Descrição de chapéu The New York Times

Sob governo de Modi, direita hindu consolida seu poder e divisões aumentam

Conflitos religiosos e divisão entre as castas superiores e inferiores agravaram após 2014

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Eleitores indianos fazem fila para votar durante a primeira fase das eleições gerais no distrito de Alipurduar, na Bengala Ocidental, Índia
Eleitores indianos fazem fila para votar durante a primeira fase das eleições gerais no distrito de Alipurduar, na Bengala Ocidental, Índia - Rupak De Chowdhuri/Reuters
Nova Déli | The New York Times

No mercado de máquinas operatrizes nas catacumbas da Velha Déli, a maioria das barracas é de muçulmanos. Mas eles dizem que à noite têm cada vez mais medo de andar sozinhos. E, quando falam de política, o fazem em voz baixa, quase aos cochichos.

“Eu poderia ser linchado agora e ninguém faria nada”, falou Abdul Adnan, muçulmano que vende peças de furadeiras. “Meu governo nem sequer me considera indiano. Como é possível, sendo que meus ancestrais chegaram aqui centenas de anos atrás?”

“Vou lhe contar, meu irmão”, ele acrescentou, suspirando, “vivo com medo no coração o tempo todo.”

Em 2014, quando Narendra Modi foi eleito primeiro-ministro, foi com o apoio amplo às suas promessas de modernizar a economia nacional, combater a corrupção e afirmar agressivamente o papel da Índia no mundo. Cinco anos mais tarde, a opinião geral é que ele fez pelo menos algum progresso nessas áreas.

Essa agenda secular sempre foi entremeada às raízes de Modi em um movimento político conservador hindu que procura fazer da Índia um Estado hindu. Muitos de seus partidários mais moderados esperavam que ele conseguisse deixar o sectarismo de lado.

Mas nos últimos cinco anos seu bloco, o Partido Bharatiya Janata, ou BJP, vem difundindo uma filosofia do tipo nós-versus-eles em um país já cindido por divisões perigosas. A direita hindu nunca antes esteve tão empoderada em todos os níveis do governo.

Agora, como eleições nacionais já em andamento e com a maioria das pesquisas de opinião apontando para um retorno de Modi ao poder, a opinião crescente aqui é que a agenda divisiva de “hindus em primeiro lugar” vai apenas ganhar força.

O efeito encorajador tornou-se aparente meses apenas após a eleição de 2014. Turbas de linchadores hindus começaram a aparecer em vários pontos do país, matando muçulmanos e pessoas de castas mais baixas suspeitas de abater vacas, animais vistos no hinduísmo como sagrados. Na maioria dos casos, as multidões conseguiram levar seu intento a cabo sem que ninguém fosse punido.

Discursos de ódio começaram a proliferar, assim como o uso de trolls na internet para calar críticos.

Organismos governamentais começaram a reescrever os livros de história, cortando trechos sobre governantes muçulmanos, mudando os topônimos oficiais de nomes muçulmanos para nomes hindus e agressivamente disputando locais sagrados. Eles também começaram a promover prioridades extremistas hindus, incluindo um esforço para localizar um rio místico que aparece com destaque em textos sagrados hindus. Críticos descrevem esse esforço como pseudociência e dizem que é como dedicar verbas públicas ao estudo de sereias.

Entre ativistas indianos e analistas políticos liberais, o consenso é que sob o governo de Modi a divisão tóxica entre hindus e muçulmanos na sociedade indiana se agravou, assim como a divisão entre as castas superiores e inferiores e entre homens e mulheres.

“Para falar sem meias-palavras, eles são o que hoje descrevemos como fascistas comunitários”, disse o historiador aposentado Aditya Mukherjee, aludindo a Modi e seus aliados políticos.

“Isto é algo que Jawaharlal Nehru havia previsto”, disse Mukherjee, referindo-se ao primeiro primeiro-ministro da ìndia. “Nehru falou que se o fascimo viesse à Índia algum dia, chegaria sob a forma do comunalismo majoritário hindu. É exatamente isso o que está acontecendo.”

Muitos indianos de diferentes vertentes políticas estavam tão fartos da corrupção e da política dinástica do principal partido da oposição, o Congresso Nacional Indiano, que apostaram todas suas fichas em Modi, na esperança de que ele se dedicasse a melhorar a economia.

