Centro cultural cancela Dia da Turquia em SP por medo de perseguição política

Comunidade turca teme retaliação de governo Erdogan após pedido de extradição contra comerciante

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São Paulo

O Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT) decidiu cancelar os eventos comemorativos deste ano do Dia da Comunidade Turca na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo devido ao temor de perseguição política.

Realizados desde 2014 —inicialmente na Câmara Municipal de São Paulo e depois também na Assembleia—, os eventos costumam ter uma programação com sessão solene, apresentações culturais e uma premiação a personalidades que contribuíram para as relações entre os dois países. Neste ano, estavam marcados para 20 de maio.

O presidente do Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT), Mustafa Goktepe, em evento de 2017
O presidente do Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT), Mustafa Goktepe, em evento de 2017 - Mastrangelo Reino-11.dez.17/Folhapress

Segundo o CCBT, desde 2016 a embaixada e o consulado da Turquia vêm pressionando a entidade e a Assembleia para não realizarem a comemoração. Em 15 de junho desse ano, houve uma tentativa frustrada de golpe contra o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que ele atribuiu ao clérigo muçulmano Fethullah Gülen, exilado nos EUA.

Desde então, Erdogan vem empreendendo uma campanha global contra seguidores do movimento criado por Gülen, o Hizmet —que o governo turco considera terrorista, embora não haja registros de atos terroristas cometidos por ele.

O CCBT se inspira no Hizmet e defende seu caráter pacífico, focado em educação e tolerância religiosa. “Conseguimos resistir e continuar a organizar essas importantes atividades até hoje. Mas a perseguição do Erdogan chegou ao ponto de prender um dos membros da comunidade do movimento Hizmet”, afirma um comunicado da entidade.

A nota se refere a Ali Sipahi, comerciante turco naturalizado brasileiro que ficou preso preventivamente durante 33 dias após um pedido de extradição contra ele enviado pelo governo turco sob a acusação de que é membro do Hizmet. No último dia 7, o Supremo Tribunal Federal decidiu que ele poderá agora aguardar o julgamento em liberdade.

“Cancelar o evento deste ano foi motivo de muita tristeza para mim. Mas a comunidade ficou preocupadíssima de participar por medo de se expor e de ser fichada, ou seja, quem ainda não recebeu processo [de extradição] começar a receber”, disse à Folha Mustafa Goktepe, presidente do CCBT.

Goktepe afirma que outro motivo para desistir das comemorações foi a “falta de recursos financeiros e humanos”, já que alguns membros do CCBT saíram do Brasil por medo de uma eventual prisão após pedidos de extradição semelhantes.

Ele próprio está nos Estados Unidos: tinha ido de férias com a família, mas após a prisão de Sipahi decidiu não voltar para São Paulo na data prevista, 9 de abril. “Quero voltar. Tenho família, trabalho e amigos em São Paulo. Sou brasileiro não só naturalizado, de coração mesmo. Mas não tenho garantias de que não serei preso quando eu chegar”, afirma.

Segundo Goktepe, por não ter tido sucesso com o cancelamento dos eventos do CCBT nos últimos dois anos, a embaixada organizou eventos paralelos na Câmara e na Assembleia, em datas próximas.

Ele afirma que no ano passado a representação diplomática enviou um pedido oficial para que não fosse tocado o hino nacional da Turquia no evento do CCBT. “O cerimonial não sabia como tratar a questão e não tocou. Acabamos tocando no meu celular”, conta. 

Alguns premiados em anos anteriores no evento do CCBT foram Gloria Perez, autora da novela "Salve Jorge" (filmada na Turquia), o ex-jogador de futebol Zico, que foi técnico do time turco Fenerbahçe, e o diretor do Sesc no Estado de São Paulo, Danilo Miranda.

Procurada, a embaixada da Turquia no Brasil enviou nota na qual afirma que “o Centro Cultural Brasil-Turquia não representa legalmente ou de qualquer outra forma a Turquia. A Turquia é representada por suas missões diplomáticas no exterior (embaixadas/consulados etc.)”.

Enviou, ainda, um texto sobre o Hizmet, afirmando que “se disfarçou como um movimento de educação” e “gradualmente se transformou em uma estrutura operacional sigilosa com o objetivo de transformar a sociedade, assumindo o controle do Estado turco”.

“Fetullah Gülen é o líder de uma organização secreta, altamente hierárquica e antidemocrática (o chamado movimento Hizmet) que tentou o mais violento ataque terrorista da história turca na noite de 15 de julho de 2016”, diz o texto.

De acordo com a nota, seus membros “pretendem se infiltrar e ampliar sua influência econômica e política global” e constituem uma ameaça à segurança da Turquia e dos outros países onde operam.

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