Descrição de chapéu The Washington Post Governo Trump

Aumento na chegada de crianças à fronteira leva sistema ao limite nos EUA

Imigrantes dizem que é mais fácil entrar acompanhado de menores, que hoje representam 37% das travessias

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Maria Sacchetti
Yuma (Arizona) | The Washington Post

Pais e filhos centro-americanos estão chegando a esta comunidade de fronteira no deserto mais depressa do que qualquer um havia previsto.

Em desespero, o Exército de Salvação montou um abrigo em um centro comercial de estrada em março, pensando que seria temporário. No início eles tinham 50 pessoas. Depois 150. Então os números dobraram a cada semana.

As igrejas fizeram pedidos urgentes de fraldas, comida para bebês, livros infantis e lápis de cor.

U.S. Customs and Border Protection agents apprehend a 15-year-old boy who was found in a drainage ditch after crossing into the United States from Mexico on Wednesday in McAllen, Texas. MUST CREDIT: Washington Post photo by Jabin Botsford.
Adolescente de 15 anos encontrado em vala de drenagem após cruzar para os EUA é apreendido em McAllen, Texas - Jabin Botsford/The Washington Post

Profissionais de ajuda vieram de Washington. O prefeito, que é contra a imigração ilegal, declarou emergência e implorou ajuda à Casa Branca, porque o fluxo de pessoas que saem da detenção federal na fronteira é maior do que qualquer coisa que Yuma já viu. 

"Não estou interessado em ver famílias sem teto e famintas andando pela cidade, à procura de recursos e todos os problemas que vêm com isso", disse o prefeito republicano, Douglas Nicholls. "É um grande problema."

No setor de Yuma da Patrulha de Fronteiras, que vai da Califórnia até as profundezas do deserto do Arizona, a metade das apreensões neste ano foi de crianças —a porcentagem mais alta na fronteira sul dos EUA.

O número está crescendo depressa em Yuma, comunidade agrícola pouco populosa no canto sudoeste do Arizona, impulsionado em parte pelos padrões migratórios que mudam frequentemente conforme as pessoas tentam definir o caminho de menor resistência para os EUA. 

Migrantes em busca de asilo que chegam empoeirados e exaustos aqui nos últimos dias disseram que é mais fácil que nunca entrar nos EUA se se entregarem junto com uma criança. Como os menores geralmente não podem ser detidos por muito tempo, a maioria é libertada com suas famílias ou vai para um abrigo. 

Families wait to be processed after they were apprehended crossing into the United States in Los Ebanos, Texas. MUST CREDIT: Washington Post photo by Jabin Botsford.
Famílias esperam para ser registradas após apreensão em Los Ebanos, Texas - Jabin Botsford/The Washington Post

Quase 169 mil jovens se renderam na fronteira sul nos primeiros sete meses do ano fiscal, e mais da metade tem 12 anos ou menos, segundo registros federais e autoridades inteiradas das estatísticas da Alfândega e Proteção de Fronteiras.

Os menores hoje representam quase 37% das travessias —muito mais que em épocas anteriores, quando a maioria dos migrantes menores eram adolescentes e representavam de 10% a 20% das travessias.

"Acho que nunca mais vimos algo parecido", disse John Sandweg, diretor em exercício da Polícia de Imigração e Alfândega no governo Barack Obama. 

As crianças destruíram um sistema de milhões de dólares que o Congresso e a Casa Branca construíram nas últimas duas décadas para rapidamente apanhar e deportar adultos, e as cenas na fronteira envolvendo crianças foram surreais: um menino se entregou recentemente em uma fantasia de Tartaruga Ninja Mutante Adolescente; uma menina carregava uma boneca vestida de rosa e agentes de fronteira davam purê a bebês recém-apreendidos. 

Os migrantes dizem que estão vindo para os EUA porque as secas estão fritando as colheitas da América Central, eles não conseguem pagar suas contas e bandos criminosos estão recrutando seus filhos. 

"Eu quero estudar", disse Cesar González, 13, da Guatemala, usando um abrigo doado com "USA" estampado no peito, logo depois que foi libertado da custódia, enquanto ele e sua família esperavam no aeroporto de Yuma por um voo para Boston. "Então posso trabalhar para ajudar meu pai."

