Descrição de chapéu The Washington Post

Dia das mães é motivo de tristeza para imigrantes distantes das mães

Centro-americanos lotam agências de empresas que realizam transferências para mandar dinheiro às suas mães

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Famílias de imigrantes deixam custódia em McAllen, Texas
Famílias de imigrantes deixam custódia em McAllen, Texas - John Moore/Getty Images/AFP
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Todo dia que ela passa longe de sua mãe é doloroso para Marleni Suncín. Mas há algo de especialmente melancólico no dia de hoje, especialmente este ano.

Sua mãe tem 80 anos, vive em El Salvador, recebeu diagnóstico de câncer recentemente e está com falência renal. Suncín, residente em Washington e mãe de um menino de 6 meses, não poderia fazer a viagem para passar com sua mãe um dos feriados mais importantes do ano para as famílias em El Salvador e boa parte da América Latina: o Dia das Mães, comemorado em vários países no dia 10 de maio.

Na tarde da quinta-feira (9), empurrando seu filhinho Santiago num carrinho de bebê, ela fez fila numa agência da Western Union em Washington para mandar US$ 300 para sua mãe. Com o dinheiro, talvez seus irmãos pudessem mandar uma banda de mariachi para fazer uma serenata para sua mãe na sexta-feira cedo, tocando a canção clássica “Las Mañanitas”.

“Não sei se no ano que vem ela ainda estará conosco”, disse Suncín. “Espero que ela possa curtir seu dia este ano.”

Ao longo da tarde, outros centro-americanos lotaram a agência da Western Union e outras empresas das proximidades que realizam transferências de dinheiro para mandar dinheiro às suas mães distantes.

Um deles foi Pedro Job Rivera, que não vê sua mãe, que é salvadorenha, há 15 anos e tem saudades de seus abraços e sua canja de galinha. O hondurenho Nelson Rodriguez, 26, deixou seu país há dois anos e ainda está se acostumando a viver longe de sua mãe. Amadeo Landaverde, operário da construção civil salvadorenho de 38 anos, tem uma filha de 7 anos que só se recorda de ter visto sua avó pelo Skype.

Com a grande comunidade imigrante residente em Washington, especialmente os imigrantes centro-americanos, sempre existe alta demanda por serviços de transferência de dinheiro. Mas as agências que realizam transferências só têm movimento tão grande uma vez por ano.

É o que se pode chamar de efeito do Dia das Mães: ano após ano as remessas feitas por pessoas nos Estados Unidos a parentes no México e América Latina chegam ao auge em maio, especificamente por volta do Dia das Mães –mais que no Natal ou qualquer outro feriado.

No período imediatamente anterior e posterior ao Dia das Mães, a Western Union registra um aumento nítido no volume de dinheiro remetido dos EUA para o mundo. A América Latina, incluindo o México e o Caribe, é a região que recebe mais dinheiro dos EUA para o Dia das Mães, segundo a Western Union.

Nos últimos seis anos, maio vem sendo o mês em que são registradas as maiores remessas de dólares dos EUA para o México, Brasil e Guatemala, segundo dados fornecidos por Dilip Ratha, economista chefe do Banco Mundial. Em outros países da América Central e do Caribe, maio é um dos meses de pico das remessas.

No México, maio também foi o mês em que foi recebido o maior número de remessas: 315 mil chegaram ao México em maio de 2018, contra uma média mensal de 285 mil durante o ano todo, segundo dados de Jesús Cervantes, gerente de estatísticas econômicas do Centro de Estudos Monetários Latino-Americanos.

Pesquisas com milhares de migrantes de toda a América Central e o Caribe indicam que as maiores destinatárias de remessas ao longo de todo ano são as mães de migrantes, disse Cervantes.

“Nada se compara ao Dia das Mães”, comentou Dora Escobar, conhecida como “La Chiquita”. Ela é dona de uma dúzia de agências de transferência de dinheiro no estado de Maryland, além de cinco restaurantes.

A primeira semana de maio pode ser de grande movimento para ela e outros donos de firmas que realizam remessas de dinheiro. “Mas, para alguns de nós, essa talvez seja a época mais triste do ano”, disse Escobar. “Ela gera muita saudade. Nos faz pensar na nossa casa, nossa família.”

O papel da mãe possui algo de especialmente sagrado nas culturas latinas, fato refletido na importância atribuída a Nossa Senhora de Guadalupe e outras visões da Virgem Maria. A cultura asteca enxergava as mães que se preparavam para dar à luz como tão corajosas e temíveis quando guerreiros que partiam para a batalha, disse Belinda Campos, professora adjunta do Departamento de Estudos Chicanos/Latinos na Universidade da Califórnia em Irvine.

A própria expressão em espanhol que expressa o ato de parir ganha relevância maior: “dar a luz”.