As posições nacionalistas hindus e o sentimento antimuçulmano correspondente sempre chegaram em ondas na Índia moderna. Mas, segundo muitos critérios, esta onda particular de majoritarismo é a mais alta já vista.

Várias lideranças seniores do BJP se negaram a discutir o assunto, e o Ministério da Cultura não respondeu a mensagens reiteradas pedindo comentários. No passado, representantes do partido geralmente rejeitaram acusações de que suas políticas poderiam estar alimentando a violência ou o ódio.

Mas os seguidores de Modi dizem que o primeiro-ministro e seus aliados estão apenas restaurando o hinduísmo a seu lugar de direito no cerne da sociedade indiana. Eles argumentam que não há nada de errado em enfatizar a história e as tradições hindus da Índia de maneira mais contundente.

Muitos hindus de castas médias e altas se ressentem das políticas de ação afirmativa para ajudar as castas mais baixas, além das leis especiais que permitem aos muçulmanos indianos seguir as tradições islâmicas em questões legais familiares como o divórcio e as heranças.

“A política indiana tem tradicionalmente buscado fazer concessões às minorias, e as minorias dominavam a maioria”, disse Vinod Bansal, porta-voz nacional da organização conservadora hindu Vishwa Hindu Parishad, que apoia o BJP. “A sobrevivência dos hindus estava ficando difícil.”

Narendra Modi, 68 anos, chegou ao poder depois de galgar os escalões da organização hindu de linha dura conhecida como a RSS, cujos voluntários pregam as virtudes do hinduísmo e também praticam artes marciais e ioga. Eles são, na prática, os soldados rasos do movimento nacionalista.

Seu momento chegou em 2002, quando o estado de Gujarat explodiu em um banho de sangue religioso. Como ministro chefe de Gujarat, Modi foi criticado por fazer pouco para frear a violência entre hindus e muçulmanos que deixou mais de mil mortos, em sua maioria muçulmanos.

O próprio Modi raramente dá declarações de teor religioso evidente, diferentemente de muitos parlamentares de seu partido, que já descreveram muçulmanos como “cães” e ameaçaram matá-los.

Mais recentemente, porém, com o acúmulo de queixas sobre o desemprego, problemas no setor agrícola e outros problemas econômicos, Modi vem se voltando mais abertamente a temas nacionalistas hindus.

No dia 1º de abril, num comício eleitoral ao ar livre no centro do país, Modi surgiu usando camisa cor creme com um cachecol verde e laranja. O laranja é uma cor sagrada no hinduísmo e é a favorita do partido de Modi.

“Quem tentou difamar nossa cultura de 5.000 anos?”, ele trovejou. “Quem aventou o termo ‘terrorismo hindu’? Quem cometeu o pecado de rotular hindus como terroristas?”

Muitos críticos do premiê chamaram a atenção a essas palavras, dizendo que a mensagem transmitida foi intencionalmente divisiva, ao deixar subentendido que apenas outras religiões poderiam ser responsáveis por terrorismo.

Politicamente falando, a minoria muçulmana indiana –cerca de 15% da população— sofreu um revés grave nas eleições de 2014. Sua presença no Parlamento caiu para meras 22 cadeiras, apenas 4% do total disponível. É a menor representação muçulmana em cinco décadas.

Começaram a surgir bandos itinerantes de autoproclamados protetores de vacas, principalmente no norte da Índia, região socialmente mais conservadora. Seus alvos eram açougueiros e comerciantes de gado muçulmanos ou de castas baixas. Dezenas deste foram espancados até morrer, em alguns casos com uma multidão filmando a cena macabra com seus celulares.

Muitos indianos se queixam de que Modi e seu partido criaram um ambiente tóxico que desumanizou minorias e inspirou a violência.

Líderes partidários seniores saíram em defesa dos acusados desses ataques, às vezes ate mesmo dos poucos acusados que chegaram a ser condenados. Mas na imensa maioria dos casos de linchamento os suspeitos escaparam de qualquer punição, muitas vezes com a ajuda de representantes do estado.

Um relatório recente da organização Human Rights Watch, que analisou estreitamente a reação do governo a 11 linchamentos fatais, constatou que, na maioria dos casos, as autoridades inicialmente barraram as investigações, ou, em alguns casos, chegaram a ser cúmplices da violência e a acobertaram.

Tradução de Clara Allain

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