As famílias rumam cada vez mais para as dunas do deserto no canto sudoeste do Arizona porque sentem que o foco do governo americano está na fronteira do Texas no rio Grande e porque o Arizona tem menos espaço para detenção, o que significa que eles têm maior probabilidade de ser libertados rapidamente. 

"Em outras fronteiras, estão deportando pessoas", disse uma mãe de três crianças chamada Queny, que pediu para não revelar seu sobrenome.

Families wait to be searched and loaded into transport vans in Los Ebanos, Texas, on Wednesday. MUST CREDIT: Washington Post photo by Jabin Botsford.
Famílias esperam averiguação em Los Ebanos, Texas - Jabin Botsford/The Washington Post

Ela disse que sua família na América Central, de cinco pessoas, incluindo um bebê de 1 ano, pagou menos de US$ 6.000 (R$ 24 mil) para cruzar a fronteira, menos que o preço para contrabandear um adulto. No Arizona eles foram libertados em poucos dias. 

Yuma teve origem na corrida do ouro no século 19; hoje é conhecida como a "capital da alface de inverno" do país e abriga o campo de testes militares Barry Goldwater. A maioria dos recém-chegados são agricultores migrantes do México ou pássaros que rumam para o sul para passar o inverno.

Em outubro, a Patrulha de Fronteiras libertou cerca de 200 centro-americanos em famílias, e grupos beneficentes, sem espaço para abrigá-los, os hospedou em motéis.

Agentes federais apreenderam mais de 31 mil membros de famílias aqui desde então, quase quatro vezes a quantidade no mesmo período do ano passado, e avisaram Yuma para esperar mais centenas, em uma cidade que tem um pequeno aeroporto, algumas paradas de ônibus e um trem ocasional.

O Exército de Salvação surpreendeu empresários vizinhos em um shopping de estrada em Yuma quando abriu um abrigo em março, instalando banheiros e chuveiros portáteis atrás do prédio.

"Pensei que fosse uma piada", disse Alma Mosier, enfermeira que é dona da Cheekie Boutique, de roupas femininas.

Ela manifestou preocupação sobre as afirmações das autoridades federais de que algumas crianças estão fazendo viagens repetidas para ajudar os adultos a entrar nos EUA.

"De onde vêm as crianças? Eles as estão reciclando? Queremos proteger as crianças, sabe?"

Os latinos formam mais de 60% da população do condado de Yuma, e mais de um quarto da população do condado são imigrantes. Embora os latinos geralmente sejam inclinados à esquerda, Yuma está politicamente dividida. Alguns apoiam a abordagem linha-dura do presidente Donald Trump à imigração; alguns passaram de carro pelo abrigo e gritaram para as famílias voltarem para casa.

Outros ajudam. Servem refeições, separam roupas doadas e monitoram o abrigo o tempo todo. Alguns levam famílias ao aeroporto, ou as acompanham à nova estação de ônibus. Pilhas de xampu, fraldas e comida enlatada estão chegando, mas é difícil acompanhar a demanda. 

"É basicamente uma porta giratória", disse o capitão do Exército de Salvação Jeffrey Breazeale. "Disseram-me que isso não vai diminuir."

A irmã Mary Beth Kornely, membro das Irmãs Franciscanas da Caridade Cristã em Yuma, disse que a Igreja da Imaculada Conceição pede voluntários ou doações durante as missas de domingo.

"A necessidade é extremamente grande, porque os números continuam aumentando", disse Kornely.

Os gastos propostos por Trump na fronteira, de US$ 4,5 bilhões, incluem ajuda humanitária e policiamento, mas os democratas temem que a abordagem não trate adequadamente as crianças, que um legislador chamou de "bucha de canhão na campanha de Trump à reeleição".

"Nunca vi a coisa tão feia, e acho que ainda vai piorar", disse o deputado democrata pelo Arizona Raul Grijalva, que visitou Yuma recentemente. 

