A renúncia de uma aliada e a virulência dos ataques à nova proposta do Executivo para o brexit empurraram o governo Theresa May nesta quarta (22) para a beira do abismo.
Desgastada, a primeira-ministra já tinha prometido fixar um calendário para sua saída assim que o Parlamento britânico votasse pela quarta vez o acordo de separação do Reino Unido da União Europeia (UE), o que deveria acontecer na primeira semana de junho.
Mas agora é bastante possível que não resista no posto até lá. Isso porque dois itens que não constavam das versões anteriores do texto enfureceram os correligionários de May no Partido Conservador: a possibilidade de os deputados votarem sobre a realização de um referendo que daria legitimidade popular ao pacto e o aceno a uma união aduaneira com a UE —cuja entrada em vigor também dependeria do endosso do Legislativo.
O primeiro adendo levou a líder do governo na Câmara dos Comuns (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira), Andrea Leadsom, a entregar os pontos —e a carta de demissão.
“Não acredito mais que a nossa abordagem [para o brexit] vá ser condizente com o resultado do plebiscito”, escreveu a parlamentar, referindo-se à consulta de junho de 2016 em que 52% votaram pelo desligamento britânico da UE.
“Sempre sustentei que um segundo plebiscito seria perigosamente polarizador e não apoio o governo abrir caminho para essa concessão.”
Vários correligionários expressaram solidariedade à deputada, falando abertamente, por exemplo, em “coisa certa a fazer” diante de uma quebra de promessa por May (a de não promover outra consulta popular).
O conservador Tom Tugendhat chegou ao ponto de escrever no jornal Financial Times: “É hora de a primeira-ministra ir embora —e sem delongas [...] Ela precisa anunciar sua renúncia depois da eleição europeia [que acontece nesta quinta]”.
A recepção glacial ao plano 2.0 para o brexit fez evaporarem as chances de May “virar” os votos dos 34 colegas de partido que ainda se opunham ao texto na terceira consulta, no fim de março.
A aversão ao acordo no campo conservador vinha caindo ao longo das votações (115, 75, 34), mas, na quarta-feira, a imprensa inglesa já calculava em cerca de 70 os potenciais “nãos” de correligionários à nova proposta.
Os próprios ministros de May disseram ter sido pegos de surpresa pelas provisões inéditas, não condizentes, segundo eles, com o que fora acordado.
A manobra da primeira-ministra tinha como alvo também o Partido Trabalhista. A líder imaginava conseguir atrair alguns votos da legenda com a sinalização de abertura a uma união aduaneira pós-brexit.
Isso em tese poderia atender a uma das reivindicações dos trabalhistas —que, no entanto, defendem o caráter permanente, e não transitório, de uma eventual zona de livre-comércio com tarifa externa comum.
Ocorre que a oposição rechaçou a isca de cara, porque entende que May está por um fio na chefia de governo e que o sucessor ou sucessora pode simplesmente ignorar compromissos assumidos por uma líder no apagar das luzes de sua gestão.
Um ocaso que o Partido Conservador age para precipitar. Nesta sexta (24), quando ela encontrar o chefe de um grupo de parlamentares para traçar seus próximos passos, deve ser instada a anunciar sua saída de cena.
Em teoria, os colegas de legenda não podem tirá-la antes de dezembro, quando terá passado um ano desde que resistiu a um voto de desconfiança interno. Ninguém espera, porém, que a resiliente filha de pastor tenha mais sete meses de sobrevida política.
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