“Há aquele ditado, ‘mãe, só existe uma’”, disse Campos. “É um jeito de destacar que essa foi a pessoa que lhe deu a vida. Você nunca vai poder lhe retribuir o que ela fez. Ela lhe deu a vida.”

Então que tipo de festa poderia ser apropriada para alguém que lhe deu a vida, que lhe deu à luz?

Em toda a América Latina, tudo o mundo larga qualquer coisa que estiver fazendo para prestar homenagem às suas mães e avós. Famílias inteiras se reúnem para um almoço especial. Nas escolas, crianças fazem apresentações dedicadas às suas mães. No México há missas especiais de Dia das Mães nas igrejas, algumas repartições públicas fecham no dia e políticos levam flores para monumentos em homenagem a mães.

Além da pompa e circunstância, a ideia é que o feriado seja um momento que as pessoas possam passar juntas, em família. Nos EUA, no Dia das Mães, disse Campos, “a ideia é que você deve dar um dia de folga à sua mãe, levar café da manhã na cama para ela, dar a ela um tempinho para ela passar a sós. Para latino-americanos, isso soa estranho. Eles não procuram esse tipo de separação –querem a proximidade, a conexão.”

Por isso, para imigrantes latino-americanos que não podem passar o feriado com suas mães, o Dia das Mães pode trazer sentimentos de culpa e uma saudade enorme de casa.

Enquanto Marleni Suncín aguardava na Western Union, pensava nos conselhos sábios de sua mãe, em suas repreensões apropriadas, no café da tarde que elas gostavam de tomar juntas.

“Estou triste porque sei que ela precisa de mim lá pessoalmente, mas se eu estivesse lá não poderia ganhar o dinheiro que ela necessita”, falou Suncín, que trabalha meio-período num lar de idosos. “São os sacrifícios que temos que fazer.”

No final da tarde a fila já se estendia até a porta da Western Union do bairro Adams Morgan, com suas paredes forradas de anúncios em espanhol de cartões telefônicos pré-pagos. Folhas de papel pregadas à vidraça diante dos caixas lembravam aos clientes que as remessas só podiam ser pagas em dinheiro vivo. Sem motivo aparente, uma caixa de amostras de perfume estava aberta sobre uma mesa de display de planos telefônicos Digicel.

Numa loja da Multi Envios a algumas quadras de distância, no bairro de Mount Pleasant, Narciso Molina, de 70 anos, se aproximou do balcão e pediu para enviar dinheiro a seus netos em El Salvador, “para que eles possam comprar alguma coisa para a mãe deles”, como disse ao funcionário.

A mãe de Molina morreu pouco depois de ele se radicar nos EUA, 14 anos atrás. “Não gosto de pensar nisso, senão me dá vontade de chorar”, ele disse. Mas falou que quer ensinar a seus netos sobre a importância desse dia, a importância de homenagear a mãe deles.

“A mãe é aquela que nos nutre, aquela que passou a vida preocupada conosco”, ele disse. “Mais que qualquer outra pessoa, é a mãe.”

Durante o pico do movimento, a Sigue, uma firma latino-americana de transferências de dinheiro, montou um estande na loje com bonés gratuitos, latas de Coca-Cola e bolachinhas salvadorenhas para festejar o Dia das Mães.

“Você já mandou dinheiro para o Dia das Mães?” perguntava um representante da empresa aos clientes que chegavam. Thalia, de 7 anos, puxou o braço de seu pai, Amadeo Landaverde, e o vendedor lhe ofereceu um pirulito.

Landaverde é marceneiro, vive em Washington e até deixar sua família em El Salvador, 20 anos atrás, nunca tinha estado longe de casa. Desde então ele só retornou uma vez.

“Sempre penso na minha mãe, especialmente neste dia. Este é o dia dela, e eu queria poder estar lá”, ele explicou. “Mas essa é a vida. A gente tem que ser forte e saber que nossa família está melhor porque nós estamos aqui. Temos que lutar de longe, mas no coração estamos ao lado dela.”

Logo adiante dele na fila, Pedro Job Rivera, 45 anos, falou de sua cidade de Suchitoto, em El Salvador, onde as famílias repartem tamales e pães com frango no Dia das Mães, festejando o dia com suas mães. Ele queria poder estar lá para levar um buquê de rosas à sua mãe, que tem 82 anos e que ele não vê desde que se mudou para os EUA, 15 anos atrás.

Acima de tudo, porém, ele sentia gratidão porque ela ainda está viva e torcia para ela estar curtindo seu dia.

“A gente quer passar o dia com a mãe, mas infelizmente não pode”, ele comentou. “Mas nunca perde a esperança de poder revê-la.”

Tradução de Clara Allain

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