Suicídios evidenciam falta de apoio a sobreviventes de ataques em escolas

Mortes de testemunhas de massacres nos EUA geram temor sobre como lidar com traumas

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Vigília em homenagem às vítimas do massacre na escola Marjory Stoneman Douglas em Parkland, na Flórida  - Jonathan Drake - 15.fev.18/Reuters
Washington

Spencer Blum ouviu um barulho forte e correu pelos corredores de uma escola em Parkland, na Flórida, até chegar à sala de sua professora favorita. Por 45 minutos, tentou controlar o choro e o tremor de seu corpo no mesmo cenário em que, um ano antes, havia presenciado um ataque a tiros.

Desta vez, fora o alarme de incêndio o responsável por despertar sua crise de pânico. 

Mas tem sido assim desde 14 de fevereiro de 2018, quando Nikolas Cruz, aos 19 anos, abriu fogo na escola secundária Marjory Stoneman Douglas, matando 17 pessoas.

Assim como Blum afirmou em entrevista ao The Washington Post, muitos sobreviventes desse tipo de tragédia não conseguiram superar o trauma e têm preocupado comunidades americanas.

A avaliação é que falta apoio psicológico de longo prazo aos jovens e seus familiares, o que pode ter desencadeado uma série de suicídios nas últimas semanas nos Estados Unidos.

Sydney Aiello e Calvin Desir, dois dos estudantes que escaparam do massacre de Parkland, se mataram em meio ao que está sendo chamado de “síndrome do sobrevivente”.

Segundo especialistas, esse é o nome que se dá ao quadro de estresse pós-traumático gerado pela culpa de não ter morrido em um ato de violência que tirou a vida de outras pessoas.

De acordo com Jacek Debiec, médico e professor do departamento de psiquiatria da Universidade de Michigan, o primeiro contato com a doença se deu após a Segunda Guerra (1939-1945).

Na época, ele explica, os médicos observaram que sobreviventes ao Holocausto sentiam-se culpados por estarem vivos enquanto seus familiares haviam morrido em campos de concentração.

O professor argumenta que a síndrome foi pouco estudada, mas se sabe que ela aumenta o risco de suicídio e, portanto, deve ser acompanhada de perto.

“Estamos cientes de que a culpa é um fator poderoso para aumentar o risco de suicídios”, diz Debiec.

“Obviamente é preciso monitorar os sobreviventes por um longo período e não apenas após o trauma”.

A mãe de Sydney disse que a filha sofria do transtorno e estava deprimida com a perda de seus dois melhores amigos no ataque em Parkland.

Dias depois da morte dos dois jovens, outro suicídio chamou a atenção dos americanos. A vítima, porém, não era um estudante, mas o pai de Avielle Richman, assassinada no massacre da escola primária de Sandy Hook, que deixou 27 mortos em 2012.

Jeremy Richman, de 49 anos, dirigia uma fundação com o nome da filha para prevenir comportamentos violentos. Focava os cuidados na saúde mental dos pacientes.

Em resposta aos suicídios sequenciais, a SHP (Sandy Hook Promise), organização liderada por familiares de vítimas do ataque, divulgou nota pedindo “mudança profunda” no cuidado aos sobreviventes.

De acordo com a SHP, o impacto da tragédia na vida das pessoas —e de todo o círculo que elas frequentam— é duradouro e precisa ser observado a longo prazo, principalmente em relação à saúde mental.

“Precisamos de mudanças profundas: em como nos relacionamos e cuidamos uns dos outros, nos serviços de bem-estar mental que fornecemos aos sobreviventes, vítimas e membros da comunidade impactados, e na legislação que apoia escolas a ensinarem a reconhecer os sinais de alerta de suicídio”, diz o texto.

Kimberly Krawczyk, professora de matemática na escola de Parkland, escreveu artigo para o site The 74 no qual diz que não houve apoio psicológico suficiente ou qualificado após o ataque de 2018.

Ela acusa o órgão público responsável por gerenciar a escola de escalar profissionais despreparados e sem referências para cuidar dos alunos.

“Por favor, jornalistas, da próxima vez em que uma escola for atacada, prestem atenção no que acontece nela depois. A vida das crianças depende disso”, escreveu.

Estudantes afirmam que não há cuidados efetivos disponíveis meses depois dos ataques e que a maioria deles ainda sofre com ansiedade e depressão.

O professor de Michigan, por sua vez, diz que é muito difícil prover cuidados a longo prazo quando a comunidade inteira é afetada por um trauma. 

Para ele, é preciso que os pais estejam conectados aos seus filhos para identificar possíveis sintomas da síndrome e que os jovens tentem colocar seus pensamentos ruins em perspectiva para evitar que o pior aconteça.

“Não é preciso negar esses sentimentos, o caminho é identificá-los e tentar colocá-los em um contexto maior”.

Após os suicídios em Parkland, ativistas divulgaram nas redes sociais os números “17 + 2” (mortos no ataque, além de Sydney e Calvin) para pedir a reavaliação dos serviços de saúde mental disponíveis aos sobreviventes.

O centro para controles de doenças dos EUA mostra que a taxa de suicídio no país cresceu 30% de 1999 a 2006, mas ainda não há um recorte sobre mortes desse tipo em comunidades com escolas vítimas de ataques a tiros.

O que fazer para ajudar alguém que pensa em se suicidar

O CVV (Centro de Valorização da Vida) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca de ajuda, ligue para 188 (ligação gratuita) ou acesse cvv.org.br.

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