"Como crianças, hoje eles fazem parte da eleição presidencial. Conforme a campanha ganhar força quando eles ficarem mais desesperados, a situação na fronteira vai piorar." 

Até agora, os moradores suportaram o custo. O prefeito, um republicano casado com a filha de um imigrante mexicano, despachou funcionários da Prefeitura para ajudar.

O Conselho de Supervisores do condado, comandado por democratas, votou unanimemente para gastar até US$ 25 mil em equipamentos para abrigos, se eles aumentarem.

"Sou contra a imigração ilegal porque é ilegal, mas o que você vê hoje é migração. É legal", disse Russell McCloud, vice-presidente do conselho e um republicano, referindo-se aos solicitantes de asilo da América Central. "Essa é a questão, certo? Senão eles seriam detidos e mandados de volta."

Nas instalações da Patrulha de Fronteiras, segundo advogados, as crianças ficam estranhamente silenciosas. Mas nos abrigos elas ganham vida. Brincam, dão gritos, se abraçam a animais de pelúcia.

Elas têm suas próprias ideias sobre o que há de bom na América. Algumas desejam uma bicicleta, outras uma educação melhor. Algumas disseram que querem mandar dinheiro para os pais e irmãos que ficaram para trás. 

Em um mosteiro reformado em Tucson, dirigido pela Comunidade Católica de Serviços do Sul do Arizona, adultos bebiam café e crianças andavam de bicicleta perto de laranjeiras no quintal num dia recente. Profissionais de medicina vagavam pelos corredores. Escritórios foram reservados para consulados, advogados, telefonemas e doações de roupas. As crianças carregavam animais estofados. E apontavam para seus destinos em mapas gigantes dos Estados Unidos: Tennessee, Arkansas, Flórida. 

Ammanuel e Ayembi, irmãos gêmeos da Guatemala, vão para a Pensilvânia encontrar seu avô pela primeira vez. Sua mãe, Beisy, 22, não o vê desde que ele saiu da Guatemala, 15 anos atrás, para trabalhar e mandar dinheiro para casa.

Uma mulher de Honduras chamada Lilian começou a chorar quando perguntada sobre como os contrabandistas a trataram na jornada. Ela disse que saiu de seu país porque sua mãe tem câncer e precisa de mais dinheiro para pagar o tratamento. 

"Eu não podia pagar", disse ela, enxugando as lágrimas para que sua filha Adriana, 3, não as visse.

Ali perto, Sofia, 4, passeava pelo corredor do segundo andar de pijama azul, à espera do Mickey Mouse. Para acalmar Sofia e seus irmãos —Rigoberto, 1, e Claudia, 8 — , a mãe lhes disse que iriam para a Disneyland.

"Onde está ele, 'mami'?", a menina não parava de perguntar, esperando ver o famoso personagem de Disney. "Ela pensa que estamos em férias", disse Queny num sussurro, dizendo que fugiu do marido que a traía e pretende ficar com uma amiga na Carolina do Norte. "Vamos trabalhar." 

Ao sul de Yuma, do outro lado da fronteira mexicana, mais famílias esperam para entrar.

Numa noite recente, crianças brincavam com bonecas Barbie e livros de pintar em uma calçada suja numa rua congestionada pelo trânsito. Elas dormiam sob lonas azuis presas por pedras e apertadas contra uma cerca enorme fortificada com arame cortante. Estão esperando para cruzar ilegalmente, e estão ali há meses. 

Um menino brincava sobre uma cerca alta que separa o México dos EUA. Outro girava a fita de isolamento da polícia como um laço de caubói. Um cão sem dono os seguia para todo lugar. Eles o chamaram de Firulay.

"Quem sofre mais são as crianças", disse Rosa, que viajou de El Salvador até a fronteira americana com sua filha de 10 anos, Ruth, uma aspirante a comissária de bordo. "Elas podem estar sorrindo e brincando, mas só elas sabem o que sentem."

Evelyn, uma menina com sorriso desdentado do México que viaja com sua mãe, Marisol, mostrou uma boneca. Ela fará 6 anos em novembro. 

"Meu aniversário será do outro lado", disse ela.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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