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Conflito entre EUA e Irã não seria como a guerra do Iraque. Seria pior

Efetivo e população maiores, além de território mais extenso, seriam complicações para norte-americanos

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Adam Taylordo
Washington | Washington Post

A julgar pelas aparências, Estados Unidos e Irã estão preocupantemente perto de entrar em conflito.

No fim de semana passado, dias depois de os EUA ter despachado navios de guerra e bombardeiros ao Oriente Médio para deter o que julgou serem ameaças do Irã, dois petroleiros sauditas e um navio norueguês foram danificados em aparentes atos de sabotagem no Golfo Pérsico.

A disputa entre uma administração americana chefiada por um presidente republicano de discurso intransigente e uma potência do Oriente Médio sitiada, mas antagônica, lembra a muitos observadores o período que precedeu a invasão liderada pelos EUA do Iraque em 2003 —uma iniciativa que desde então foi amplamente condenada como tendo sido desastrosa para todos os envolvidos.​

Especialistas em logística naval próximo a um helicóptero Sea Hawk MH-60S
Especialistas em logística naval próximo a um helicóptero Sea Hawk MH-60S - MC3 Amber Smalley/Navy Office of Information/AFP

Até mesmo alguns dos personagens deste aparente remake são os mesmos: John Bolton, o assessor de segurança nacional do presidente Donald Trump, exerceu papel chave na escalada do presidente George W. Bush à invasão do Iraque, como subsecretário de Estado para o controle de armas e segurança internacional.

As ações de Bolton na época lhe valeram fama de insensatez. O chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, pareceu ter aludido a ele na terça-feira (14), dizendo a jornalistas que “indivíduos extremistas na administração americana” estão tentando culpar o Irã falsamente pelos incidentes no Golfo Pérsico.

Apesar das semelhanças, porém, um conflito com o Irã não seria uma simples reprise da guerra de 2003 com o Iraque. Seria diferente sob vários aspectos —e quase certamente seria muito pior.

O Irã de hoje é um país significativamente diferente do Iraque em 2003. O modo como ele travaria uma guerra também é muito diferente.

Para começo de conversa, o Irã é um país maior do que era o Iraque antes da invasão de 2003. O Iraque tinha na época cerca de 25 milhões de habitantes. A população iraniana é estimada hoje em mais de 82 milhões.

O Irã cobre uma área de mais de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, comparado com os 435 mil quilômetros quadrados do Iraque.

Uma estimativa de 2005 sugeriu que o Exército iraquiano tinha menos de 450 mil homens quando a invasão começou. Estimativas recentes indicam que o Irã tem 523 mil militares na ativa, além de 250 mil na reserva.

Igualmente importante é a localização do Irã. Diferentemente do Iraque, o Irã é uma potência marítima delimitada pelo mar Cáspio ao norte e o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã ao sul. O país faz fronteira terrestre com vários países aliados dos EUA que vivem situações conturbadas, incluindo Afeganistão, Paquistão, Turquia e Iraque.

Sua localização central na Eurásia é especialmente importante para o comércio global. Cerca de um terço do petróleo mundial transportado em navios petroleiros passa pelo estreito de Hormuz, que faz fronteira com o Irã e Omã.

Em seu ponto mais estreito, essa via marítima não chega a dois quilômetros de largura. Um bloqueio dela pode levar a uma queda estimada de 30% nas exportações globais diárias de petróleo.

O Irã é muito mais fraco que os EUA em termos de poderio militar convencional. Mas o país adota há anos estratégias assimétricas que lhe permitiriam causar danos graves aos interesses dos EUA na região.

Separada das forças militares regulares, a Guarda Revolucionária iraniana, força leal ao líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, possui uma operação externa de operações especiais conhecida como a Força Quds que ajudou a criar forças que promovem seus interesses em países como Iraque, Líbano e Síria. Ela financia milícias como o poderoso Hizbullah.

O Irã já usou esse tipo de grupo no passado para atacar alvos americanos. No início deste ano, uma estimativa da revista do Pentágono concluiu que forças agindo no interesse do Irã mataram pelo menos 608 soldados americanos no Iraque entre 2003 e 2011. Forças atuando no interesse do Irã podem voltar a causar estragos no Iraque e Afeganistão.

A Marinha iraniana também possui uma vantagem real em relação aos EUA. Por exemplo, ela não precisa de navios grandes ou muito poder de fogo para bloquear o estreito de Hormuz —poderia usar minas ou submarinos para obstruir o comércio petrolífero.

Exercícios militares dos EUA sugerem que ataques com mísseis ou ataques suicidas com lanchas podem ser surpreendentemente eficazes contra forças americanas.

Um relatório de 2017 do Escritório de Inteligência Naval concluiu que a marinha da Guarda Revolucionária, entidade distinta da Marinha regular iraniana e cujas embarcações são menores e mais velozes, mas ainda fortemente armadas, foi encarregada de mais tarefas na proteção do Golfo Pérsico.

E há o programa iraniano de mísseis balísticos que o Projeto de Ameaça de Mísseis do think tank Center for Strategic and International Studies descreve como “o maior e mais diverso arsenal de mísseis do Oriente Médio”.

E o perigo representado pela tecnologia iraniana de mísseis se estende além das fronteiras do país: acredita-se que o Hizbullah possui um arsenal de 130 mil foguetes.

Se os Estados Unidos entrassem em guerra com o Irã, isso provavelmente exigiria o uso de grande número de militares que, de outro modo, seriam usados para frear potências maiores como a China ou a Rússia.

O The New York Times informou na segunda-feira (13) que o secretário interino de Defesa de Trump, Patrick Shanahan, traçou planos para o envio de 120 mil tropas americanas à região se o Irã atacar forças americanas ou reiniciar seu programa nuclear.

Essa previsão foi baseada em um cenário que não envolve uma invasão, algo que exigiria mais tropas.

A invasão do Iraque envolveu 150 mil soldados americanos e dezenas de milhares de soldados de países aliados. O custo financeiro da Guerra do Iraque foi calculado em 2013 em mais de US$ 2 trilhões.

Mais de 400 mil pessoas teriam morrido no conflito entre 2003 e 2011. Os planejadores americanos sabem de tudo isso.

Mas o governo americano não pode dizer que não existem boas alternativas a um enfrentamento militar com o Irã, porque se o fizer, isso tirará a ameaça de ação militar da mesa e reduzirá a pressão que ele espera manter sobre Teerã.

É uma estratégia de risco que preocupa mesmo os aliados mais estreitos dos Estados Unidos.

Tradução de Clara Allain

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