeitaram as medidas anunciadas pelos militares, argumentando que a atitude foi um “golpe de Estado liderado pelo regime”.

A deposição de Bashir é a segunda queda de um governante africano em menos de uma semana. No último dia 6, Abdelaziz Bouteflika renunciou à Presidência da Argélia após quase 20 anos no poder, pressionado por cerca de dois meses de manifestações populares e pelas Forças Armadas.

Além dos protestos e da pressão política, Sudão e Argélia têm em comum a idade avançada de seus governantes e o longo período que eles passaram no poder — características que se repetem em outros países africanos.

O continente africano é o mais jovem do mundo, com mais de 60% da população com menos de 25 anos.

A juventude dos governados contrasta com as idades avançadas dos governantes de 15 países, todos com mais de 74 anos. 

Essa diferença, afirmam especialistas, causa impactos políticos e econômicos ao afastar a chamada “liderança grisalha” do contato com as dificuldades e os anseios de suas jovens populações.

David Kiwuwa, professor de estudos internacionais e pesquisador de sistemas políticos africanos na Universidade de Nottingham, cita como exemplos Zimbábue, Uganda e Camarões. Nesses países, os sistemas econômicos e sociais têm sido lentos em responder às necessidades da população jovem, que sofre pela ausência de trabalho e pela falta de educação e assistência médica.

Hans Heungoup, analista para a África Central e Camarões do International Crisis Group, compartilha da mesma visão.

“A juventude é fortemente excluída em Camarões e apresenta as maiores taxas de pobreza, desemprego e subemprego.” Segundo a ONG World Data Lab, 21% dos camaroneses vivem em extrema pobreza.

Parte da explicação para o fenômeno das lideranças grisalhas africanas está na valorização da idade e da hierarquia por várias culturas do continente. 

Kiwuwa afirma que, na Uganda, “alguns líderes chegaram a acusar outros, mais novos, de ‘pular a fila’, porque o entendimento geral é de que os jovens devem esperar sua vez”.

Para o professor, o presidente ugandense, Yoweri Museveni, 74, exemplifica outra razão da prevalência de governantes idosos na África. Como ele, muitos dos atuais líderes africanos lideraram movimentos revolucionários contra ditadores ou foram importantes em lutas por independência. 

O passado, explica Kiwuwa, faz com que eles sejam vistos como “pais das nações”, com direito “merecido” de governar.

Nic Cheeseman, professor de democracia e desenvolvimento internacional na Universidade de Birmingham e autor do livro “Democracia na África: Sucessos, fracassos e a luta por reforma política” (em tradução livre), diz que o fator mais importante relacionado à idade avançada dos governantes é "se eles adoecem e não podem trabalhar adequadamente". 

É o caso do ex-presidente argelino, que, após um acidente cardiovascular em 2013, ficou em estado vegetativo e mal aparecia em público. 

Entre os analistas, é unânime o diagnóstico de que a longa permanência no poder é um agravante maior para a política e economia dos países do que a diferença de idade geracional entre os líderes e a população.

“A tendência é que quanto mais tempo permanecem no poder, mais corruptos eles são e mais propensos a fraudar eleições”, afirma Cheeseman.

O Sudão, do recém deposto Bashir, aparece na 172ª posição no ranking da Transparência Internacional que avalia a percepção da corrupção no setor público em 180 países —para efeito de comparação, o Brasil e a Argélia ocupam o 105º lugar no Índice de Percepção da Corrupção (IPC).

“Os impactos de incumbências de longo prazo são o enfraquecimento da política eleitoral competitiva e das instituições do Estado, a ausência de forças legais da oposição, o entrincheiramento dos sistemas clientelistas, o aumento da corrupção e o mal-estar geral da economia política desses países”, afirma Kiwuwa.

Apesar do padrão, mudanças já estão acontecendo no continente africano e mais transformações podem vir com eleições em vários países neste ano.

Na Etiópia, por exemplo, o premiê de 42 anos é o responsável por reformas políticas e econômicas, o fim da perseguição política e da guerra com a Eritreia, além do restabelecimento de parcerias comerciais.

Na Argélia, em cerca de 90 dias serão realizadas eleições para a escolha de um novo presidente. Malauí, Namíbia e Tunísia, cujos presidentes são, em média, 60 anos mais velhos que a média das populações, também terão eleições em 2019.

No início deste mês, o presidente da Tunísia, Beji Caid Essebsi, de 92 anos, afirmou que não deve concorrer novamente, dizendo que é a hora de “abrir a porta para a juventude”.

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